Doze anos sem Amy Winehouse

Ela só queria cantar

Sônia Cecília Rocha – soniacecirocha@gmail.com.

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De volta para a escuridão

“Nós apenas dissemos adeus com palavras.     Eu morri umas cem vezes. Você volta pra ela. E eu volto para… eu volto pra nós. Te amo tanto. Mas isso não é suficiente. E a vida é como um cano.  Eu sou uma moeda insignificante rolando sem rumo lá dentro.” (Amy Winehouse, 2006)

Brigas, traições, inverdades, e o divórcio dos pais, marcaram o início de vida de Amy Winehouse, e este cenário desafiador pode ter afetado severamente o aspecto psicológico da cantora, já que sua família não lhe gerava conforto e nem segurança. Ela sonhava em ser garçonete de patins, mas a voz diferente e única a impelia para algo a mais. Sua influência com a música era grande, pois sua família era quase toda formada de músicos profissionais do jazz. Cantava muito com o pai, o que a tornou uma amante da música. Aos dez anos já tinha uma banda de rock, era irreverente para sua idade, porém era tímida e achava que não teria talento para alcançar público. Aos treze anos ganha sua primeira guitarra. Tudo era só um hobby para Amy. Aos olhos de alguns bem próximos e de uma forma desconcertante, tilintavam cifrões. Ela não percebeu, porque ela só queria cantar.

Começou a se apresentar em pubs, gravou uma fita e a enviou a um produtor, ele viu ali um grande talento, foi o início de seu calvário, ela estourou em todas as paradas musicais, as turnês começaram, os assédios, a vida era louca, precisava de algo que a ajudasse neste intenso burburinho. Teria sido tudo um acaso, ou a predestinação estaria ali presente? Segundo Schopenhauer, o acaso é um poder maligno, no qual se deve confiar o menos possível. Dizem que o acaso não se importa em nada com nossos destinos.

Pouco tempo depois começava ali sua dependência ao álcool e outras substâncias, posteriormente uso de drogas muito pesadas.  Entre enfisema pulmonar, transtornos alimentares, Amy foi se perdendo, apaixonou-se perdidamente, isso também contribuiu e muito para sua derrocada, e nunca um autor esteve tão próximo às verdades de Amy quando diz que “Estar apaixonado é estar mais próximo da insanidade do que da razão.” (Sigmund Freud). E com este amor a insanidade se instalou na vida desta garota, de deusa da música, passou a ser vaiada, não se lembrava das letras das músicas e sua presença já não tinha mais tanto glamour. E ela despretensiosamente só queria cantar.

Pois bem, todos sabem destes percalços e por todos os outros pelos quais Amy passou, a contextualização se fez necessária para que possamos através de um olhar psicológico e de alguma forma tentar percorrer os mundos que nos fazem sucumbir dentro de nossas sombras, dos nossos medos, nos tornando frágeis e sem forças para lutar. O que aconteceu com Amy, onde morava sua fragilidade, o que a fez desistir de viver, o que a fez desistir de um talento tão sublime e raro, o que a fez desistir de si mesma, o que a desassociou, onde morava este fantasma de destruição? A pressão social a esmagou, os deslumbramentos da fama sobrepujaram os cuidados que deveriam ter tido com sua trajetória, as estruturas emocionais foram frágeis? Este é um texto de perguntas, embora saibamos que suas respostas se foram, basta a nós a triste suposição do que teria ocorrido em seu mundo interno.

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Amy perdeu-se, e seu coração também.

Se formos adentrar no conceito de Sombra de Jung, poderíamos supor que pelo lado obscuro da mente de Amy haveria sentimentos que ela reprimia e dos quais ela ao amadurecer não os enfrentou e esta mesma repressão sugere um mergulho nos mais fundos abismos, um lugar onde ela talvez não desse conta de acessar e por isso teria sucumbido na escuridão?  Quem era esta menina na verdade, era um duplo, misto de estrela e de criança ferida? Segundo Stevenson, 2008 o que escondemos nos faz duplos. “escondi meus prazeres e “já estou comprometido com uma profunda duplicidade de vida” (Stevenson, 2008, s.p.) Poderíamos supor que calando o duplo ele poderia ter maior alcance sobre nós, talvez até mesmo pela ordem do ego, tornar-se nosso maior inimigo?

Amy certa vez disse que “não era uma garota tentando ser uma estrela, que era apenas uma garota que cantava”, ou seja, para ela não havia duplicidade, ou ela não a enxergava, seu mundo ainda era só o canto pelo canto. Mas tanto sucesso num tempo recorde a levou a consequências tais, que a garota que apenas queria cantar se viu consumida e enquanto era consumida pelas drogas, Amy vivia lidando com as estranhezas do mundo adulto , construindo ficções, perdendo aos poucos os sentidos que a norteava, a sensibilidade de perceber-se, deixou-se consumir pela perversão dos momentos que a engoliram, dando a ela a figura da decadência, do descaso consigo mesma. Dizem que a arte em si é uma força tão suprema que às vezes destrói as coisas que toca e rompe com quem não é capaz de entendê-la.

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Seus vícios, seu mundo.

Sabemos que por trás do mundo das artes e dos holofotes existe uma grande pressão por performance, a exposição é extrema, não se tem mais vida privada, rotina é um luxo que muitas vezes o dinheiro não pode comprar. A ansiedade e as tensões fazem parte corriqueira deste contexto, o que a longo prazo ocasionam mudanças de comportamento, transtornos. Nestes momentos podem surgir busca de uma válvula de escape que os faça suportar tanta sobrecarga de tensões: Os problemas começaram ali? A pergunta é, as demandas da fama por si só acarretam tantas privações de felicidade, ou as sombras ocultas, as que Amy não resolveu antes ofuscaram seu discernimento para viver o que tanto queria?

