Relato: A nada fácil jornada de uma introvertida tímida tentando viver em sociedade

Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br

 

Relatos pessoais são sempre muito difíceis. A exposição do nosso eu interior, do que sempre fizemos questão de esconder, será descoberto e “solto” na internet, mas um ditado popular vale bem para esta situação: “quem está na chuva é para se molhar”, então cá estou eu “debaixo de toda a chuva” da exposição.

Sempre fui considerada “a menina estranha”, a “adolescente estranha”, a “pessoa estranha”, gostava de ficar em casa e não era de muita conversa. Minha vida escolar até a primeira versão do ensino médio (explicarei a história da primeira versão mais adiante) era uma verdadeira tortura, a escola era um lugar totalmente hostil e nada fácil de conviver. Minha introversão era entendida como algo “estranho”, somando a isso sempre fui de uma timidez imensa. Eu sei, quem me conhece há pouco tempo não consegue imaginar, mas sim, socializar sempre foi muito difícil. Não que não gostasse de socializar, gostava, mas não era sempre e em qualquer situação. As pessoas não entendiam que eu gostava do meu mundo, onde tudo era mais fácil e seguro. Agora imaginem ser assim e pertencer a uma família com alto nível de extroversão?!

Não. Não era fácil mesmo. Principalmente vinda desta família de festeiros extrovertidos e as comparações com minha irmã, nos círculos sociais, na escola, entre os parentes era uma constante: “mas por que você não é como sua irmã que conversa com todo mundo… que tem bom desempenho escolar”? A resposta, hoje, parece bastante óbvia: apenas eu tenho minha própria individualidade, interesses e modos de ver a vida. Mas, o que hoje é “fácil” de entender, afinal, sou uma adulta e tenho consciência disso, naquelas ocasiões eram de extrema dificuldade para entender e aceitar. Por que não me deixavam em paz no meu mundo e não respeitavam meu modo de ser?

Bom, falando um pouquinho sobre personalidade. A palavra personalidade vem do latim e significa “persona”, uma máscara social teatral usada por atores romanos nos dramas gregos, as quais eram usadas para projetar um papel ou falsa aparência. Assim, entende-se, de modo geral, que personalidade é um conjunto de características psicológicas que influenciam o modo como uma pessoa pensa, sente e age. Não existe apenas um tipo de personalidade e aqui destaco o foco do texto: introversão e extroversão.  Personalidade extrovertida é aquele indivíduo marcado pela capacidade de sociabilidade, energia e entusiasmo exteriores, gostam de estar no centro das atenções e são bastante falantes e sociáveis. Já o introvertido é aquele sujeito marcado pela quietude, calma e reflexão, preferem ambientes mais tranquilos e privados e tendem a ser mais reservados em situações sociais. (Feist, Feist, Robert, 2015)

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Agora quanto a timidez, confesso que é de certa forma complicado caracterizar a timidez em um espaço tão pequeno, mas a melhor definição encontrada, sem uma limitação de correntes de pensamentos: algumas correntes dizem que a timidez é caracterizada por uma incapacidade de uma pessoa de se comunicar ou interagir bem com outras pessoas, algo que faz parte do sujeito. Outra corrente de pensamento diz que a timidez pode ocorrer com qualquer pessoa em situações de interação. Já uma terceira corrente diz que a timidez está associada a problemas narcísicos causados pela inibição das pulsões. (Vieira, 2017)

Agora imaginem uma pessoa com alto nível de introversão e timidez, quando não se falava muito sobre o assunto. Na minha infância e adolescência tudo ficava a cargo do “é esquisita”. Esquisita por não estar sempre disposta a conversas desinteressantes, pelo menos para mim, as tais conversas de meninas, quando na verdade estava mais interessada nas histórias da aliança galáctica ou das batalhas da Terra Média. Sim, sempre uma aficionada por Star Wars e O Senhor dos Anéis, algo a mais para ser considerada estranha já que era coisa de meninos e eu deveria estar mais interessada em aprender a usar maquiagem e qual melhor esmalte de unha. Por isso preferia sempre estar em outros mundos, sendo reais ou imaginários.

