“Não saias! É no interior do homem que habita a verdade”
No início deste ano de 2025, me deparei dentro de um grupo de “formandos em Psicologia”. É difícil acreditar que esse percurso já está finalizando. Confesso que foram muitos os momentos em que a vontade de desistir bateu forte. Cursar uma universidade não é um processo simples, muito menos fácil. Mas de onde surgiu essa ideia de cursar Psicologia em plena meia-idade?
Tudo começou em 2020, quando o mundo vivenciava a pandemia do COVID-19. Uma tragédia mundial que levou à morte de milhares de pessoas. No meio ao caos, eram muitas as oportunidades de reflexões e mudanças de atitude diante da vida. Diante do imperativo “fica em casa”, encontrei uma oportunidade de participar de um programa no YouTube chamado “Vai pra dentro”, proposta do Psicólogo junguiano Marlon Reikdal, onde tinha como mote um adágio alquimista citado por Jung: “Não saias! É no interior do homem que habita a verdade” e, a partir desse programa, vivenciei uma experiência transformadora através do autodescobrimento como filosofia de vida.
No início do ano de 2021, ainda em plena Pandemia, um grupo de amigas saiu com a brilhante ideia de fazermos o curso de Psicologia juntas e resolvi aceitar o desafio. Não foi uma decisão fácil e confesso que eu, particularmente, sozinha, não empreenderia tal iniciativa. Mas como era um grupo de quatro amigas, resolvi encarar. E, quando efetivamente conseguimos fazer a matrícula, senti um frio na barriga, com uma sensação dupla: empolgação e medo ao mesmo tempo. Na minha cabeça, apareciam os questionamentos de dúvidas: como assim, voltar para uma universidade após os 50 anos? Mas você não está aposentada? Vai enfrentar uma turma de jovens que acabaram de sair do ensino-médio, como será essa convivência? E os trabalhos acadêmicos e as provas?
Por outro lado, meu estilo aventureiro e amante do processo de aprendizagem vibrava e vivenciava um recomeço, um novo vir a ser, era um sentimento de vida pulsando dentro de mim. E não seria um curso qualquer, iríamos cursar Psicologia – uma ciência que estuda o ser humano em todas as suas expressões, as visíveis (comportamento), as invisíveis (processos psíquicos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim). Quem não se interessa por uma jornada de conhecimentos sobre o ser humano e suas subjetividades?
E foi assim que passei a cursar Psicologia. No primeiro ano, as aulas ainda estavam de forma on-line, uma alternativa interessante, onde assistíamos às aulas em casa e, apesar de não haver uma vivência de sala de aula, foi um processo tranquilo e uma experiência nova e com muito aprendizado. No grupo de amigas, decidimos que iríamos fazer poucas disciplinas, levando o curso de forma bem leve, sem estresse. Por sermos portadoras de diploma, tivemos o aproveitamento de várias disciplinas, esse foi outro incentivo motivador nessa trajetória.
Uma grata surpresa que tive ao iniciar o curso foi me deparar com um grande número de colegas também vivenciando a meia-idade. Muitas pessoas cursando a segunda ou terceira graduação e, para minha alegria, reencontrei alguns outros amigos e amigas, éramos muitos. A jornada tinha tudo para ser uma rica experiência. Nesse percurso de estudante na meia-idade, encontrei colegas vivenciando momentos de grandes transformações e mudanças próprias desse período. Percebi que muitos viviam tanto as turbulências emocionais, causadas por situações de dúvidas e ansiedades, ao colocar em xeque os valores que serviram de direcionamento e sustentação à sua vida até o momento; mas, ao mesmo tempo, experimentavam as possibilidades e as novas oportunidades que estavam por vir com essa mudança na direção do percurso.
E, assim, adentramos na jornada significativa pelo fascinante mundo da formação em Psicologia. Desde o primeiro ano, nas primeiras aulas, nos deparamos com a ideia de que existem várias Psicologias, no plural, refletindo as diferentes abordagens e escolas de pensamento que compõem essa profissão e suas múltiplas áreas de atuação. Essa diversidade nos convidou a questionar: qual é o verdadeiro significado de ser psicólogo? Como cada abordagem contribui para compreender a complexidade da mente e do comportamento humano?
