Enquanto você digita uma sentença no Twitter tranquilamente na solidão do seu quarto, dados são armazenados, programas executados e traços de sua personalidade podem vir à tona e serem usados para compor algum relatório produzido para um determinado fim.
Teoria da conspiração?
A quem interessa seus tweets muitas vezes lançados ao mar virtual na calada da madrugada? Suas interjeições de euforia ou descontentamento ao assistir um programa de TV? Sua opinião sobre um produto? Você não é o presidente de um país, logo por que suas opiniões seriam relevantes para alguém que não o conheça pessoalmente?
Resposta: porque agora é possível vender a ideia de que você é importante.
Mas, importante em qual sentido?
O “ser importante” a ponto de suas particularidades provocarem o interesse de alguma entidade já não é mais uma sensação advinda de um mero sentimento afetivo. A importância no ambiente virtual, que é compreendida a partir de uma série de análises de complexos algoritmos computacionais, pode ser refletida em determinadas ações, seja nas especificidades dos produtos que são direcionados a você, na indicação de filmes e músicas que tenham relação com suas preferências ou na forma que as centrais de atendimento a clientes entrarão em contato para lhe informar algo.
Com base nesse contexto, a IBM está testando uma tecnologia que tem como propósito o entendimento dos traços psicológicos das pessoas a partir da análise do que elas postam no Twitter. O objetivo inicial do projeto é oferecer um atendimento personalizado a seus clientes, com mensagens promocionais direcionadas ao seu perfil. A questão é: como identificar a personalidade de alguém com base em um conjunto de sentenças de 140 caracteres?
Segundo Michele Zhou, líder do grupo de pesquisa USER (User Systems and Experience Research) da IBM, pode-se fazer uma análise da personalidade a partir de técnicas de mineração de texto combinadas com o Modelo “Big Five”, que segundo TRENTINI et al. (2009), “define a personalidade humana como uma rede hierárquica de traços, compreendidos teoricamente como predisposições comportamentais de respostas às situações da vida”. Um dos níveis desse modelo consiste na observância de cinco fatores, apresentados a seguir acompanhados de algumas das características que os definem (SRIVASTAVA, 2013):
- Extroversão (falante, enérgico e assertivo);
- Socialização (simpático, gentil e afetuoso);
- Conscienciosidade (organizado, responsável, orientado para os deveres e para atingir objetivos e autodisciplinado);
- Estabilidade Emocional (tenso, temperamental e ansioso);
- Abertura para Experiência (amplos interesses, criativo e perspicaz).
Imagem – MIT Technology Review
“Queremos usar a mídia social para obter informações sobre uma pessoa, por exemplo, qual o efeito global desta pessoa? O quão resiliente ela é? Pessoas com diferentes personalidades querem algo diferenciado?”, são alguns dos questionamentos apresentados pela pesquisadora e que o software tenta responder.
Para a análise da personalidade do indivíduo, o software utiliza, em média, 200 tweets (cerca de 2500 a 3000 palavras) das suas últimas atualizações. A partir disso, as informações são analisadas com base nas categorias do modelo “Big Five” e, também, através de uma pontuação realizada a partir de determinadas medidas de “valores” (p. ex.: lealdade, autovalorização, fatalismo) e de “necessidades” (p. ex.: controle, harmonia social, curiosidade).
Muitas empresas já fazem uso de softwares que analisam as atividades nas mídias sociais. Mas as análises realizadas frequentemente tendem a fornecer um resumo geral sobre um dado assunto, a verificação de alguns aspectos de discussão, por exemplo, se uma dada marca está sendo aceita entre um grupo de usuários da rede, ou se há muita menção negativa sobre um determinado artista ou político. Mas, o diferencial do software da IBM é concentrar as análises nos aspectos da personalidade de um indivíduo em específico.
Segundo Simonite (2013), um grupo de pessoas foi avaliado em testes psicológicos e os resultados apontados nesses testes foram comparados com os resultados advindos de suas atividades no Twitter. Para tanto, a IBM utilizou uma técnica de Aprendizado de Máquina para a verificação dos diferentes padrões de uso de uma palavra em combinação com determinados traços psicológicos. Essas correlações foram cruciais para a determinação de modelos que pudessem indicar o tipo de personalidade de uma pessoa a partir da análise de seus tweets.
