O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson, é um filme que, apesar da sua estética e representação lúdica em stop motion, carrega consigo uma reflexão urgente sobre identidade, desejo, responsabilidade e os limites da domesticação.
O Sr. Raposo começa o filme como um animal domesticado, vivendo uma vida segura, previsível e monótona. Quando mais jovem, ao descobrir a gravidez de sua esposa, ele abdicou da adrenalina da caça por uma carreira de pouco prestígio como colunista de jornal, uma metáfora clara para a renúncia à sua essência. Mas essa vida pacata o deixava sufocado. O tédio que esgueirava soturno no dia a dia se torna indutor para sua regressão às práticas selvagens de animal. Como ele mesmo justifica: “Sou selvagem por natureza, roubando aves não por necessidade, mas por impulso existencial.
Essa frase é o coração do filme. Ela ecoa nas vozes dos nossos filósofos contratualistas que, embora se expliquem de maneiras divergentes, todos concordam com um fato: trocamos a liberdade pela civilidade. O Sr Raposo vive uma crise de identidade e moralidade, ele quer ser civilizado, é altamente instruído e performa cordialidade na maior parte do tempo, mas não deseja mais lutar contra aquilo em si que considera inato. A monotonia da vida burguesa o leva a buscar sentido na transgressão.
Porém, o retorno à vida de furtos não é apenas um ato de rebeldia, mas também um gesto profundamente narcisista. O Sr. Raposo quer ser admirado, reverenciado, e dar jus ao “fantástico” em seu nome. Por muito tempo, isso foi real, como um grande atleta e um perspicaz caçador de aves. Logo, ele planeja os roubos como se fossem grandes espetáculos, e sua necessidade de ser o protagonista do próprio roteiro o torna inconsequente. Ele ignora os riscos, subestima os inimigos e, acima de tudo, compromete a segurança da sua família e de toda a comunidade animal.

A todo momento, porém, a Sra. Raposa representa o polo oposto, do sacrifício, do cuidado, da estabilidade. Ela é a voz da razão que tenta conter o impulso destrutivo do marido, mas infelizmente falha. A fala da Sra. Raposa: “Eu te amo, mas nunca deveria ter me casado com você”, além de devastadora, revela a fratura emocional e de confiança que se abre entre os dois. Ela ama o Sr. Raposo, mas reconhece que o tempo não foi o suficiente para mudá-lo. Essa frase carrega uma resignação amarga: o amor por si só não é capaz de transformar alguém que está em guerra com a própria natureza.
A filosofia existencialista de Camus descreve que, fatalmente, uma pessoa que deseja criar sentido para sua vida pode tentar através de atos que desafiam a moral e a lógica. O personagem não aceita o absurdo da existência pacata, que pode ser interpretado também como uma alegoria à crise de meia-idade. Um raposo adulto com uma família já formada poderia facilmente começar a se perguntar “É só isso?” e então se lançar em aventuras que o colocam em confronto com o mundo humano e com sua própria comunidade, confundindo a autenticidade de um raposo com a imprudência e a soberba.

Por fim, pode-se concluir que O Fantástico Sr. Raposo é uma fábula sobre os limites da domesticação, sobre o conflito entre o que somos e o que gostaríamos de ser. O Sr. Raposo nos representa como pessoas divididas entre o desejo de sermos admirados e a necessidade de protegermos a quem amamos. A jornada dele é, ao mesmo tempo, uma celebração da liberdade e um alerta sobre os perigos da vaidade que todos nós possuímos sob a pele humana.
Ficha Técnica Resumida:
- Título Original: Fantastic Mr. Fox
- Direção: Wes Anderson
- Gênero: Animação, Aventura, Comédia, Família
- Ano: 2009
- País: EUA / Reino Unido
- Duração: 87 minutos
- Baseado no Livro de: Roald Dahl
