Meu primeiro estágio em campo. O primeiro grupo que ajudei a gerir. Meu primeiro dilema ético relacionado à minha futura profissão.
No início, eu imaginei que não seria fácil lidar com pessoas entrando na adolescência e com demandas tão sérias. Até então automutilação, depressão, bullying e depressão na adolescência eram palavras. Palavras, daquelas que você escuta, lê em textos, e até usa pra dar sua opinião com base em coisas que você acredita. Era o que eu sabia sobre esses temas.
Essa é dificuldade de saber qual é a real situação pela qual uma pessoa passa, ouvir em sala de aula (o que é muito importante) não é suficiente pra te amparar na realidade. Eu não estava nervosa ao ver dezenove pessoas sentadas ao chão, contando suas necessidades, dividindo suas histórias conosco. Me senti feliz por terem confiado na gente, as palavras fluíram como se já estivéssemos acostumadas.
O primeiro choque foi também no primeiro dia, quando uma adolescente se abriu para nós em prantos. Ao final do encontro todos a abraçaram, aquilo foi especial. Durante o acolhimento, em uma sala reservada, enquanto ela falava, eu soube o que era a realidade, dessa vez com meus próprios olhos. Aquilo aconteceu muitas outras vezes.
Durante os outros encontros tive a certeza de que aquelas pessoas, todas elas, eram especiais. O grupo tinha uma energia própria antes mesmo da gente intervir, existe um termo psicológico pra isso. Porém, aqueles seres humanos para os quais devíamos oferecer ajuda nos ensinaram tantas coisas que não caberiam nesse relato. Eles transcenderam qualquer expectativa.
Uma vez, eu estava em um fórum no qual um palestrante americano relatou uma experiência sua em grupo, onde em um momento de solidariedade todos se abraçaram e repetiram juntos:
“Miracles can happen! Miracles can happen!”
“Milagres acontecem! Milagres acontecem!”
Ele contava rindo, pois foi algo que julgou ser impossível de acontecer, até as pessoas simplesmente fazerem. O relato daquele palestrante foi a única coisa que veio à minha cabeça quando, ao final de um encontro todos aqueles jovens se abraçaram chorando e cantaram uns para os outros:
“Eu ouvi palavras ditas com carinho
De que na vida ninguém é feliz sozinho
E você é um alguém que sempre me fez bem
Me protegeu e me tirou de todo perigo
E quando eu precisei você chorou comigo
Valeu por você existir, é tão bom te ter aqui […]”
Nem eu, ou minhas colegas conseguimos conter as lágrimas. Aquele gesto daqueles adolescentes vistos como brigões, imaturos e indisciplinados me ensinou algo que nenhum professor poderia, que transcendeu qualquer aprendizado acadêmico. Dar apoio para quem precisa, estar perto, se abrir, ser honesto, agradecer uma amizade, são gestos que devemos levar para nossas vidas.
Nossa vontade ao ver tanto sofrimento naqueles jovens, que até alguns dias atrás eram crianças, às vezes era de chorar com eles, às vezes era de iniciar uma revolução. Nos controlamos para não fazer nenhum dos dois. Nosso trabalho foi de “formiguinha”, pois a verdadeira revolução deve ocorrer dentro de cada um.
Depois de tudo que vivi esta frase nunca fez tanto sentido como hoje faz:
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Carl Jung
Espero ter ajudado cada uma daquelas almas. Espero que essa frase faça mais sentido a cada dia.