Um panorama geral sobre transtornos alimentares

Quando a comida faz o papel de vilão na vida de uma pessoa, e ela tem uma relação disfuncional com o ato de se alimentar, algo pode estar muito errado. Não sejamos ingênuos de achar que os transtornos alimentares são somente preocupações com comida e peso.  Na maioria das vezes é um panorama muito mais amplo do que isso.

Os transtornos alimentares (TA) fazem parte da categoria dos transtornos psicológicos que são caracterizados por distúrbios graves e persistentes nos comportamentos alimentares e pensamentos e emoções angustiantes associados ao comportamento de comer. São frequentemente associados a preocupações com comida, peso ou forma, ou com ansiedade sobre comer e as consequências de comer certos alimentos. Mas além disso, são condições complexas que começam a partir de uma combinação de fatores comportamentais, emocionais, psicológicos, interpessoais e sociais de longa data.

Os tipos de transtornos alimentares incluem compulsão alimentar periódica, anorexia nervosa, bulimia nervosa, e patologias ligadas como ingestão alimentar restritiva e uso de métodos inadequados para manutenção e perda de peso, além da prática de exercícios físicos de forma compulsiva. Esses comportamentos podem ser conduzidos de maneiras que se assemelham a um vício.

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O comer transtornado (CT) abarca todo tipo de comportamento alimentar disfuncional ou que possa ser conceituado como não saudável, tendo grandes chances de desenvolver um TA, como por exemplo dietas restritivas, uso de medicamentos para o controle de peso, jejum prolongado, utilização de substitutos para refeições como shakes ou suplementos, ingestão muito baixa de alimentos ou outros tipos de comportamentos que têm como objetivo reduzir a quantidade de alimento consumido e o controle de peso de forma problemática. O comer transtornado (disordered eating) pode aumentar a probabilidade de desenvolvimento de TA, visto que ele apresenta particularidades parecidas dos transtornos alimentares, o que muda é a frequência e gravidade dos sintomas, que são diminuídos.

Os transtornos alimentares são condições muito graves que afetam a função física, psicológica e social, e abrangem até 5% da população, na maioria das vezes se desenvolvem na adolescência e na idade adulta jovem (de 12 a 35 anos). Normalmente estão mais relacionados às mulheres, mas todos estes comportamentos podem ocorrer em qualquer idade e afetar qualquer gênero.  Nos últimos anos, tem-se observado o aumento do número de homens acometidos, embora a proporção estimada seja de um para cada 10 casos.

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Geralmente ocorrem em conjunto com outros transtornos, como transtornos de humor e ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo e problemas de abuso de álcool e drogas. As evidências sugerem que os genes e a hereditariedade desempenham um papel importante, motivo pelo qual algumas pessoas correm maior risco de apresentar em algum momento da vida um transtorno alimentar, mas esses distúrbios também podem afetar aqueles sem histórico familiar da doença. Pessoas que sofrem de uma dessas condições costumam usar a comida na tentativa de compensar sentimentos e emoções que, de outra forma, podem parecer esmagadores. Para alguns, fazer dieta, compulsão e purgação podem começar como uma maneira de lidar com emoções dolorosas e se sentir no controle de suas vidas. Mas, ao passar do tempo, esses comportamentos prejudicarão a saúde física e emocional deste indivíduo, sua autoestima e o senso de competência e controle.

A literatura traz algumas características de personalidade que podem ser percebidas nas pessoas que possuem algum TA. Estudos apontam que eles podem vir em forma de uma preocupação em excesso com a aprovação social, alterações na sua percepção corporal, tentativa de se encaixar nas expectativas dos pais, sentimento de vazio e sintomas depressivos. A hipervalorizarão da magreza na atualidade pode contribuir para sentimentos de depressão, culpa, raiva, estresse e insegurança nas pessoas menos confiantes que se percebem longe de um padrão socialmente valorizado do corpo ideal.

O DSM-5 traz como sinais e sintomas da anorexia nervosa por exemplo alguns critérios como a recusa em manter o peso corporal saudável, medo intenso do ganho de peso ou de se tornar obeso, ainda que esteja abaixo do peso, distorção na forma de perceber o corpo e o peso, ou negação da seriedade da atual perda de peso. Em mulheres, consideram-se como critério diagnóstico a ausência de menstruação e restrições alimentares com um padrão alimentar atípico e extrema perda de peso, induzida e mantida a todo custo, além de um medo intenso de engordar. Já para a Bulimia Nervosa incluem episódio de compulsão alimentar seguido de comportamentos compensatórios (episódio bulímico). Desse modo, a preocupação excessiva com relação ao controle do peso corporal conduz a uma alternância entre uma ingestão excessiva de alimentos e vômitos autoinduzidos, ou até uso de métodos purgativos, como estratégias compensatórias para o grande volume de alimentos ingeridos (Associação Americana de Psiquiatria, 2003).

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Como os transtornos alimentares têm causas multifatoriais, e levando em consideração a complexidade dos transtornos, tanto no início dos sintomas como na manutenção do quadro como um todo, o tratamento dos TA deve envolver uma abordagem multidisciplinar, envolvendo nutricionista, endocrinologista, psicólogo e psiquiatra. O tratamento deve abordar complicações psicológicas, comportamentais, nutricionais e outras complicações médicas. A ambivalência em relação ao tratamento, a negação de um problema com a alimentação e o peso ou a ansiedade sobre a mudança dos padrões alimentares não são incomuns, mas com técnicas comportamentais o paciente pode começar a perceber algumas mudanças, como maior controle da ansiedade, diminuição dos sintomas, maior auto controle, diminuição do sentimento de culpa, desenvolvimento de estratégias para lidar com as crises, melhora da autoestima, equilíbrio do peso e a mudança na relação com o ato de comer e com o corpo, deixando de enxergar a alimentação como vilã e fazendo as pazes com o comportamento de comer.

O tratamento deve ter como objetivo restaurar a nutrição adequada do paciente, e a compulsão e o exagero devem ser reduzidos de forma que o hábito alimentar do paciente se torne algo prazeroso, sem culpa e, principalmente, saudável.

REFERÊNCIAS

Comer transtornado e o transtorno de compulsão alimentar e as abordagens da nutrição comportamental. Revista Interciência, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/Cxfh6QpdC9cM57xLsQZjFfv/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 04/04/2022.

Aconselhamento em saúde: fatores terapêuticos em grupo de apoio psicológico para transtornos alimentares. Estudos de Psicologia, 2014. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/302-Texto%20do%20artigo-1229-1-10-20210713.pdf. Acesso em 05/04/2022.