Perfil pessoal: de acordo com o software de análise da IBM em uma determina conta do Twitter, foi revelado que a pessoa em questão é mais neurótica do que extrovertida (SIMONITE, 2013)
Michele Zhou falou a Tom Simonite, em matéria publicada no MIT Technology Review, que em um estudo no qual foram analisados 300 pessoas, tanto através do software quanto em testes psicológicos, os resultados obtidos foram “altamente correlacionados” (80% dos resultados). Apesar do sucesso inicial, ela também observou que quando as pessoas usam o Twitter como atividade de trabalho, por exemplo, os tweets de jornalistas, os perfis derivados de suas mensagens não são tão representativos de sua personalidade.
Com esse software, a IBM vai além das técnicas de Recomendação de Produtos usadas pela Amazon, por exemplo. É possível um entendimento mais específico de cada pessoa e com isso obter informações mais relevantes para saber como conquistar clientes, já que anúncios poderão ser feitos de acordo com o perfil psicológico detectado e não apenas pela utilização de mais um questionário enfadonho (quase nunca preenchido de fato) ou por escolhas feitas anteriormente, ou, ainda, pelas características gerais de seu grupo de amigos.
Em tempos de Big Data, trabalhos como esses pipocam em grandes centros de pesquisa em diversos países. Diversos artigos sobre essa temática são publicados em revistas científicas, mas outros tantos são divulgados na mídia de forma mais superficial, pois têm detalhes que são cruciais para a proposta de inovação da empresa, logo os algoritmos usados não são de domínio público.
Nesse contexto, a importância de uma vertente da psicologia, denominada Psicologia do Consumidor, que lida justamente com os aspectos que influenciam as pessoas em sua relação com produtos e serviços, mostra-se atual, multidisciplinar e com amplas possibilidades de aplicações de forma a gerar inúmeros processos de inovação tecnológica. Para tanto, o estudo do comportamento do indivíduo, suas crenças, sentimentos e percepções em determinados contextos são cruciais para a proposição de novos modelos e técnicas.
Voltando à pergunta do título: o que você escreve no Twitter define quem você é?
Possivelmente, não. Mas, talvez, indique os elementos necessários ao propósito de vários softwares que estão constantemente analisando os dados dispostos nas redes sociais virtuais. Ou seja, em um contexto em que produtos e pessoas flutuam em meio a uma rede de dados cada vez mais abundante, não é mais possível pensar em uma Economia baseada apenas nos critérios da Escassez, é necessário saber quem são e o que pensam as pessoas que estão dando voz a esses dados.
A questão não é apenas entender quem somos, pois isso, considerando a complexidade humana, seria mais uma dessas perguntas lançadas ao vento. O que se busca a partir desses softwares é entender que parte do que somos (e que pode ser mapeada por um programa de computador) é interessante para alavancar as vendas de alguma empresa, tornar um artista famoso, contribuir para que um candidato se torne presidente de um país.
Houve um tempo em que tentávamos entender quem somos a partir de um olhar profundo sobre nós mesmos, ou em virtude do que algumas pessoas pensavam de nós, ou, ainda, por meio de anos e anos de terapia, ou, simplesmente, diante de certas circunstâncias da vida. Agora que somos, em grande parte, humanos demasiado tecnológicos parece que cada vez mais algoritmos computacionais tendem a nos decifrar e apresentar aspectos da nossa personalidade em forma de gráficos. E, simplesmente, não há como impedir que isso aconteça, pois não há como voltar a um contexto que não existe mais.
A convivência virtual ampliou nossas relações e contribuiu para a exposição de parte do que somos. E isso também promoveu uma certa obscuridade em torno de determinadas distinções que existiam de forma bem mais clara no século passado, como as linhas limítrofes entre vida pessoal e trabalho, entre quem somos e o que queremos que as pessoas saibam sobre quem somos.
Trentini, C. M., Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Teixeira, M. A. P., Gonçalves, M. T. A., & Thomazoni, A. R. (2009). Correlações entre a EFN – Escala Fatorial de Neuroticismo e o IFP -Inventário Fatorial de Personalidade. Avaliação Psicológica, 8(2)209-217.
Uma entrevista com Michele Zhou: http://venturebeat.com/2013/10/11/how-ibms-michelle-zhou-figured-out-my-personality-from-200-tweets-interview/