Andrea Nobre – deinhanobre@gmail.com
Quando me tornei mãe, ganhei um título de muita responsabilidade, e aquele pequeno ser também me encheu de coragem para ir atrás dos meus sonhos. Eu olhava para ele, sentia tanto amor, tanta vontade de ser alguém melhor para ele, e pensava: “ – não dá para continuar vivendo da forma como vivo: imatura, amedrontada diante da vida, procrastinadora e iludida que eu tinha todo o tempo do mundo”. Foi aí o start que eu precisava para colocar para rodar tudo o que eu sonhava para a minha vida e viver de um modo que fizesse sentido pra mim. Um desses sonhos foi a graduação em psicologia.
Quando iniciei minha segunda graduação, meu primeiro filho estava com 2 anos. Eu nem acreditava que estava começando a realizar meu adormecido sonho. Dei uma volta na faculdade, andei pelos corredores, fui até a biblioteca colocar a mão nos livros que eu ia estudar, cada título me fascinava. Eu ainda estava no início da caminhada,mas já me sentia realizada por estar ali. O primeiro ano de faculdade foi de adaptação e encantamento. Olhando para o passado com tudo o que aprendi hoje, era fichinha fazer faculdade com um filho. Segui animada e grata, afinal a chegada dela foi um trampolim para a minha vida.
No decorrer do curso, ganhei mais um bebê. Apesar do medo de achar que não daria conta, do cansaço de alguns dias, do sono que me amarrava na cama, das dores e incômodos, eu já estava na metade do caminho e não estava disposta a desistir. Segui com ele no meu colo. Levava para a sala de aula, amamentava, dava colo. Tudo debaixo da compreensão e empatia dos professores e colegas. Não faltava colo para segurá-lo. A Universidade também dispõe de um espaço Kids que por muitos dias me ajudou bastante quando eu precisava me concentrar nas aulas práticas.
A pandemia chegou e a ocupação com meus filhos e com a faculdade me ajudaram a não sucumbir ao desespero do momento. Eles me apontavam um horizonte, que eu mesma tinha almejado chegar. Seguimos as aulas em formato online. O mundo inteiro passava por uma readaptação. Nesse período tive mais um bebê. Em cada gestação não há como negar que batia um medo. Ainda que seja uma experiência familiar para mim, cada filho é único e cada momento da vida é diferente do outro. Precisei me adaptar à nova rotina pessoal e ao novo formato de aulas que, para mim, não foi nada fácil, apesar de estar em casa. As crianças pequenas não entendiam muito bem aquele movimento todo e faziam barulho ao meu redor, enfiava o rostinho na câmera e se concentrava toda a aula com a fofurice deles, ninguém sabia direito a dimensão do problema, nem quando iria passar, como faríamos para nos formar.
As circunstâncias foram melhorando, mas dias desafiadores existem e sempre existiram. Faz parte da vida. Passei por vários deles! Por vezes tinha muitas demandas da faculdade e não podia dedicar tanta atenção a eles. Deixei de sentar no chão para brincar, coisa que eles mais adoram fazer comigo, para poder terminar um capítulo do trabalho. Abri mão de atuar nos campos de estágio que eu preferia para poder levá-los ao médico, ensinar tarefas e educá-los. Eles adoeciam e eu tinha prazos de entrega na minha cola. Inúmeras vezes levei junto comigo para a sala de aula. Já precisei trocar fralda e dar almoço no carro.
Em meio as ocorrências kids, tive a oportunidade de desenvolver as minhas habilidades de foco, organização de tempo, prazos de entrega e resiliência. Como eu não tinha tempo para enrolação, aprendi a focar e otimizar o tempo que eu tinha para o estudo. A vida deles veio me mostrar o tamanho da minha capacidade de amar, de gerir o meu tempo, de me dedicar com atenção a uma tarefa e, principalmente, de superar os percalços e imprevistos para não desistir. Aprendi a fazer o melhor possível, com o que tenho em mãos hoje.
O apoio do meu marido foi imprescindível para essa realização, do início até a conclusão. Ele ficava com as crianças, organizava as refeições deles para que eu pudesse finalizar minhas atividades. Levava eles ao parquinho para eu conseguisse participar de uma transmissão online. Organizava comidas e mochila e carrinho quando eu precisava levar para a faculdade comigo. Além dele, também foi essencial o apoio da minha mãe, irmã, fosse para dar uma atenção ou preparar um lanche quando eu precisava mergulhar nos livros. Hoje eu vejo que os três principais ingredientes foram compromisso com a solução, determinação e rede de apoio. Não batia aquela famosa culpa materna? Com certeza! Por muitas vezes me via no dilema: agora faço as atividades ou dou atenção às minhas crianças. Às vezes um ganha, às vezes o outro. Ainda assim eu afastava a culpa e seguia confiante, porque eu não queria me tornar aquela mãe que lá no futuro coloca a culpa do sonho não realizado nas crianças. Quero que eles sintam orgulho de mim pela minha determinação em seguir junto com eles e que, eles não foram os empecilhos, foram então, os maiores motivos para eu seguir.
Não só os familiares, mas muitos professores também acabam sendo nossa rede de apoio através da compreensão e empatia. Vários deles me permitiam entregar a atividade de sala no final do dia, pois eu estava com o braço ocupado amamentando. Me recebiam com largos sorrisos quando eu chegava com a criança, o que diminuía a minha preocupação de estar sendo inconveniente. Me permitiam fazer supervisões online, quando eu não podia ir até eles. Esse apoio dos professores ajudou, e muito, na realização do sonho de concluir esse curso.
Meu filhos e a faculdade me ensinaram demais. Talvez, sem eles eu não teria dado tanto de mim nessa formação, não conheceria o tamanho da minha capacidade. Minha circunstância de vida acabou virando matéria prima para o meu trabalho com a clínica infantil, já que precisei me aprofundar nos conhecimentos sobre o desenvolvimento humano. Os conhecimentos adquiridos na formação me guiaram para entender profundamente o que é uma criança, a importância de bons adultos na vida dela e todo o processo de formação de uma personalidade. Esses conhecimentos me foram úteis para exercer um maternar mais leve, perceber o quanto de mim há em cada filho, recolher as minhas projeções e saber que eles são como são, entender a minha função no desenvolvimento da personalidade de cada um deles. Como bem explica Calil Gilbran, eu sou “apenas o arco que lança as flechas”.
Foi uma jornada desafiadora e excitante para mim que sou movida a desafios. Em meio há inúmeras páginas, infindáveis artigos, pilha de livros, prazos apertados, eles me encheram de coragem para encarar os obstáculos. Pais felizes formam filhos felizes. E estudar sempre foi uma paixão para mim. Eu entendi que quando estamos realizadas isso se reflete na família. E é assim que eu concluo minha segunda graduação. Feliz e com a certeza de que filhos podem ser a desculpa ou o motivo. Eu tenho 4 fortes motivos!