Nas longas sessões de filmes clássicos da sessão da tarde, onde existem cenários futurísticos com carros voadores nos jetsons ou blade runner, até teorias físicas e astrofísicas presentes de forma cartunesca para justificar eventos e fatos nos quadrinhos da marvel, temos uma ideia de como a indústria do entretenimento ou a arte imagina – inspira- os próximos passos da ciência.
Nos últimos anos, o ramo de tecnologia aplicada à medicina parece estar iniciando o caminho para a geração de órgãos sintéticos. Sim! como o corpo do homem bicentenário, ou o olho do Thor. Mais além, como a arte imagina a ciência, por que não uma mão e olhos aprimorados como em cyberpunk 2077? O futuro é promissor, mas vamos entender melhor como essa tecnologia funciona e qual é o status atual tanto de sua utilização no mercado quanto da capacidade atual de gerar tecidos e órgãos.
A tecnologia de Bioimpressão possui etapas similares à da impressão 3D. Sendo basicamente as seguintes etapas [1] :
- Etapa de pré-processamento, nesta etapa necessita-se de um BioCAD / Blueprint ou simplesmente do projeto do tecido para a bioimpressão;
- Etapa de processamento ou bioimpressão 3D, nesta etapa são utilizados componentes, como células ou esferóides, materiais sintéticos ou biomateriais, hidrogéis e biomoléculas;
- Etapa de pós-processamento é a etapa de maturação do tecido bio impresso. Ela necessita de sistemas fechados e controlados para a maturação do tecido bio impresso, podendo ser equipamentos chamados biorreatores, essenciais para o desenvolvimento do tecido bio impresso.
Há portanto uma importante relação multidisciplinar que propicia a existência dessa tecnologia. Para isso, os ramos da engenharia tecidual, da biofabricação, da bioimpressão e da tecnologia da informação se entrelaçam dando origem à possibilidade de construção de órgãos funcionais sintéticos.
Vale destacar que a engenharia de tecidos já existia desde os anos 80, período no qual já era possível cultivar células de um coração. Outros avanços que merecem menção são: o desenvolvimento de uma orelha nas costas de um camundongo em meados dos anos 90 e, em 2019, a impressão de um cubo 3cmx3cmx3cm de um coração humano [2]. Para um leigo parece pouco ou inexpressivo, mas se trata de um grande avanço, que demarca o início do foco de mais estudos na área que possibilitará o desenvolvimento completo de órgãos.
A implementação da impressão se dá objetivamente pela inserção de célula por célula – seja muscular, endoteliais ou células tronco – fixadas por hidrogel de textura semelhante ao gel de cabelo que obviamente é composto por materiais biologicamente compatíveis com as células que comporão o tecido ou órgão em questão. Em alguns artigos esse hidrogel pode ser de biotina ou fibrina. Conforme pode ser visto no vídeo abaixo.
Vídeo – Bioimpressão de órgãos humanos
“Atualmente temos próteses e implantes adequados para tecidos ósseos e para cartilagem. Mas por conta dessa complexidade bioquímica e biomecânica dos osteocondrais, não existe um biomaterial comercialmente adequado para esse tipo de implante. Por isso, os médicos acabam tendo bastante dificuldade de tratar lesões nos joelhos dos pacientes, por conta da dificuldade da especificidade da região osteocondral”[3].
“Nos últimos anos, ocorreu bastante progresso na pesquisa referente a tecnologia de bioimpressão e sua aplicação na geração de análogos de tecidos, incluindo pele, válvulas cardíacas, vasos sanguíneos, ossos, cartilagem, estruturas da córnea, fígado, tireoide e tecido cardíaco” [1].
