Nos estágios de enfermagem você aprende a importância de cada gesto e palavra dita.
Tive uma paciente da oncologia de aproximadamente 36 anos que, apesar de sua condição de saúde, era independente. Frequentava as reuniões religiosas do hospital, ia ao banheiro sem precisar de ajuda, enfim conseguia realizar suas atividades diárias sem muita dificuldade. Muitas vezes passava no posto de enfermagem para nos chamar e tirar algumas dúvidas. Aparentemente a família era bastante presente, o marido ficava o tempo todo ao seu lado e os familiares iam visitá-la com frequência.
Foi esclarecido a ela que seu caso era fora de possibilidade terapêutica. Depois disso, ela repentinamente descompensou até chegar ao coma. Na semana seguinte, fiquei assustada ao observar que a mesma mulher firme que vi na semana anterior estava restrita ao leito, sedada por medicações fortes para aplacar as dores em seu final de vida.
Chegou a hora de dividirmos os pacientes e, para minha surpresa, a professora me indicou para cuidar dela. Confesso que quis desistir por medo, me perguntava o tempo todo: Será que ela morrerá em minhas mãos? E será que vou saber colocar em prática o que aprendi diante disso? Então, eu falei do meu medo para minha professora e ela disse que estaria comigo e não precisava eu me preocupar.
Comecei a realizar o exame físico completamente muda e quase sem reação, pois de fato a paciente não se movimentava de maneira alguma e nem respondia a nenhum tipo de estímulo. Foi quando a professora me questionou: por que você não conversa com ela? Ela te ouve.
Eu tenho um medo pessoal de me deparar com a morte. Entendo que é inevitável, que talvez mais do que algumas profissões, eu terei que conviver com ela. Só que por mais que os professores digam que não podemos nos apegar aos pacientes para não sofrermos, o apego acaba acontecendo. Nós nos colocamos no lugar deles, dos familiares e acabamos sofrendo junto. A verdade é que apesar de compreender que em alguns casos a morte é algo que não se pode retardar, nunca espero que aconteça de fato. Tenho medo de como nos tornamos impotentes diante disso, ou seja, querer diminuir a dor do outro e ter poucas possibilidades para fazer isso.
No fim do dia, eu conseguia entrar no quarto e ver que a mulher que conheci antes ainda estava ali, só que agora precisava mais de mim. Não era só quando ela estava conversando, andando, que ela merecia minha atenção. Aos poucos fui “quebrando o gelo”, consegui conversar com ela, perguntar como estava, pedir licença ao tocá-la, segurava sua mão por alguns instantes para que ela se sentisse segura. Eu percebia que com esses pequenos gestos a família ficava mais satisfeita, pois via que dávamos importância para seus sentimentos.
Reconhecer os sentimentos do doente é fundamental para o enfermeiro, pois é através dessa compreensão que ele percebe as necessidades reais do paciente e pode realizar um plano de cuidados sistematizado, considerando a pessoa como um todo, e desenvolvendo uma postura empática. (SILVA MJP, 2001; 41(4):14- 20).
Vale ressaltar a importância da comunicação com o paciente estando consciente ou não, o ato de pedir licença ao realizar qualquer procedimento, pois o corpo é algo que resguardamos e devemos nos preocupar com a privacidade do paciente. Portanto, devemos procurar não expor o corpo do paciente de maneira desnecessária ao prestar-lhe qualquer tipo de assistência, principalmente quando o mesmo não tem condições de decidir por si e, especialmente, é sempre bom segurar sua mão para que ele sinta que tem onde encontrar forças.
Estudos com pacientes internados em unidades de terapia intensiva mostram que o toque de familiares, enfermeiros e médicos pode alterar o ritmo cardíaco do paciente, o qual chega a diminuir, quando os enfermeiros seguram suas mãos (Lynch JJ, 1978, apud SILVA MJP; ZINN GR; TELLES SCR, 2003, 11(3):326-32).
Partindo desse pressuposto, pude observar como pequenos gestos de carinho podem contribuir de forma positiva com os pacientes. Aprendi que o melhor final de vida é aquele que estamos rodeados por quem realmente se importa conosco, e mesmo ela estando inconsciente, continua sendo um ser humano sensível, que precisa de apoio emocional acima de tudo.
Referência:
ZINN GR, SILVA MJP, TELLES SCR. Comunicar-se com paciente sedado: vivência de quem cuida. Revista Latino – Americana de Enfermagem. Enfermagem USP, Ribeirão Preto – SP, 2003 maio-junho; 11(3):326-32. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16542.pdf. Acesso em: 24 de outubro de 2013.