A necessidade de fuga de uma vida aflitiva e desgastante podem ser decorrentes de depressões e irrealizações afetivas internas, e são muitas vezes causadoras de quedas vertiginosas em paraísos sem sol. Nas aparições de Amy, podíamos notar pelos seus gestos o encolhimento do seu eu, por fim era um descompasso de “não sei onde estou, não sei o que estou fazendo, nem sentindo, não sei mais quem eu sou”. Seria a causa disso uma incapacidade de resistir ao vício, e isso a tolhia a ponto de limitar seu verdadeiro eu?

Teria sido ela impelida por esta força estranha que move os artistas em direção ao caos, porque essa conduta persistente rumo ao nada? São tantas perguntas sem respostas, e tantos lágrimas sem lenços à mão; talvez, só talvez ela não tenha tido a capacidade de lidar com a sua realidade concreta, buscando refúgio no que lhe parecia seguro, o abster-se de sua consciência, o que podia lhe trazer certo alívio para as disfuncionalidades e o caos que se tornou seu mundo.

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Ela só queria cantar.

Nunca saberemos o que Amy pensava, sentia ou temia, ela não está aqui para nos contar, ela se foi junto às suas verdades ocultas, junto às suas sombras. Segundo Jung sobre a sombra, “quanto mais escondida ela está da vida consciente do indivíduo, mais escura e densa ela se tornará. De qualquer forma, é um dos nossos piores obstáculos, já que frustra as nossas ações bem intencionadas.” (Carl Jung). No documentário da vida da cantora, percebe-se o quanto ela foi engolida, arrastada, para onde visivelmente ela não queria estar, era notório o desconforto de Amy nos palcos, embora ela fosse uma estrela de grandeza suprema, notava-se em seu olhar o vazio de quem precisa de algo mais, de algo que não lhe deram, ou que ela própria se negou.

Diziam de Amy que sua carência afetiva era muito grande, e isso transparece em suas músicas, em sua voz, em seus vícios. Sua dor infantil cresceu junto a ela e não mais soltou suas mãos, nem tão pouco sua alma que incessantemente buscou abrigo, sem jamais encontra-lo. Seu pai e seu marido foram figuras bastante pernósticas, colocando várias pás de cal nos buracos do mundo de Amy, ela foi usada por eles, pela voracidade dos fãs e por sua total falta de ânimo para lutar contra os demônios deles e os seus próprios. E assim se foi Amy, em meio aos flashs, sucesso, aplausos, ganância, ela se foi de um mundo que não a compreendia, num mundo onde ela não cabia. A realidade crua e nua se tornou insuportável ou até mesmo intolerável, até que ela criou um mundo só dela, desejando ardentemente que este novo mundo se tornasse um refúgio para seus pesares?

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Calou-se a voz…

Calou-se a voz. Calou-se a voz, calou-se o canto, deixando-nos órfãos da beleza de seus acordes, da sinceridade de suas letras, do sofrer sem entender, do pesar de não poder ajudar. Não deu tempo de trabalhar suas sombras, eram muitas e elas venceram, estavam nela, estavam nos seus pares, elas a invadiram, a engoliram. Seus demônios eram ferozes demais para sua parca luta, ela não soube, ela não pôde, ela calou-se. Junto a ela calamos todos e ficou aquele vazio de tudo um pouco, ficou a mudez de quem pouco entende dos que sofrem do mal de não saber dar limite ao outro, de não saber dizer não, ela foi um pouco mais, um pouco mais, se esticou demais, se partiu, se fragmentou, se dissolveu. E ela só queria, cantar. Fica em nós o dever de buscar o que cala o outro, que fio tênue é este que devora a vida, como resgata-lo, como fazer as perguntas certas nas horas incertas, como ouvir o silêncio de um grito?

Referências

BARROS, Karin. 2015. Documentário sobre a vida de Amy Winehouse tem última exibição em Florianópolis nesta terça. Disponível em: https://ndmais.com.br/cinema/documentario-sobre-a-vida-de-amy-winehouse-tem-ultima-exibicao-em-florianopolis-nesta-terca/. Acesso em 06/03/2023

Quem é Amy Winehouse? Disponível em:https://www.mensagenscomamor.com/mensagem/111551. Acesso em 22/02/2023

RAMOS, F. Karin. 2014. O CONCEITO DE SOMBRA E O AVESSO DA REALIDADE: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E LITERARIA DE SUAS REPRESENTATIVIDADES. Disponível em: https://anais.unicentro.br/proic/pdf/xixv2n1/255.pdf. Acesso em 22/02/2023.

ROZA, Thais. 2015. Freud Explica. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/4501572. Acesso em 07/03/2023

SABATER, Valéria. 2022. Arquétipo da sombra: o lado escuro da nossa psique. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/arquetipo-da-sombra/. Acesso em 22/02/2023

Tradução Back to black de Amy Winehouse. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/amy-winehouse/back-to-black-traducao.html. Acesso em 06/03/2023

TRINDADE, Rafael. 2023. Schopenhauer – Nossa conduta para com o destino do mundo. Dsponível em: https://razaoinadequada.com/2020/03/15/schopenhauer-nossa-conduta-para-com-o-destino-do-mundo/. Acesso em 06/03/2023.