Autismo: do indivíduo à sociedade

Foto: Leonardo Abrahão

A cada segundo dia do mês de abril, o mundo volta as suas atenções às problemáticas do Autismo, ou, de forma atualizada, às problemáticas dos Transtornos do Espectro Autista (TEA). Na cidade de Uberlândia (MG), a situação não foi diferente. A ONG Centro de Convivência Autismo e Otimismo realizou o I Fórum Municipal Sobre o Autismo, contando com a participação de representantes da Prefeitura (Secretaria de Saúde e Educação), médicos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, fisioterapeutas, familiares de pessoas diagnosticadas dentro do espectro autista e, em especial, os próprios portadores dos transtornos. O Fórum também contou com o apoio do Movimento Janeiro Branco (movimento em prol da Saúde Mental nascido em Uberlândia) e do programa Fale Mais Sobre Isso (programa da TV local sobre Saúde Mental).

No Fórum, a Enfermeira e Presidente da ONG, Carina Pongeluppi, apresentou as características elementares dos TEA, assim como as dificuldades em se chegar a um diagnóstico que é, exclusivamente, clínico. Além disso, Carina falou sobre as ainda não totalmente esclarecidas relações entre os Transtornos do Espectro Autista e outros transtornos e doenças, como a Esquizofrenia.

Em sua fala, Carina ressaltou a dificuldade que os profissionais da Saúde ainda possuem em diagnosticar os TEA, diferenciando-os de outras possibilidades de transtornos e doenças, assim como a grande dificuldade em se estabelecer as linhas de tratamento ou manejo da questão – remédios, psicoterapia, remédios e psicoterapia, tratamento psiquiátrico, acolhimento da família e orientações à mesma etc.

Foto: Leonardo Abrahão

Em relação à questão “acolhimento da família e orientação da mesma”, Carina ressaltou a extrema precariedade dos serviços e políticas públicas em todos os níveis e estruturas de Estado e Governo, lamentando o descaso com que o universo da Saúde Mental é tratado em nosso país. Nesse sentido, a prioridade da ONG Centro de Convivência Autismo e Otimismo é dar acolhimento humanizado e integrativo às famílias de autistas, oferecendo serviços de saúde complementar e acolhimento aos seus entes acometidos pelos TEA.

Outro ponto que recebeu muito destaque no I Fórum Municipal Sobre o Autismo, realizado em Uberlândia (MG) no dia 02/04/2014, diz respeito à precariedade das escolas da cidade no recebimento de alunos portadores dos referidos transtornos. Apesar dos esforços das mesmas no sentido de se prepararem para a realidade de, crescentemente, serem procuradas por crianças nessas condições, os representantes da Secretaria de Educação da cidade reconheceram os limites com os quais se vêem, diariamente, obrigados a lidar, tais como: despreparo técnico dos professores e todos os profissionais das escolas para lidar com os TEA; falta de profissionais qualificados para tanto; falta de conhecimentos e protocolos práticos relativos às questões e necessidades dos TEA no ambiente escolar; despreparo dos próprios familiares no que diz respeito às especificidades da relação “pessoas com TEA x ambiente escolar em processo de adaptação a essa nova realidade” etc.

Atestando e testemunhando essas dificuldades, os familiares das pessoas diagnosticadas com TEA na cidade fizeram uso do microfone e relataram suas lutas diárias para conseguirem, adequadamente, oferecer qualidade de vida aos seus familiares. Suas principais dificuldades referem-se ao preconceito com o qual têm de lidar após a obtenção do diagnóstico – preconceito, inclusive, familiar -, e a dificuldade em garantir seus empregos uma vez que uma das características dos TEA mais graves é a extrema dependência dos seus portadores em relação à presença física dos seus pais.

Apesar das reais dificuldades apontadas pelos participantes do Fórum, também fiz uso da palavra e, como Psicólogo, idealizador e Coordenador Geral da Campanha Janeiro Branco, comentei o significado histórico do Fórum e o quanto era extraordinário vermos a presença de tantas pessoas comprometidas com a causa em questão. Além desse significado, apontei, também, o potencial das pessoas que estavam presentes para a organização de uma luta que, além das necessidades imediatas, também poderia, simbolicamente, ser a luta contra o que tenho chamado de “sociedade autista” – uma sociedade cada vez mais marcada pela dificuldade de comunicação entre seus indivíduos e suas instituições, caracterizada por surtos de violência e dificuldade de estabelecimento de vínculos.

Nesse sentido, a luta das famílias de autistas por mais respeito aos seus entes, pode ser, também, a luta por uma sociedade mais inclusiva, compreensiva e acolhedora. Mais aberta às diferenças e mais tolerante. Menos autoritária e menos judicializada, segregadora e preconceituosa.

Foto: Leonardo Abrahão

O Fórum ocorrido, em termos simbólicos, pode representar a oportunidade de se lutar por acolhimento às pessoas com TEA, e, as pessoas diagnosticadas com TEA, podem ser o nosso principal e mais urgente motivo para olharmos para nós mesmos – as pessoas não diagnosticadas com TEA – e avaliarmos o quanto, em nossas várias relações sociais, também temos, conscientemente, nos comportado de forma não-comunicante, não-vinculante e com pouco interesse pelos outros.

Psicólogo e Professor de Sociologia em Uberlândia - MG. Idealizador do projeto Janeiro Branco (www.janeirobranco.org) e Amor de Mãe muda o Mundo, ambos dedicados à saúde mental na sociedad. Editor da Revista Fale Mais Sobre Isso (Uberlândia/MG), apresentador do programa de mesmo nome no canal you tube.