Entre Cuidar e Ser Cuidado: vivências terapêuticas na casa de apoio Vera Lúcia

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Por Aurielly Queiroz Painkow; Dyessyk Hágata Dias Carvalho; Gizela Oliveira Cordeiro

Fonte: os autores (02/10/2025) – Visita institucional a Casa de Apoio Vera Lúcia.

Este relato reúne as vivências de intervenção terapêutica realizadas pelas acadêmicas Aurielly Queiroz Painkow, Dyessyk Hágata Dias Carvalho e Gizela Oliveira Cordeiro, alunas do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas – CEUL/ULBRA, na disciplina Intervenção em Grupos, sob orientação do professor Sonielson. As atividades ocorreram entre agosto e outubro de 2025, em dois diferentes espaços de prática: o Colégio Estadual Professora Elizângela Glória Cardoso e a Casa de Apoio Vera Lúcia, ambos localizados em Palmas (TO). O trabalho teve como objetivo principal proporcionar experiências de escuta, acolhimento e reflexão coletiva, promovendo o bem-estar emocional de professores e cuidadores a partir de metodologias fundamentadas na Terapia Cognitivo-Comportamental e na Abordagem Humanista-Existencial.

As primeiras visitas, realizadas no Colégio Elizângela Glória Cardoso, foram marcadas por uma aproximação institucional cuidadosa. Em um ambiente permeado por desafios pedagógicos e pela sobrecarga emocional dos docentes, o projeto foi acolhido pela direção e pela equipe escolar, que reconheceram a importância do cuidado com a saúde mental dos professores. Duas intervenções foram conduzidas com o corpo docente, abordando temáticas como distorções cognitivas e reestruturação de pensamentos automáticos. A receptividade foi positiva, embora permeada por limitações estruturais e temporais da rotina escolar, o que evidenciou a tensão cotidiana entre o ideal do autocuidado e as exigências burocráticas do ensino.

Em comum acordo com o professor orientador, colegas de estágio, ficou definida uma mudança de campo de atuação para ampliar a experiência das acadêmicas e atender a novas demandas sociais. Assim, a equipe foi acolhida pela Casa de Apoio Vera Lúcia, instituição reconhecida pelo acolhimento de familiares e de pacientes hospitalizados. A transição foi feita de forma harmônica, sem prejuízos às partes, e inaugurou uma nova etapa da jornada — um mergulho mais profundo nas dimensões do cuidar e do ser cuidado.

Na Casa de Apoio, as acadêmicas realizaram cinco encontros terapêuticos em grupo, todos ancorados em metodologias participativas e sensíveis, que privilegiaram o diálogo, a partilha e a escuta empática. O primeiro encontro, intitulado “A pessoa que cuida: quem sou eu além do cuidado?”, inaugurou o espaço de trocas afetivas, reunindo familiares e acompanhantes de pacientes em tratamento hospitalar. As participantes, em sua maioria mulheres, compartilharam histórias de exaustão, esperança e saudade. Uma delas chorou durante boa parte da roda, encontrando no acolhimento das estudantes um lugar seguro para desabafar — gesto simples, mas profundamente terapêutico, sustentado pelos princípios de Carl Rogers, que valoriza a empatia, a escuta ativa e a aceitação incondicional.

Roda de conversa com pacientes e familiares acolhidos na Casa de Apoio Vera Lúcia.

As visitas continuaram como forma de atender o cronograma planejado. “Cultivando o Jardim da Autocompaixão”, foi o tema do segundo encontro e aprofundou o exercício do cuidar de si. Utilizando a metáfora do jardim interno, os participantes foram convidados a refletir sobre como nutrem — ou negligenciam — o próprio bem-estar. A dinâmica resultou em um momento de grande envolvimento emocional, especialmente quando cada pessoa escreveu uma mensagem de carinho a si mesma, depositando-a no “Jardim da Autocompaixão”, caixa simbólica que reuniu palavras de força e ternura.

Atividade de escrita e desenho realizada com os familiares acolhidos na Casa.

No encontro subsequente o tema escolhido para abordagem foi “Culpa, Limites e Frustração”, ocasião em que foi proposto um momento de escrita e o desenho como caminhos de expressão e libertação emocional. O grupo foi convidado a colocar no papel sentimentos que muitas vezes permanecem silenciados. Surgiram relatos comoventes de amor, cansaço e fé. Uma criança que participava do grupo, de forma espontânea, compartilhou sua própria história de superação, despertando esperança e leveza entre os adultos. O exercício de escrita, guiado pelos pressupostos da Abordagem Humanista-Existencial, mostrou-se poderoso instrumento de autoconhecimento e ressignificação.

Momento de partilha sobre culpa e limites.

 Na penúltima visita o tema proposto foi, “O Sentido no Cuidar”, o foco voltou-se à dimensão existencial do cuidado. As seis participantes — todas mulheres — refletiram sobre o amor, a dor e a fé que sustentam suas jornadas como cuidadoras. Inspiradas em Viktor Frankl, compreenderam que o sentido da vida pode emergir mesmo nas situações mais desafiadoras. O clima de intimidade e confiança permitiu trocas profundas, nas quais o sofrimento foi transformado em aprendizado e solidariedade.

Reflexão coletiva sobre o sentido do cuidar e as doações em favor do outro.

Por fim, o ciclo foi encerrado com cinco encontros, “A Força do Encontro Humano”, momento de celebração, gratidão e despedida. Em um ambiente leve e afetivo, com música e gestos simbólicos, os participantes trocaram abraços, sorrisos e palavras de carinho. A dinâmica “Abraço, Sorriso ou Palavra” simbolizou o fechamento de uma jornada de escuta e empatia, reafirmando a ideia de que o verdadeiro cuidado nasce da presença e do reconhecimento mútuo. O encerramento foi marcado pela leitura de um poema e pela entrega de pequenos mimos, gesto que sintetizou o espírito de acolhimento e humanidade cultivado ao longo do processo.

Mimos foram distribuídos aos participantes como forma de gratidão.

As experiências vividas na Casa de Apoio Vera Lúcia reafirmaram o potencial transformador dos grupos terapêuticos como espaços de partilha, apoio e reconstrução emocional. Cada encontro representou um movimento de escuta e ressignificação, revelando que, ao cuidar do outro, também se aprende a cuidar de si. As acadêmicas perceberam que o ato de acolher não é um gesto unidirecional, mas um processo de reciprocidade emocional, no qual todos — profissionais, estudantes e participantes — se transformam juntos.

O percurso, iniciado entre os muros de uma escola e concluído entre os corredores de uma casa de acolhimento, deixou marcas profundas. Em ambos os contextos, a intervenção em grupo mostrou-se uma ferramenta poderosa de aproximação humana, de reconstrução de vínculos e de promoção da saúde emocional. Assim, o estágio encerra-se como um convite à reflexão: quem cuida também precisa ser cuidado, e é na delicadeza dos encontros humanos que se revelam as maiores possibilidades de cura.

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Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.

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