As narrativas sobre as origens do mundo e da humanidade sempre foram objetos de minha atenção. As questões filosóficas sobre “quem somos nós, o que devemos e podemos fazer, de onde viemos e para onde vamos” trazem “embutidinhas” algumas outras, que me permito escrever de uma forma mais livre: “E aí, tem alguém que nos mandou para cá? Existe algo antes e depois?”.
Nessas “embutidinhas” deparo com narrativas que se aproximam em aspectos literários e de conteúdos. Uma das narrativas que me encanta é a de Prometeu, como também nas versões cujas estruturas iniciais se aproximam das histórias de tradição judaico-cristã, como o livro do Gênesis. A necessidade que temos de saber de nossas origens, enquanto humanidade, em muitos momentos confunde-se com o desejo de saber sobre nosso futuro… ou seja, a história narrada da criação passada do mundo não seria uma projeção (in)consciente para um possível futuro. É preferível a fantasia do paraíso perdido que um nada cabal.
Fonte: http://www.imagick.org.br/pagmag/pardal/mitologia/prometeu.html
No princípio havia o vazio que foi preenchido. Essa massa ganhou vidas. Uma delas se destacou sobre as outras, tanto que necessitava de explicações para sua existência. E criou narrativas para se justificar e representar frente aos seus e à espécie como um todo.
As narrativas antigas, diferentemente daquelas pós-newtonianas, trabalhavam com elementos transcendentais, isto é, que iam além do observado fisicamente. E vêm deuses, deusas e uma miríade de criaturas e forças que trazem como base comum esse desejo de explicar o surgimento e fortalecer uma ideia de futuro.
A história de Prometeu me encanta muito porque é uma lição de vida. A história sobre como tirar dos deuses (roubar para alguns) algo que pertence a nossa humanidade, isto é, a capacidade de lidar com as artes e as técnicas. Isso que Kant explicitou séculos e séculos depois sobre o estado de maioridade da razão humana, essas bases narrativas prometeica e adâmica (são muito próximas as ideias do roubo do fogo e a do fruto da árvore do conhecimento dos hebreus) metaforicamente tentavam explicar.
Os deuses puniram a ambos os “ladrões”, de formas diferentes nas narrativas, mas deixaram sua marca de divindades. Ai é que se encontra o fascinante. No desejo de se sustentar como ser humano, mesmo com o castigo, enfrenta-se a divindade. Prometeu me auxilia a criar minha biografia como ser humano quando enfrento meus deuses e diabos. Primeira lição.
“Querer o fogo” é o desejar aprender como aprender, é um passo muito sério na jornada de autoconhecimento. Se não se consegue, frustra-se, castra-se, sublima-se, recalca-se… não necessariamente nessa ordem, mas sempre com um sentimento de perda de algo que nunca foi preenchido. Prometeu me lança para o sentimento de perdas sem nada ter perdido ou ganhado. Como ser humano, possuo essa antevisão (Προμηθε?ς) de ser e estar. Segunda lição.
Os deuses são arrogantes, imagens superampliadas e, por vezes, distorcidas, do que gostaríamos de ser. Vaidosos, vingativos, sorrateiros, intrometidos, lobos escondidos debaixo de peles de ovelhas. A criação de Pandora explicita muito bem isso: para se vingar do fogo roubado, Zeus ordenou a Hefesto a criação de uma estátua que tivesse a beleza dada por Afrodite, a oratória de Hermes, a beleza e musicalidade de Apolo, a inteligência de Atenas – mas a tudo isso, também um dos defeitos de cada um. Os deuses são assim, primeiro se mostram charmants e depois vêm os delírios e as loucuras insanas da maldade. Divindades são reflexos de nossos eus mal refletidos em espelhos distorcidos, o fogo não lhes pertence. Terceira lição.
Como enganar a um deus com tais qualidades e defeitos? A riqueza da artimanha de Prometeu foi tamanha que a raiva e o desejo de vingança de Zeus foram incomensuráveis. Cuidado com os deuses, eles não são confiáveis. Quarta lição.
Uma das artimanhas dos deuses para real vingança contra Prometeu foi a vinda de Pandora, próxima à Eva judaico-cristã ou a coquete Lilith (?), para tentar seu irmão, Epitemeu ( “aquele que pensa após”). Pandora e Eva são inocentes frente aos discursos machistas que ainda ousam defender as ligações entre o feminino e pecado. Isso é coisa retrógada e fede ao bolor das morais conservadoras! Respeitem as mulheres, sem demagogia, mesmo que Pandora tenha aberto sua caixa e soltado os males mundo afora, pelo menos a esperança ficou lá retida. Mulher e esperança caminham juntas. Quinta lição.
