Há um visitante que mexe muito com a gente. Um certo intruso que guarda um monte de nossas falhas, posturas vergonhosas, maluquices ingênuas, etc. Sim, senhor! Ele traz à tona essas coisas tão complexas e profundas, mas que fazemos questão que elas fiquem no mais profundo de nós. E ele vem com tudo. Se não tivermos cuidado, ele chega, rouba seu lanche da noite, toma seu lugar no sofá e vai baforando pelos quatro cantos de sua casa. Senhoras e Senhores, estou falando, é claro, do Passado.
O Passado vem como uma bebida curiosa. Você começa a beber, logo se embriaga no meio dessa sedução. E tudo, ali, é magnífico. Dependendo de sua ansiedade, fraqueza e inabilidade, você vai bebendo, bebendo e bebendo… É uma dependência desesperadora. Acaba por não perceber que tudo isso é ilusão. Esquece que o porre, mais cedo ou mais tarde, vem com tudo! É importante, vez ou outra, passear nos tempos vizinhos. Claro! Mas, para que essa viaje seja produtiva, além de organizarmos data e horário, devemos ser íntimos, conhecedores do trajeto e do povoado. Não podemos chegar lá, do nada, e pedir aconchego. Deixe o cargo de penetra para o Passado.
Não que eu seja contra a entrada do Passado na casa do Presente e vice-versa. Não é isso! Não veja de forma injusta. Eles podem até tomar um café juntos e construir diálogos proveitosos, marcando outras visitas. Mas, esse amarrar-se aos eventos “envelhecidos”, em suma, traz muitas dores. É uma relação que depende de requisitos, tais como: autoentendimento, sensibilidade e leveza.
Baseando na imensidão dos mistérios do mundo, talvez nunca conheçamos a mais real natureza do que somos. Mas é importante buscar conhecer-se melhor, entender até onde pode suportar. Conseguindo isso, você atrai o autoentendimento para si. Você aperfeiçoa peças que não se encaixavam com sua estrutura. Fica forte! Os impactos, dificilmente, lhe impactarão tanto, agora.
Despreocupados com tudo, pendemos para o lado errado e, ao mesmo tempo, perdemos a capacidade para enxergar. E precisamos ver bem mais! Observar coisas nas entrelinhas recola o intelecto e a alma. A correria do dia a dia faz o desfavor de desgrudar esse dois deuses. Precisamos dessa parceria, pois é aí que nasce a filha dessa relação: sensibilidade.
E por falar nos comprometimentos da lida cotidiana, não podemos esquecer que ela teima em arrancar a leveza de nós. Sem ela, perdemos toda a paciência para persistir nas causas que achamos essenciais e, então, colocamos os nossos sonhos para dormirem nas outras camas e, infelizmente – ou será felizmente? -, abrigar em outros corações. Para esse mal, o remédio é simples: preserve as humildes e sinceras amizades que os encontros, os carinhos e as diversões farão o resto.
Consegue perceber que é muito mais que reunir as duas energias? Se faltar qualquer requisito, essa ligação só trará respostas negativas. O Passado vem com poucos recursos. Devemos, então, ter estrutura para recebê-lo. No fim do encontro, o Passado e você irão para as suas respectivas casas.
Passado dá certa pena. Na verdade, dá poucas penas. Além de poucas, elas são deformes. Então você, eufórico, resolve voar, pois acha que o percurso será alto, longo, proveitoso, inenarrável… Mas, em pouco tempo, você percebe que a queda é certeira lá na frente. Acaba por entender que gastou intensidade onde não devia, e que você foi jovem ou ingênuo demais para firmar nesse investimento.
Entendemos que os dois mundos podem se encontrar, mas nunca irão se abraçar, apertar as mãos. Isso dói bastante! Machuca profundamente quem aprendeu a se vincular de forma agarrada. Para alguns, esse tipo de contato é protetor. Com isso, vemos que, além de aprender acerca dos requisitos, devemos procurar entender que há outras possibilidades de relação, mas que não nos cortem em tantos pedaços.
Porque ele vem com força, manipulando nossas quimeras. Talvez, a sua arma mais forte seja a de, também, guardar os nossos melhores momentos. Nossa juventude. Quem sabe, o maior desempenho do Passado, que faz sermos presos a ele, venha desse pretexto… E você, incompreendido das coisas, e querendo ser imortal, cai como um bobo. Devemos, respectivamente, estrear e estrelar outras histórias e personagens, senão, por ela, tendemos a continuar seguindo o roteiro velho e mastigado.
Ficar passeando na propriedade do Passado me faz entender como nos escravizamos e, ao mesmo tempo, como nos privamos de tanta criatividade, assim, a ponto de não improvisarmos novas histórias e, louvavelmente, ampliar emoções. Tá na hora de ser o diretor e fazer um enredo que seja digno de prêmio. Ou melhor: ainda há tempo de compreender que não se pode morar na casa do Passado. Você nunca foi bem-vindo lá, mesmo! O seu lugar é no Presente. Lá, tudo está quitado e bem ajeitado para você administrar os passos que quiser desenhar.
O Passado? Deixe-o te visitar. Passado é uma “visita”… e toda visita, uma hora, tem que se despedir, não é mesmo?