Retratos da masculinidade em ‘A máscara em que você vive’

“Ele veste uma máscara, e seu rosto se molda a ela…” George Orwell

O documentário The mask you live in (A máscara em que você vive, em tradução livre), produzido em 2015 com direção de Jennifer Siebel Newsom, e apoio da The Representation Project, expõe, através de vivências em grupos de intervenção e depoimentos de especialistas estadunidenses, o padrão da hipermasculinidade e seus processos adoecedores individuais e sociais, inclusive no sustento do sexismo e da homofobia na sociedade. Logo, um compilado de fatores pregados pela cultura popular, muitas vezes desumanizados, que representam o que é ser homem.

Frases como “engole o choro”, “para de ser mulherzinha”, “você joga como uma garota”, são imputados em meninos com o propósito de doutrinar a uma conduta específica, desde a infância preza-se a autoridade e domínio em detrimento ao desenvolvimento de caráter. Dever que é adotado como forma de validar a si mesmo, ser aceito pelos grupinhos na escola e pela sociedade em geral, também como forma de buscar atenção e aprovação paterna. Essa maneira de conceituar comportamentos desviantes priva a própria criança de explorar novas maneiras de aprender, socializar, de buscar a autonomia e autorrealização, pois seu roteiro de vida já está escrito.

Fonte: encurtador.com.br/bimA6

O documentário aponta que os pilares da performance da hipermasculinidade são a exigência de habilidade atlética, sucesso econômico e conquistas sexuais. Os indivíduos que não se adequam totalmente a esse modelo são excluídos. Neste contexto, entre os adolescentes brasileiros, os meninos são os que mais sofrem e praticam bullying: ao todo, 17,5% deles relatam sofrer bullying na escola. Esse ideal é comumente exaltado pelos meios midiáticos: o badboy que é forte (fisicamente e/ou tem influência), austero, objetifica mulheres, faz uso desmedido de álcool e outras drogas. Quadro que pode ser visto fora das telas: 55% dos adolescentes do último ano do ensino fundamental experimentaram bebidas alcoólicas, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgado pelo IBGE.

Além disso, também há a representação do bobalhão: apesar de ser homem adulto, ainda perpetua comportamentos da fase da adolescência, ele projeta sua hipermasculinidade de forma diferente dos outros papéis, sendo imprudente e degradando mulheres. Há o recorte de raça, onde homens de cor geralmente ficam com o papel do malfeitor, imagem limitada e violenta que reduz perspectivas de outros modos de viver entre essas crianças e adolescentes. A exposição a essas mídias, incluindo jogos que tem por objetivo dominar e destruir, pode deixar meninos (os maiores consumidores) menos sensíveis ao sofrimento alheio, mais temerosos e agressivos em relação a outros e a si.

Fonte: encurtador.com.br/cHO12

Um efeito da masculinidade tóxica é a pandemia da violência contra a mulher, advindo da rejeição de características relacionadas ao feminino, como a vulnerabilidade, gentileza, empatia, expressão emocional e verbal. Visto isso, homens criam uma máscara emocional, reprimindo sentimentos e desejos relacionais, são ensinados que pedir ajuda é um sinal de fraqueza, o que resulta na terceira causa de morte mais comum entre rapazes, o suicídio.

Com a associação do poder como inerente ao masculino, esse indivíduo mesmo sem tê-lo, encara como se tivesse o direito ao poder, normalizando a manipulação emocional e psicológica e a agressão física. Homens agressores também apresentam raiva, autoacusação destrutiva e autoagressão, apego ansioso, sintomas crônicos de trauma e de rejeição paterna, capacidade limitada de autorreflexão e incapacidade de criar relacionamentos interpessoais saudáveis (Caligor, Diamond, Yeomans e Kernberg, 2009).

“Meninos magoados se tornam homens magoados se não houver algum tipo de intervenção. ” Frase do documentário que está em concordância aos estudos de Carmen, Reiker e Mills (1984) e Walker (1984), onde relatam que a presença de comportamentos agressivos na fase adulta é originária na experiência de violência na infância, seja como vítima ou testemunha. The mask you live in propõe deixar visível esses processos invisíveis, transferir o foco do sintoma da situação para reparar mais nas relações, na transmissão transgeracional da violência, para assim, com a compreensão da sua origem e criação de apoio adequado, encerrar esse ciclo de violência.

Referencias

CRESCE o consumo de álcool entre adolescentes, segundo o IBGE. G1, Tapajós, 31 de ago, de 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2016/08/cresce-o-consumo-de-alcool-entre-adolescente-segundo-o-ibge.html>. Acessos em  02  set.  2020.

NARDI, Suzana Catanio dos Santos; BENETTI, Silvia Pereira da Cruz. Violência conjugal: estudo das características das relações objetais em homens agressores. Bol. psicol,  São Paulo ,  v. 62, n. 136, p. 53-66, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em  02  set.  2020.

OSHIMA, Flávia Yuri. Meninos sofrem mais bullying físico, meninas moral. Época, 20 de abr, de 2017. Disponível em: <https://epoca.globo.com/educacao/noticia/2017/04/meninos-sofrem-mais-bullying-fisico-meninas-moral.html>. Acessos em  02  set.  2020.