Sobre quando eu viajei pra um romance de García Marquez

Eu nunca tinha ido até Dianópolis, nem até Macondo. No caminho ouvia as histórias da primeira cidade e lia as da segunda. A narrativa era arrastada, com diversas divagações, mas inebriante, coisa de quem sabe bem escrever. Já a estrada era escura e esburacada, mas o professor Mardônio, a quem eu acompanhava, desviava de todos, coisa de quem conhece bem o percurso. Primeiro capítulo e muitos quilômetros vencidos quando enfim chego até Dianópolis e deixo Macondo de lado, ao menos por enquanto. Minha primeira impressão sobre a cidade é que ela é bem mais amena que Palmas, de onde eu venho. Café, hotel e cama são preteridos em prol da minha vontade de conhecer e da necessidade de Mardônio de trabalhar. Chegamos então no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade.

A primeira coisa que noto é um grande mural, muitas mãos e algumas figuras de animais pintados. Sento-me à mesa e tento puxar assunto com uma moça que corta algumas revistas. “São os animais da Copa do Mundo não é? Rinoceronte, Girafa..” ela mal tira os olhos da revista enquanto me responde “São sim… e as mãos são nossas. Aquelas ali em cima eram as do Júlio, ele veio… pintou com a gente.. daí assistiu o jogo…e depois se matou”.

Como sem nem pensar, minha mente volta à Macondo e ao terrível suicídio de Pietri, e não sei nem o que responder. Essa foi minha primeira impressão, esta é aquela que fica? Se for, já foi. Levanto-me e volto a Dianópolis para mais do CAPS, vejo os quadros de Júlio e ele deixou mais que mãos e bichos… Tem índias e cachoeiras e frutas e flores nas paredes, tudo dele.

O lance não era nem o suicídio, nem a história de Júlio, muito menos a de Pietri. O que estava acontecendo mesmo era que eu não tinha ideia que uma viagem, e um livro, iam mexer tanto comigo, para mim ia ser só ir lá, pegar as falas e voltar para escrever e ao mesmo tempo ir lendo mais um dos livros de um dos meus autores preferidos. O problema é que as coisas se misturam. E aí fica difícil separar realidade de ficção, e quem se importa?

Entre páginas amassadas e noites mal dormidas, fiquei quatro dias em Dianópolis e muitas horas em Macondo. Vi bem mais que a história de Júlio, tinha também a mãe que teve o filho morto depois de ter sido detido pela polícia, teve a moça que era mantida como bicho, enjaulada mesmo, vi uma mãe de 61 anos com sérios problemas mentais que vivia em uma casa sem nenhuma higiene com seu filho também com problemas mentais. E Li também muito das guerras civis em Macondo, dos horrores do fuzilamento e do temor da miséria. No fim da estrada, ou epílogo, desci do carro de Mardônio e fechei a porta como quem fecha um livro, estava novamente em Palmas, depois das minhas duas viagens.