A experiência de estar em ênfase clínica

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Quando entramos no curso de psicologia, muitas vezes fantasiamos como será a prática clínica, como poderemos ajudar as pessoas com a nossa profissão e nos enchemos de expectativas sobre a profissão. Acho que é seguro dizer que essas expectativas são comuns e normais para todo tipo de curso, porém, é perceptível de que quando falamos de saúde (física ou mental), muitos estufam o peito e alimentam o seu próprio ego com a falsa ideia de que estão salvando vidas.

Essa lógica de “salvador”, para mim, se torna uma das piores e mais horríveis coisas que alguém pode fazer na psicologia, como se o sofrimento e anos de uma história cheia de atribulações fossem magicamente resolvidas por fulaninho estagiário (ou formado). É como apagar o protagonismo do paciente que todos os dias luta à caminho de uma melhora, mesmo que, para o olho nu, ele não esteja se esforçando o suficiente.

Quando finalmente chegamos no último ano de curso, geralmente, caímos na realidade da nossa própria “insignificância”: É como se o paciente estivesse trilhando ruas e caminhos desconhecidos, segurando uma pequena vela que alcança um campo de visão ainda muito miúdo, caminhando nessa escuridão com a crença de que só há aquele caminho. Nós somos meros andarilhos, caminhando com um lampião (que apesar de ampliar o campo de visão, ainda não é absoluto), caminhando lado a lado desse paciente e iluminando curvas e trilhas que antes não eram perceptíveis. Por vezes, o paciente toma esse lampião e explora por si, ainda se agarrando à vela. Em outros momentos, ele permite que nós iluminemos o caminho com o lampião, mas ainda se guiam pelo campo de visão de sua vela, e por aí vai.

Somos limitados e incapazes de prever e enxergar todas as curvas e trilhas possíveis, mas conseguimos acompanhar e iluminar alguns caminhos, sendo então decisão do paciente seguir o caminho que mais lhe faz sentido.

Na minha prática clínica, costumo dizer que eu, enquanto estagiária e futura psicóloga, não estou “fazendo um grande mousse”, e que as conquistas do paciente são de seu mérito. Porque sim, a concepção de “eu fiz isso”, “eu consegui”, “eu fiz o que pude”, ou seja, o protagonismo do paciente, se vê muito mais saudável e significante ao longo prazo, tendo em vista que somos meros andarilhos, e que nossa ajuda é passageira na longa estrada que o paciente enfrenta e terá de enfrentar.

Muitas vezes, precisei perguntar aos pacientes se havia algo que eles pudessem fazer de diferente ou como eles se sentem sobre as decisões que têm tomado, o que os leva a perceber que o sofrimento às vezes vem de uma necessidade de controle sobre aspectos que fogem do seu agir. Às vezes, é sobre o sofrimento decorrente de algo que talvez nunca mude por estar fora de seu controle, e o que fazer a partir disso. É refletir sobre os motivos pelos quais isso me afeta tão profundamente, ou os recursos que possuo enquanto paciente para diminuir um pouco aquela angústia. Não é sobre uma cura, uma salvação, ou uma felicidade imensurável, mas talvez a mínima paz de saber que tenho feito o possível, e isso me satisfaz.

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Acadêmica de Psicologia da Ulbra Palmas. Estagiária no SEPSI em Psicologia Clínica, na abordagem teórica da Análise do Comportamento. Estagiária no Portal (En)Cena.