Ana Paula de Lima Silva – ana.paulalms@rede.ulbra.br
Sou a primeira filha de 7 irmãos, minha mãe fez apenas o ensino fundamental e meu pai nunca frequentou a escola, aprendeu a ler e escrever com uma professora que por um determinado período ia até a casa dos meus avós e ensinava todos os filhos. Porém quando meu pai teve seus filhos fez diferente priorizou a nossa Educação. Comecei a frequentar a escola desde a educação infantil, sempre fui aquela criança comportada, educada, e na maioria das vezes esses tipos de crianças em sala de aula são vistos como bons alunos.
Por ser uma criança tímida eu raramente conversava em sala, nem sempre entendia o conteúdo que estava sendo ministrado e devido a timidez não perguntava, por vergonha ou até mesmo por medo de julgamentos. Para os meus pais eu era muito estudiosa e inteligente porque não recebiam queixa da escola, e por ouvir isso deles, eu me dedicava para dar o meu melhor nos estudos ano após ano, e foi assim que meus pais reforçaram meu comportamento, com elogios.
Confesso que isso me marcou muito, pelo fato de ter que sempre me dedicar mais que a maioria da turma, pois todos os dias quando eu chegava em casa precisava rever os conteúdos novamente para tentar aprender e fixa algumas informações, pois eu estava em sala de aula todos os dias, mas apresentava muita dificuldade para aprender no ritmo dos demais, e a estratégia que encontrei para aprender era rever tudo de novo e fazer cópias para tentar memorizar, eu não tinha a habilidade de compreensão leitora bem desenvolvida.
Naquela época, meus professores das séries iniciais não tinham muito conhecimento e manejo para lidar com alunos com transtorno de déficit de atenção hiperatividade (TDAH) e por ser “quieta e boazinha” do tipo desatenta, fui passando para as séries seguintes. A medida em que foi aumentando a complexidade dos conteúdos eu precisava me dedicar ainda mais para conseguir me manter com notas medianas, devido à dificuldade de concentração, nem sempre conseguia acompanhar o ritmo da turma na escrita das atividades do quadro, então na maioria das vezes eu necessitava pedir uma colega o caderno emprestado para colocar as tarefas em dia.
Nunca repeti de ano, não porque era inteligente, mas porque sempre fui disciplinada e esforçada, na quarta série do ensino fundamental tive uma professora que se preocupava com toda a turma e ela me deu uma atenção diferenciada, me inseriu no grupo e me ajudou a ser mais participativa respeitando as minhas singularidades, ao final do ano eu era outra criança. Não era a aluna destaque, mas sempre tive notas medianas, porém isso me demandava o meu tempo livre porque todos os dias eu precisava dedicar boa parte do horário para rever os conteúdos.
Quando terminei o ensino médio decidi que iria fazer faculdade de Pedagogia, para trabalhar nas séries iniciais, pois eu queria ajudar outras crianças comportadas e educadas, mas que como eu não eram somente tímidas, “não conseguiam aprender” no mesmo ritmo dos demais, nem sempre essas crianças são notadas e estimuladas ainda nas séries iniciais, período em que o cérebro está mais propício para absorver estímulos externos por meio de brincadeiras e material concreto e consolidar o aprendizado, mas vale ressaltar que este período não deve ser visto apenas como um tempo único para determinado aprendizado, pois nosso cérebro faz plasticidade e o ser humano absorve conhecimento durante toda a vida, mas em ritmo diferente.
Ao ser mãe procurei fazer com meu filho aquilo que recebi dos meus pais e um pouco mais por ser pedagoga sempre procurei por meio do brincar direcionado estimular o processo de alfabetização e diferente de mim aos cinco anos ele começou descobrir a magia da leitura e desde então os livros e a leitura fazem parte do cotidiano dele, não apresentou dificuldade de aprendizagem, tem facilidade em três idiomas e aos 17 anos estar cursando o último ano do ensino médio técnico em Mecatrônica no Instituto Federal do Tocantins – IFTO.
Desde que comecei a atuar em sala de aula, sempre tinha algumas crianças que necessitavam de uma atenção diferente, de estratégia diferente para aprender determinado conteúdo, umas com laudo, outras tidas como sem limites e enquanto professora me vi na obrigação de ajudá-los, porém nem sempre tinha suporte por parte da equipe escolar e foi aí que comecei a trajetória de pesquisadora, pois sempre tive a preocupação de não me apegar a rótulos, mas de olhar para a criança como um todo.
Fiz pós-graduação em Neuropsicopedagogia, para entender um pouco sobre as dificuldades e transtornos de aprendizagem e como intervir com crianças típicas e atípicas em sala de aula. Durante as aulas da Pós, mas especificamente na disciplina de Neuropsicologia, despertou em mim uma vontade de entender um pouco mais sobre o comportamento humano, depois de uma década atuando em sala de aula, decidi fazer atendimento clínico às crianças e adolescentes com desenvolvimento típico e atípico.
A maioria dos Aprendentes que chegam até mim são crianças e/ou adolescentes com muita dificuldade nas habilidades acadêmicas, e por meio do afeto, procuro fortalecer o vínculo e acessá-los a fim de ajudá-los dentro das suas limitações a melhorar as habilidades acadêmicas. Pois estudos apontam que crianças e adolescentes que fazem acompanhamento multiprofissional diminuem o fracasso escolar, possibilitando um melhor desempenho acadêmico.
Após dois anos de atuação na clínica, percebi a necessidade de fazer Psicologia para entender e trabalhar as dificuldades acadêmicas associadas também ao emocional. Desde que comecei a faculdade muitas coisas na minha vida pessoal e profissional mudaram, pois aos poucos fui desconstruindo alguns preconceitos que por falta de conhecimento, acreditamos que é o mais adequado ou o correto. Atualmente estou na reta final do curso e pretendo continuar nessa busca pois somos seres de e para o conhecimento.