A Rainha Má de Branca de Neve e a inveja

Branca de Neve é um dos contos de fadas mais populares. Diversas adaptações para cinema, televisão já foram feitas com base nele.

A estória de Branca de Neve começa nos apresentando uma princesa que ao nascer perde a sua mãe. Seu pai então se casa com uma nova mulher. Ao crescer a beleza da menina desperta na Rainha inveja motivando sua crueldade, a ponto de tentar cometer assassinato. O tema da mãe que morre e uma madrasta que entra em seu lugar é um tema recorrente nos contos de fadas.

Mãe e madrasta na verdade são a mesma pessoa. São duas faces da mesma moeda. E no desenvolvimento da personalidade, a transformação da mãe boa em mãe terrível torna-se estritamente necessário. A expulsão do paraíso materno é um fator preponderante para o processo de individuação. Sem essa expulsão ficamos na zona de conforto e não nos desenvolvemos. Seremos o eterno “filhinho (a) da mamãe”.

Além disso, os contos de fadas costumam apresentar de forma simbólica sentimentos comuns a toda humanidade. E em Branca de Neve temos um sentimento básico em evidência: A inveja.

A Rainha, madrasta de Branca de Neve, inveja a beleza da menina, pois não se conforma com o envelhecimento e com a perda do posto de mais bela.

 

 

A esse respeito, Betthelhein (2002) diz o seguinte:

A perda da proteção materna sofrida por Branca de Neve a deixou vulnerável a uma outra mulher que não a acolheu como filha, pois a Madrasta, vítima da necessidade de ser bela, sedutora, a desejada por todos, não conseguia cuidar de outra mulher que, mesmo sendo menina, se constituía numa ameaça.

Pode-se dizer que Branca de Neve, trata de uma estória do desenvolvimento feminino. Apontando como a psique da mulher pode evoluir e se desenvolver. Não que os homens não possam se beneficiar desse conto, mas neles o benefício será mais no aspecto de sua anima.

No desenvolvimento psíquico o ego das mulheres, até certa idade, se estrutura em torno da beleza e sedução. Não quero entrar no mérito da questão, nem dizer o que é certo ou errado, mas nosso inconsciente coletivo está pautado nessa estrutura – basta observar que a indústria de cosméticos, moda e tudo aquilo que se liga à beleza é voltada em sua maioria esmagadora para a mulher. E nos mitos, temos geralmente como representante da beleza uma deusa, exemplos disso são Afrodite na Grécia, Vênus em Roma e Oxum na África.

 

Com o passar dos anos e a conseqüente degradação do corpo, a mulher que se encontra no processo de individuação já deveria estar em contato com outros aspectos da psique, como o animus e o Self. E nesse processo de amadurecimento o centro de sua psique deveria deixar de ser ego e passar a ser o Self e essa identificação com a beleza diminuída.

Não digo que com isso as mulheres não devam mais ser vaidosas, mas é necessário deixar de fazer da beleza e da juventude seus únicos atributos.

Infelizmente o que vemos atualmente em nossa sociedade é uma grande quantidade de mulheres, principalmente no ocidente, onde a perda da juventude e da beleza é algo aterrorizante. E esse é o drama da Rainha que vê em sua filha a passagem do tempo e a diminuição de sua beleza. Ela é uma mulher extremamente imatura a ponto de deixar de ser uma mãe cuidadosa.

 

Note que ela não possui um relacionamento com o inconsciente, ela está completamente identificada com sua persona. Seu animus é quase inexistente, pois o marido é omisso na relação dela com a Branca de Neve, não exercendo a sua função de discernimento e reflexão.

Quantas mulheres atualmente em nossa sociedade, onde a imagem é privilegiada, não “assassinam” a sua própria criação em função de uma atitude unilateral, sufocando sua criatividade.

 

Entretanto, a Rainha tem um caminho para o seu desenvolvimento, projetado em Branca de Neve. Através da princesa e sua jornada, a Rainha pode se desenvolver e sair da unilateralidade. E a jornada de Branca de Neve possui muitos paralelos com o mito grego de Psique.