O curso nos levou a entender sua história e a complexa definição de seu objeto de estudo. A Psicologia se dedica à subjetividade humana — a forma como pensamos, sentimos, fantasiamos, nos comportamos, amamos — ou seja, o modo único de ser de cada pessoa. Além disso, aprendemos que ela também reconhece o contexto social e histórico que influencia esses fenômenos, nos levando a refletir que somos fruto de nossas experiências de vida e do ambiente que vivemos.
Ao longo dos semestres, vivenciamos diversas experiências, algumas desafiadoras e até dolorosas. Alguns colegas desistiram, inclusive duas amigas das quatro do nosso grupo inicial, o que nos fez questionar: por que continuar? Quais são as nossas motivações mais profundas? Os desafios eram constantes, e a vontade de abandonar o curso às vezes parecia maior do que a força para seguir em frente. Um fato marcante e o maior motivo da continuidade nesse percurso foi a presença da minha colega e amiga Marildes Rocha. Juntas, formávamos uma dupla inseparável nos trabalhos, estudos, estágios, nas caronas e em todos os momentos na universidade. Quando via uma de nós sozinha, era comum surgir a pergunta: cadê a sua amiga? Essa conexão forte e o apoio mútuo reforçaram minha certeza de que, mesmo diante dos obstáculos, não estávamos sozinhas nessa jornada. Era essa parceria que nos dava força para seguir em frente, acreditando que o crescimento pessoal e as mudanças que buscávamos valiam cada esforço.
Fonte: imagem de arquivo pessoal
Ao final do quarto ano de curso, tive contato com todas as abordagens e escolas de pensamento oferecidas pelo curso. Identifiquei-me profundamente com as psicologias profundas, especialmente as psicodinâmicas, como a Psicanálise e a Psicologia Analítica. Essas abordagens despertaram algumas reflexões: como podemos compreender o inconsciente e os processos internos que influenciam nossas ações e emoções? Quem somos nós para além dos anos de vida, da nossa história e dos papéis que representamos? Essa compreensão me impactou positivamente. Saber que somos mais do que imagina nosso eu consciente às vezes assusta, mas também é transformador.
As surpresas de fazer um curso de Psicologia são muitas. Novas áreas de trabalho aparecem, assim como o compromisso social que ela exige. Entre esses compromissos, destaca-se a defesa de políticas públicas de saúde mental que sejam acessíveis e gratuitas. Isso nos faz refletir sobre o papel do psicólogo não só nos atendimentos clínicos individuais, mas também na atuação voltada para a coletividade, pensando na transformação social e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Ao estudar Psicologia Social e Intervenção Psicossocial, também revisitei conteúdos da minha formação em Serviço Social, o que foi extremamente gratificante. Essa experiência reforçou a compreensão de que a Psicologia possui um compromisso social forte, apoiado por um arcabouço teórico e metodológico que pode promover mudanças concretas na realidade brasileira.
Enfim, cursar Psicologia na segunda metade da vida, representa um mergulho interno em direção à integração e ao desenvolvimento subjetivo. Nesse momento, somos convidados a atender ao clamor de nossa vida interior, questionando o significado da vida e indagando se não haveria algo a mais a ser conquistado. Para Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica e referência nos estudos ligados à segunda metade da vida, essa fase é marcada por momento de transição com mudanças significativas e assevera que, no entardecer da vida:
[…] Para o jovem constitui quase um pecado ou, pelo menos, um perigo ocupar-se demasiado consigo próprio, mas para o homem que envelhece é um dever e uma necessidade dedicar atenção séria ao seu próprio Si-mesmo. Depois de haver esbanjado luz e calor sobre o mundo, o Sol recolhe os seus raios para iluminar-se a si mesmo. (JUNG, 2000, p. 167).
A contemporaneidade e a valorização cultural da jovialidade faz uma negação do processo de envelhecimento. Essa transição da vida adulta para a velhice, chamada por Jung de metanóia, é marcada pela morte simbólica e uma ameaça ao pertencimento à sociedade. Portanto, o ingresso em um curso de Psicologia após os 40 anos é uma oportunidade de vivência de rica experiência simbólica de passagem e renascimento para outro lugar de posicionamento existencial.
Referência:
JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. (Obras completas de C. G. Jung, v. 8/2).