Fonte: http://gabrielverdiny.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html
Acorrentado, preso, como um titã era imortal, mas uma ave de rapina vinha lhe comer o fígado todos os dias. Entranhas abertos. À noite, recompunha-se o titã. No dia seguinte,para sempre Prometeu viveria todas as dores do dia anterior. Que deus mais cretino para apreciar essa cena cotidiana, não importa se fosse sua criatura ou um semelhante a si. Trate bem de seu deus, saiba como dialogar com ele-ela-elo e jamais lhe abra espaço para tais permissividades. Deuses não são pets e nós não somos pets deles. Lição seis.
Mas quem é esse Prometeu? Pois bem… é a história de um senhor que não para contar à criançada na hora de dormir. Ou eles se ficarão impressionados com possíveis pesadelos durante o sono ou nos assustarão pedindo algum aplicativo que traga o joguinho do cara tendo o fígado comido… Surpresas das TIC e dos TOCs derivados…
Em resumo ultrarrápido: Prometeu era descendente de deuses derrotados por Zeus. Veio viver nesse mundo. E do vazio criou a toda a humanidade por meio da barro da terra, tinha por irmão Epitemeu e alguns parentes, como Atlas. Prometeu era um gigante bondoso, na criação dos seres humanos, teve ajuda de Atenas que soprou sobre as imagens de barro a vida.
“Pelados e com as mãos nos bolsos” essas criaturas eram mais indefesas que os outros animais, também criados. E Prometeu ensinou a elas artes e técnicas para sobreviver. Ainda não satisfeito e com raiva dos deuses – por que somente eles podiam deter bens que a todos deveriam estar compartilhados? – roubou parte do fogo do rastro da carruagem do Sol.
Trouxe o fogo – calor, aquecimento, proteção- para a humanidade. Ultrajado com mais aquela afronta, Zeus além de enviar Pandora, que trouxe muita coisa ruim na caixinha famosa, arremeteu um castigo atroz a Prometeu: seria acorrentado num penhasco do Cáucaso, e diariamente uma águia (ou abutre dependendo da tradução e dos escritos primevos) viria a devorar-lhe o fígado. Ele se regeneraria e no dia seguinte, o ciclo do sofrimento retornaria.
Esse castigo continuaria eternamente se Hércules, um semideus, não o aliviasse daquela selvageria. Para enganar Zeus, Prometeu livre fez um anel com parte da rocha do Cáucaso. Zeus quando queria monitorar se ele continuava preso verificava pelas vibrações da rocha. Não sei se Prometeu viveu para sempre feliz como nos contos a la “Era uma vez”.
Ele me marca por essa coragem de enfrentar as forças que se pressupunham poderosas, onipotentes e oniscientes de tudo. É um exemplo, como bom mito, que tanto serve para enaltecer a coragem quanto para fazer com que se exercite a prudência nos enfrentamentos com situações, pessoas e grupos diferentes daquilo que se pressupõe como racional e razoável.
Bibliotecas físicas e digitais, textos impressos e by web pululam de informações sobre Prometeu. Existem inúmeros ângulos de análise. Algumas delas incríveis, outras nem tanto. Entretanto, para quem quiser se iniciar em leituras mais sérias (e também gostosas), é importante se aventurar pelas fontes clássicas de Platão (Protágoras), Ésquilo (Prometeu), Hesíodo (Teogonia; Os trabalhos e os dias) e Ovídio (Metamorfoses).
Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/um-prometeu-desvairado
Detalhes sobre a família (pais, irmãos, esposa ou esposas, filho ou filhos), conhecimento práticos, o que aconteceu com Epitemeu e Pandora, quem substituiu Prometeu no rochedo, porque o fígado e não o coração a ser bicado todos os dias, perfil astrológico, qual carta representa em algum tarô “plusmoderno”, panteão de deuses e dos companheiros titãs, “endereço para correspondência ou em alguma rede social” encontram-se disseminadas internet afora.
Fonte: http://mapasdocaminho.blogspot.com.br/2012/01/o-mito-de-prometeu.html
Existem muito mais aprendizagens que podem ser retiradas nas leituras das versões de Prometeu. Tenho essas lições que Prometeu me ensinou, poderia até ser pretensioso em escrever: das lições que Prometeu deixou para mim (parece até construção frasal próxima às palavras de Roberto Carlos na música: – “Hoje, lembro das canções que você fez pra mim…”, prefiro na versão com Maria Bethania. Que me desculpe os fãs, Roberto é ótimo para Zeus, prefiro a sincrética Bethania).
Além das lições, algo marcante para além das narrativas e reflexões sobre Prometeu e seus feitos, são importantes as ilustrações que foram elaboradas. Ao longo do texto, trouxe algumas delas, apenas mencionei os sites originários, não os autores. Lapso? Não. Opção.
Algumas delas, das ilustrações, transbordam de tragédia e outras de uma sensualidade, a sensibilidade e a técnica que ele nos trouxe ao roubar o fogo dos deuses, isto é, de nos permitir a pensar que se pode existir sem muletas. E frente aos deuses, ele conseguiu vencer e continuar a viver.
Fonte: http://www.sinprorp.org.br/Cursos/2012/043.htm
Fonte: http://deltagata1.blogspot.com.br/2006_10_01_archive.html