Abrindo espaço para as diferenças

Relato de experiência sobre o encontro entre religião e psicologia

Heloysa Dantas Martins – lolo@rede.ulbra.br

Fonte Agência Brasil


A religião sempre fez parte da minha vida de maneira significativa, eu nasci em uma família que tem valores cristãos como norteadores, e pais pastores; quando criança a maioria das minhas lembranças foram construídas em ambientes como na igreja, retiros e eventos semelhantes, além da maioria das minhas amizades também serem construídas a partir dessa realidade.

Hoje, posso dizer que grande parte do que sou e acredito está baseado nessa construção e nesses valores a mim apresentados desde cedo. Por essa realidade sempre ser a maior parte daquilo que eu vivia, isso nunca gerou em mim conflitos e questionamentos tanto sobre as crenças que eu acredito, como sobre os costumes e pensamentos que carrego durante tantos anos.

Quando entrei no curso de Psicologia, foi um dos primeiros contatos com um meio em que tive a oportunidade de conviver com diversas pessoas que pensam e possuem crenças totalmente diferentes da minha, hoje em dia eu encaro isso como um grande privilégio, mas nem sempre foi assim.

O curso de psicologia é caracterizado pela discussão de diversos temas que podem ser vistos como delicados dentro da sociedade em que vivemos, além disso também é caracterizado pela diversidade de pessoas que optam por estudá-lo, construindo um ambiente de diferentes ideias, pensamentos e crenças. E isso começou a me causar crises de identidade sobre aquilo que eu passei uma vida toda aprendendo.

Teve determinados períodos e matérias que eu comecei a me perguntar se a psicologia realmente era para mim, por achar que para me tornar uma boa profissional teria que abrir mão daquilo que eu acreditava, e isso me gerou bastante sofrimento, em achar que iria me formar e nunca conseguiria atuar, e esse dilema foi crescendo em mim ao decorrer do tempo.

Fonte Agência Brasil

Quando eu entrei no sexto período do curso, comecei a fazer terapia, e lembro que em uma determinada sessão começamos a conversar sobre meus medos como futura profissional, lembro-me de ser a primeira vez que conversava com alguém sobre aquilo que pensei durante tanto tempo, e essa conversa foi essencial para mim.

Naquela sessão eu pude entender como a psicologia realmente funcionava, sem o peso que eu sempre coloquei sobre ela. Eu entendi que a psicologia não era sobre eu abandonar minhas crenças e ter a mesma opinião que meus pacientes, também não era sobre eu conseguir me conectar apenas com pessoas que pensam como eu, pois isso pode ser muito limitador, não apenas como profissional mas também como pessoa.

Comecei a entender que como prática clínica eu posso sim atender e ter um vínculo com alguém que pensa diferente de mim, sempre entendendo que o espaço terapêutico é do paciente e que eu jamais irei induzi-lo a nada, e sim ajudá-lo a despertar nele aquilo que ele pensa ser melhor, pois seria muita arrogância pensar que o diploma conquistado me dá o direito de ditar aquilo que é melhor ou pior para alguém, por fim, quando estava em supervisão clínica escutei uma frase que foi a cereja do bolo que faltava dentro desse processo: “Precisamos nos afastar ideologicamente e nos aproximar afetivamente”, isso abriu os meus olhos para entender as diversas possibilidades que a psicologia nos dá quando nos preocupamos com a pessoa que está a nossa frente e não com as ideologias.

Fonte Agência Brasil

Hoje eu vejo que essa experiência vivida no decorrer do curso me ensinou uma lição muito valiosa, a de que uma das coisas mais incríveis que nós temos na vida é o privilégio de conviver com pessoas que pensam diferente de nós, também pude ver o quanto perdemos quando escutamos o outro sem genuinamente se interessar em conhecer o mundo daquela pessoa e simplesmente como intuito de convencê-lo a pensar como nós.

Em suma, pude perceber que uma das coisas mais valiosas que existe é a diversidade, as diferenças, e quando elas são respeitadas conseguimos ser melhores e tornar o mundo um pouco melhor.