Sorriu tão amargamente que apagou a vontade da profissão que estava estudando há quase dois anos e meio. Olhou por um instante o teto branco e suas lâmpadas florescentes, retornou a olhar os rostos cansados dos colegas de aula e ao fundo dos tímpanos, apenas a voz chata e gritante da professora, insistindo na mesma velha pergunta de sempre:
-Por que vocês querem ser psicólogos?
Comparações reais, sala de aula é igual a uma sala de velório, só não vela-se um corpo, mas mastiga-se o silêncio.
Escreveu alguma coisa nas folhas úmidas do caderno companheiro, e sorriu por não saber quem foi o palestrante da aula passada, aliás, essa foi uma das inúmeras vítimas assassinadas pelos olhos que dormiam no sofá da sala de casa, ao invés de estarem abertos lendo o que dizia o quadro branco.
Imaginou a circunferência que viria exposta na prova, na semana que estava por desenrolar, resultado da falta de atenção. Prestou mais atenção na dúvida da professora tentando entender porque os alunos estavam tão confusos, do que na disciplina que merecia as idéias de estudo.
Descruzou as pernas, pensou em ir embora, mas lembrou que deveria assinar a lista de presença. Deu graças a Deus que era presença física, porque mental, com toda a certeza não se fazia presente, desde muito cedo.Sua vontade não passava nem próximo ao portão do futuro, na verdade pensava em ir pra casa, sem cogitar formatura, possíveis pacientes ou clientes, termos dos quais nunca soube decidir o que seriam. Pensou no churrasco do final de semana, chocolates para satisfazer a falta da química que o romance traz, ou, só pra se sentir mais gordinha. Lembrou-se dos muitos trabalhos que deveriam ser feitos e nas provas que deveria estudar, mas essas lembranças ficaram tão pouco tempo que se assemelhavam mais ao gosto de água na boca.
Comentou com a colega ao lado que pegou algumas de suas canetas, mas que devolveria assim que terminasse de escrever o que a mente não conseguia guardar, lembraram rapidamente até da infância colegial e das “canetinhas coloridas”. Tempo bom!
Saiu da sala, sem assinar a “chamada”, andou pelo corredor sem dar tchau a quem ficava, atravessou a rua e voltou para casa. Sem nenhuma culpa por ter assassinado mais uma aula, nenhum peso na consciência por deixar a professora falando sozinha.
Só queria dormir…
– Por que mesmo que ela quer ser psicóloga?