O preço da diferença

A nossa sociedade está muito acostumada com os rótulos que são engendrados a partir de modelos socialmente aceitos de formas de ser e de viver. E às vezes quando se abstrai um pouco dessa lógica social, saímos da linha tênue do que é considerado “normal”. Desta forma, percebemos que as pessoas que não se enquadram nos modelos, seja de “normalidade” como de família, são julgadas e vistas de uma forma estranha e preconceituosa pelos demais considerados “iguais”, “normais”, os aceitos. Mas é como o filósofo Nietzsche afirma, nunca espere nada de novo ou de revolucionário daqueles que são socialmente aceitos, pois estes sim querem postergar sua posição, enquanto que os excluídos tentaram mudar, inovar.

Em busca de trabalhar o preconceito nos voltamos para os moradores de rua, uma vez que são a expressão concreta das desigualdades sociais. Desta forma, foi proposta por nós uma intervenção em que supostamente um morador de rua entraria num Shopping Center para ver qual seria a reação do público de maneira em geral.

O nosso pseudo mendigo foi caracterizado com roupa suja, papelão embaixo do braço, descalço, barba por fazer e cabelos cumpridos. E lá vai nosso personagem adentrar ao templo do capitalismo na atualidade: o shopping center.

Logo na entrada para surpresa de todos, não foi barrado, os seguranças o deixaram entrar, mas ficou visível um preconceito estampado nos semblantes de todos, tanto dos transeuntes do local quanto dos próprios vendedores e até mesmo dos guardas que chegaram a ficar circulando a sua volta, como se ele fosse um marginal, sem que o mesmo tenha esboçado qualquer reação que pudesse ser considerada “inadequada” ao local. Mas ele era ofensivo ao ambiente, suas roupas não eram condizentes com o maior palácio do capitalismo. Mas mesmo assim ninguém interferiu em sua caminhada pelo shopping, até então apenas olhares de muito estranhamento.

Nosso personagem realmente estava com a auto-estima bem elevada nesse dia, então resolveu ir à praça de alimentação e, como qualquer outro indivíduo, comer um daqueles lanches em que se paga muito, come-se pouco e engorda-se bastante. Então ele se dirigiu ao caixa e pediu seu sanduíche e logo foi surpreendido, não com palavras, mas com gestos, pois a atendente estava muito assustada com tal situação inusitada. Ela fez um sinal com a cabeça ao seu superior (como se perguntasse se poderia servir tal pessoa), que respondeu com um sinal de positivo. Desta forma, a atendente se tranqüilizou e serviu nosso protagonista. Ao sentar-se à mesa nosso personagem foi surpreendido por comentários do tipo: “vamos sair daqui, tem mendigo do nosso lado” e até mesmo uma senhora se levantou e foi avisar aos seguranças a presença de tal figura estranha.

Nossa sociedade usa máscaras e eufemismos para tentar maquiar e retocar suas mazelas. No caso desta intervenção, os seguranças se aproximaram das meninas que faziam a filmagem e falaram que o nosso personagem não poderia estar no local, mas para nossa surpresa o argumento utilizado foi que o suposto mendigo se encontrava descalço. Boa desculpa essa. Mas será mesmo que se o nosso pseudo mendigo estivesse com “roupas adequadas” mas descalço seria tratado da mesma forma? E se estivesse com a mesma roupa mas calçado?

Enfim, percebemos que num mundo de iguais quase ninguém quer pagar o preço de ser diferente. Mas prefiro parafrasear nosso grande amigo Bob Marley: “Prefiro chorar a dor da derrota a dor de não ter tentado”.


Nota: Texto produzido pelos acadêmicos do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA como parte da avaliação da disciplina de Estágio Básico V, com a orientação do professor Jonatha Rospide Nunes.