Consoante a isso, há o problema de não ser possível, ainda, a impressão de órgãos plenamente funcionais, portanto há alguns passos que precisam ser dados antes de se alcançar o patamar desejado, a bioimpressão também enfrenta dificuldades para encontrar materiais que promovam o melhor ambiente possível para o crescimento das células que formariam o órgão. Os polímeros sintéticos utilizados na impressão, apesar de serem fortes e adaptáveis para melhorar a viscosidade e a capacidade de se imprimir os órgãos, não são biodegradáveis e não possuem uma boa adesão para suportar o crescimento adequado de células, ou seja, não possuem uma boa biocompatibilidade. Por outro lado, polímeros naturais não são tão fortes nem possuem a adaptabilidade dos sintéticos, porém oferecem uma adesão melhor para o crescimento de células. Estudos estão sendo feitos para que um material que combine as qualidades dos dois tipos de polímeros, como na Universidade de Swansea, que propôs a utilização de polímeros baseados na utilização de plantas, combinando a resistência da célula vegetal com a adesão para o suporte do crescimento das células [4].
Outro problema com a bioimpressão é a vascularização dos tecidos impressos, uma vez que as ferramentas atuais muitas vezes não possuem a capacidade de criar a vascularização de calibre apropriado para os tecidos. No corpo os vasos sanguíneos carregam nutrientes e oxigênio para as células e levam das células o lixo celular [5]. Assim como o problemas dos polímeros, existem estudos sendo feitos para solucionar esse problema, como uma nova impressora da Cellink and Prellis Biologics[6] e o modelo SWIFT de impressão, do Instituto Wyss de Harvard [7].
Por fim, para avançar nessa área deve se ter ciência que esse estudo agora é muito mais sistemático, e necessita de uma nova abordagem computacional para compreender sistemas biológicos complexos de tecidos. Com isso, o BioCAE (plataformas integradas para estimar processos biológicos) poderá se tornar a chave para etapas importantes dos processos de Biofabricação e Bioimpressão de tecidos”[1]. Para o sucesso do BioCAE na área da bioimpressão, é imprescindível o avanço no conhecimento biológico e na compreensão da relação entre células e tecidos.
“Compreender o fenótipo celular e tecidual, redes de interação de linhagens celulares, células induzidas/editadas e de tecidos é crucial para o desenvolvimento de novos Bioprocessos e Bioprodutos, como a biofabricação de tecidos e futuramente órgãos”[1]. O conhecimento é a chave para o desenvolvimento em qualquer área de conhecimento, e uma das barreiras no contexto da bioimpressão é entender a fundo como as células funcionam e suas relações, por isso a importância da análise sistemática. “A análise sistemática e o uso de métodos computacionais como o BioCAE auxiliará de forma significativa o desenvolvimento de Bioprocessos e Bioprodutos, minimizando os custos, o tempo e o uso de animais”[1].
Em vista dos fatos apresentados, poder gerar um órgão utilizando tecnologia deixa de ser algo distante dos filmes de ficção científica e se torna algo possível de se alcançar. Graças à sua evolução, a ciência dá passos cada vez mais largos em direção a este objetivo, deixando as pessoas esperançosas com os incontáveis avanços na área da saúde que serão proporcionados pela bioimpressão de órgãos e fabricação de bioprodutos. É entendido que ainda há bastante obstáculos pela frente, além de vários erros a serem cometidos, mas devemos nos manter confiantes no progresso, pois como dizia Carl Sagan, “existem muitas hipóteses em ciência que estão erradas. Isso é perfeitamente aceitável, eles são a abertura para achar as que estão certas”.
REFERÊNCIAS
[1]https://www.biofabricacao.com/bioimpressao-3d
[2]https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/09/20/bioimpressao-o-futuro-nos-orgaos-humanos-impressos-em-laboratorio.htm
[3]https://www1.cti.gov.br/pt-br/noticias/cti-renato-archer-lidera-ranking-do-cen%C3%A1rio-de-pesquisa-em-bioimpress%C3%A3o-na-am%C3%A9rica-latina
[4]Bioprinting organ challenges: an emerging technology (medicaldevice-network.com)
[5] Recent advances and challenges in materials for 3D bioprinting – ScienceDirect
[6] CELLINK and partner Prellis Biologics awarded Merck Innovation Award – Cellink Global
[7] A swifter way towards 3D-printed organs (harvard.edu)