0617:03:32, Palmas-To. Eu estava ali parado vendo aquela cena. Os pés dele não tocavam o chão, pelo contrário, balançavam para um lado e para o outro conforme o vento se chocava em seu corpo. A mulher enfiou a chave no portão, girou e abriu; ela se virou de costas com a cabeça baixa; enfiou a chave no portão e trancou. Ela se virou. A sacola do mercado caiu no chão, as laranjas rolaram para longe. Emudecida ela fitou os olhos no corpo de seu marido pendurado por uma corda que dava uma volta em seu pescoço e seguia até a ferragem do telhado onde estava amarrada. Atônita com a cena, ela pegou o seu celular e digitou 190.
– Policia Militar, como posso ajudar?
– O meu marido está pendura por uma corda. – A mulher falou, sem demonstrar nenhuma alteração na voz.
– Qual o seu nome, e onde você se encontra?
– O meu marido está pendurado por uma corda. – Ela repetiu a frase com a voz embargada.
– Senhora, eu preciso que você mantenha a calma e me diga onde você se encontra.
– O meu marido está pendurado por uma corda. – A mulher tornou a repetir a frases aos prantos.
17:32:43, a polícia chegou no local, a mulher estava esperando do lado de fora da casa sentada na calçada com as mãos na cabeça, ela chorava de maneira copiosa.
– Boa tarde, senhora. Podemos entrar? – A mulher apenas apontou em direção ao portão. Os dois PM entraram e viram um homem pendurado por uma corda na entrada da área da frente. Tudo indicava um suicídio. Eles atravessam o quintal de terra até se aproximarem do corpo pendurado. Um dos soldados olhou em volta enquanto o outro entrou na casa. O que entrou logo constatou que as coisas estavam aparentemente em ordem, não havia nada fora do lugar. Olhando de forma mais atenta viu o que parecia ser uma carta em cima da mesa da cozinha, ele se aproximou e pegou um pequeno pedaço de papel onde estava escrito: Meu amor, resolvi partir em outra jornada, as dores em minha alma estavam insuportáveis, sei que isso não é justo com você, mas precisei fazer isso. Lembre-se, que te amarei para todo sempre.
17:35:12, o meu trabalho me permite ver coisas assim todos os dias, as vezes eu fico curioso e fico um tempo no local, esperando para ver o que vai acontecer. Fernando, esse era o nome dele, vivia apenas com a sua esposa Julia; eles se conheceram quando tinham apenas 10 anos em uma brincadeira em frente à casa dele. Ninguém virá ao velório dele, ninguém além de sua amada Julia. Os pais dele não aceitaram o casamento dos dois, mas o amor era tão grande que ele preferiu romper com a sua família e ir embora da cidade onde moravam. Os dois tiveram muitos altos e baixos na vida; houve uma vez em que os dois passaram duas semanas apenas comendo arroz, ovos e farinha, porém, superaram tudo isso. A um ano e meio atrás veio a depressão que jogou Fernando, na lona. A princípio era apenas um sentimento de tristeza que ia e vinha, depois essa tristeza evoluiu para uma angustia que permanecia por dias, e por fim veio a depressão profunda; o brilho do jovem rapaz esvaiu-se como uma fogueira que queima toda a lenha, e as chamas que outrora eram enormes, se tornam apenas cinzas.
Quando Fernando tirou a sua vida, ele não sabia que daqui duas semanas, Julia vai testar positivo para o primeiro filho do casal; vai ser um menino. Julia vai sorrir e chorar; o nome será César, Fernando sempre dizia que daria esse nome em homenagem ao primeiro César, o precursor dos imperadores romanos. Se Fernando tivesse optado por viver, ele teria mais duas filhas com Julia, a agitada Hipólita, e a incansável Diana, ambos os nomes dados em homenagem as maiores guerreiras da história das amazonas. Daqui a exatos seis meses ele deixaria o emprego para focar no seu livro, a qual começou a escrever a quatro meses atrás, infelizmente apenas o primeiro capitulo ficou pronto, o livro não seria um grande sucesso, mas seria um dos maiores orgulhos de Fernando; ele iria ficar todo contente quando alguém no seu Facebook dissesse que amou o seu livro. Fernando seria respeitado em sua comunidade local, pois além de ser uma pessoa carismática, é também alguém que ajuda as pessoas. Era para ele partir com oitenta e dois anos, às 00:43, deitado em sua cama, mas ele decidiu adiantar o processo e interromper um futuro que nunca vai acontecer. Bem, as vezes esse trabalho é melancólico, mas não a mais tempo para lamentar, preciso correr pois Alexandra vai pular do nono andar do seu prédio em São Paulo, daqui a exatos quarenta segundos, e preciso ir dar o meu toque. Tempo. Tempo é a moeda mais valiosa na vida.