No mito Afrodite, a deusa mais bela, com inveja da beleza de Psique a pune enviando-a (assim como a Rainha) para ser sacrificada. Entretanto Eros, filho de Afrodite, se compadece e se apaixona por Psique, salvando-a do destino trágico.

Em Branca de Neve temos a figura do caçador que se compadece da princesa e entrega a Rainha o coração de um veado. Aqui a figura do animus começa a aparecer e começa a apresentar vestígios de reflexão e de proteção, mesmo sendo considerado apenas um simples servo.

Após esse episódio, Branca de Neve vai viver em uma casa com os sete anões. Onde passa a cuidar da casa para eles, lavando, limpando e cozinhando.

Nesse estágio, a princesa encontra o animus em sua forma múltipla, ainda que indiferenciado, e um tanto primitivo. Mas ele já apresenta seu lado prestativo e o mais importante Branca de Neve se relaciona com ele, vive com ele e negocia com ele: Ela cuida dos anões em troca de proteção.

 

Um aspecto importante dos anões é que eles trabalham nas cavernas garimpando pedras preciosas. A caverna é um símbolo do inconsciente, portanto o trabalho de retirar os tesouros do inconsciente para a ampliação da consciência já está sendo feito pelo animus.

A Rainha descobrindo o paradeiro de Branca de Neve tenta por três vezes matá-la. Na primeira vez ela amarra de uma forma violenta, uma fita ao redor da cintura da menina fazendo-a perder o fôlego, da segunda vez da um pente envenenado a menina e na terceira vez ela da à menina a tão famosa maçã envenenada.

Essa estrutura de três provas, ou três tentativas é muito comum em contos de fadas. Na verdade, esse “três” sempre se desdobra para um “quatro”, o número da totalidade, por isso nos contos há três tentativas, com uma quarta completamente diferente das anteriores.

Nota-se que as duas primeiras tentativas de matar Branca de Neve estão associadas à vaidade e a terceira à sedução, pois a maçã na mitologia grega está associada a da deusa do amor, da beleza e da sedução, Afrodite. E ela sucumbe a todas as tentativas, sendo auxiliada nas duas primeiras pelos anões.

Em seu mito, Psique também sucumbe em sua ultima tarefa, que foi pegar o creme de beleza de Perséfone, a qual foi alertada a não abrir. Mas sua curiosidade e vaidade femininas fizeram-na abrir, levando-a a cair como morta. Ou seja, Branca de Neve e a Rainha devem amadurecer em relação à beleza e sedução, o que equivale a perder a ingenuidade e desenvolver a capacidade critica provinda de seu animus.

 

O desfecho é conhecido: um príncipe que andava pelas redondezas avistou o caixão de vidro feito pelos anões, ficando apaixonado. Ele leva o caixão para seu castelo. No caminho, a carruagem tropeça, e o pedaço de maçã que estava na garganta de Branca de Neve sai, e ela volta a respirar. O príncipe a pede em casamento, e convida para a festa a Rainha, que comparece, morrendo de inveja. Como castigo, ao sair do palácio, acabou tropeçando em um par de botas de ferro que estavam aquecidas. As botas fixaram-se na rainha e a obrigaram a dançar; ela dançou e dançou até, finalmente, cair morta.

Diferentemente de Afrodite, que no mito é transformada pela jornada de Psique, fazendo-a mudar de atitude e aceitar a beleza da jovem. A Rainha mantém sua atitude unilateral, permanecendo na inveja em relação a Branca de Neve, que agora alcançou um desenvolvimento de sua personalidade e iniciou um relacionamento com seu inconsciente, simbolizado pelo seu animus – príncipe.

Infelizmente, a Rainha não consegue demonstrar alegria e amor pela filha. Muitas mães infelizmente invejam a beleza e a as conquistas de suas filhas. Suas vidas não vividas e pautadas no ego são fonte de amargura e raiva. E a Rainha, tristemente, encontra o destino de todo aquele que mantém uma atitude radicalmente unilateral, que é a morte.

 

Referências:

BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos contos de fadas. 16 ed. – Paz e Terra: São Paulo: 2002

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. 21 ed.Vozes. Petrópolis: 2008.

NEUWMAN, E. A Grande Mãe. Cultrix. São Paulo: 2006.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo:2005.

VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São    Paulo:2002.

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.