Amava e amo ouvir música clássica e da arte renascentista, as coisas de “velho”, mas sempre me remeteu a paz necessária para viver tranquilamente, mas adolescentes tinham que gostar de sair e se divertir, conversar com as pessoas da minha idade. Não que não gostasse, apenas não me via nos círculos podendo ser quem realmente era e falar sobre o que realmente gostava, portando, interagir me causava um grande desconforto e sugava minhas energias, mesmo que sentisse falta de algum contato com pessoas da minha idade, mas com quem eu pudesse interagir sem a necessidade de outra “persona”, mas ser eu mesma e não ser julgada por ser como era e gostar do que gostava.

Na adolescência e juventude me via forçada a sair e participar de ocasiões sociais, principalmente pela minha família. Mas era a máxima do sábio Renato “festa estranha com gente esquisita… eu não tô legal”, mantra que perdurou por muitos anos, ouso dizer que até os dias de hoje.

Estava aí um dos meus maiores problemas em frequentar a escola. Desde os primeiros anos a escola era uma tortura para mim, ter que falar com pessoas desconhecidas e que me chamavam de “esquisita”, assim, quando terminei o ensino fundamental veio a “difícil” escolha. Na realidade que eu vivia teria a opção de cursar o ensino médio ou um curso técnico profissionalizante, equivalente ao ensino médio. Ocorre que para filhos de pobre o ensino profissionalizante era o mais recomendado pois te direcionaria para o mercado de trabalho. Assim fiz, com 16 anos entrei no ensino técnico normal (professora de ensino fundamental), entrei em uma sala com 30 donas de casa, algumas tinham a minha idade ou um pouco mais velhas. Mais um local de pessoas que não tinha possibilidades de interações. Tentei em outro curso, sem sucesso. Desisti na época depois de três tentativas, sendo esta a primeira versão que mencionei no início. Após algum tempo eu voltei com um pouco mais de maturidade e consegui cursar o tal ensino médio profissionalizante.

Quando surgiu o desejo pela docência eu me vi em pânico: como poderia eu, a pessoa mais introvertida e tímida que conhecia conseguir encarar uma sala de aula? Bom, demorou. Mas consegui me engajar nesta carreira. A “solução” encontrada? Me travestir em outra “persona” e encarei o personagem. Busquei no humor sarcástico um refúgio para encarar todos os desafios que se apresentavam, e assim ainda vivo até hoje. E sim, participo de festas e encontros sociais, mas prefiro os mais reservados e é normal dar minhas “fugidas” para repor as energias.

Outra coisa que muito ajudou foi o advento das redes sociais que para muitos é considerada um fator de separação de pessoas. Para mim, foi de grande relevância, pois poderia conversar com pessoas diferentes com os mesmos interesses que os meus sem me colocar tão presente fisicamente.

Quando nosso mundo foi atingido pelo maior drama do nosso tempo, a covid 19, e me informaram que eu teria que passar tempos em casa isolada, me senti estranha, o sentimento mais que conhecido para mim. Mas esta estranheza era diferente, obviamente sentia muito medo pelas pessoas e sentia muito por todas as mortes e perdas inimagináveis a que a humanidade estava passando, mas, no meu caso, eu não sofri por não poder ter interações sociais, pelo contrário, me sentia tranquila por poder ficar no meu “canto”.

Enfim, relatos pessoais são difíceis e por que escolhi esta parte para falar? Bom, sempre achei que era estranha e diferente. Hoje, entendi que esta é apenas uma parte de mim e é perfeitamente normal, então, para quem está lendo e acha que não é uma pessoa normal entenda que é sim, e não há a necessidade de encaixe em nenhum tipo de comportamento apenas tentar viver da melhor forma possível.

Referências:

FEIST, J., FEIST, G. J., ROBERT, T. Teorias da Personalidade. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão Técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes, Odete de Godoy Pinheiro. 8 Ed. Porto Alegre, 2015

VIEIRA. M. B. Timidez e Expressividade Afetivo-emocional: Um Estudo Walloniano. (Dissertação de Mestrado) PUC-SP. 2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19986/2/Mariana%20Batista%20Vieira.pdf . Acesso em: 09/04/2023