“A doença passa a ser uma experiência de inovação positiva do ser vivo e não apenas um fato diminutivo ou multiplicativo. O conteúdo do estado patológico não pode ser deduzido – exceto pela diferença de formato – do conteúdo da saúde: a doença não é uma variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida.”(Canguilhem, [1966] 1982: 149) – O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Bordados – Arthur Bispo do Rosário
A definição de normalidade é a do comportamento que se encaixa no padrão, no comum, no usual. O diferente e o exôtico costumam ser relagados ao campo da loucura. Apresentados sempre como oposições a normalidade e a locura são categorias que inventamos para dividir o comportamento humano. A tendência em dividir as pessoas em lugares normais e lugares loucos criou ao longo do tempo o estigma de que a loucura é a condição do exilado, do pária, do doente.
Entretanto, conceituar o louco como o diferente, o não-usual, o aproxima de outra figura: o artista. Dentro da percepção do artista, os temas da normalidade são revistos, refeitos e a linha divisória entre loucura e normalidade é apagada. Fora de uma divisão excludente, a loucura e a arte tornam-se coisa única. Como na história de Arthur Bispo do Rosário, o paciente 01662.
Arthur Bispo do Rosário perambulou entre a realidade e o delírio, aos 29 anos acompanhado de um exercíto de anjos vagou pelas ruas do Rio de Janeiro de 1938. Era dezembro, dia 24, enquanto comemorava-se o nascimento de Cristo, ele vestia seu manto e fazia ao mundo sua “anunciação”, ele veio para representar o mundo.
Arthur Bispo do Rosário e sua obra
Levado ao Hospital dos Alienados, na Praia Vermelha, recebeu um diagnóstico e uma ficha: negro, sem documentos, indigente. De lá seguiu para a Colônia Juliano Moreira, onde viveria por 50 anos. Lá se tornaria o paciente 01662, O diagnóstico: esquizofrenia paranóide.
Nasceu em Sergipe, na cidade de Jarapatuba, Aos 16 anos, foi inscrito pelo pai na Escola de Aprendizes de Marinheiros de Sergipe e embarcou num navio como ajudante-geral. Ficou na instituição até 1933, viajando pelo País e colecionando advertências por comportamentos inadequados. Mas também se tornou um bom boxeador. Foi campeão sul-americano na categoria peso-leve.
Após ser expulso da coorporação, fez diversos bicos na cidade carioca, até se tornar lavador de bondes. Sofreu um acidente durante o trabalho e ao levar o caso à justiça conheceu o advogado Humberto Leone, ele se sensibilizou com o caso de Bispo e o empregou em sua própria casa como ajudante de serviços gerais. Bispo do Rosário morava em um quartinho na casa do advogado até o dia em que as vozes vieram.
Movido por essas vozes Bispo disse que era um enviado do Todo-Poderoso, responsável por julgar os vivos e os mortos. Ele tinha uma missão, “Vozes me dizem para me trancar em um quarto e começar a reconstruir o mundo”, dizia ele.
Foi o que fez durante o tempo em que passou internado. Na época o tratamento destinado aos pacientes psiquiátricos incluia choques elétricos, medicação sedativa muito forte e até mesmo lobotomia. Trancado por um período de anos, ele produziu o que mais tarde viria a ser chamado de “Primeira experiência legitimamente brasileira da Pop Art”.
A Roda – Arthur Bispo do Rosário
Ele nunca havia ouvido falar de Andy Warhol ou ainda Marcel Duchamp, a quem comparariam sua obra, e negava o rótulo de artista, creditava tudo à sua missão. Arthur Bispo do Rosário produziu mais de 800 obras, incluindo a mais famosa o “Manto da Apresentação”. Eram colagens, estandartes, tapeçarias, pinturas e bordados, tudo produzido a partir de materiais descartados, trazidos pelos companheiros de manicômio ou recolhidos por ele mesmo.
Manto de Apresentação – Arthur Bispo do Rosário
Arthur Bispo do Rosário fazia arte do que a sociedade descartava, não só falando dos materiais que usava, mas sim da própria condição em que vivia e executava seu trabalho. “Os doentes mentais nunca pousam, ficam sempre a dois metros do chão” era o que falava sobre a própria condição e a de seus companheiros.
Para entrar em seu Ateliê, o interessado deveria responder à pergunta “Que cor tem o meu semblante?”, quem não via cores em Bispo não poderia entrar. Ele reconstruiu o mundo em suas obras. Sua memória, sua estética e sua loucura ficaram estampadas nas peças que enfeitaram a Colônia Juliano Moreira.
Como o próprio Bispo dizia ele não era um artista, ele era alguém com uma missão. “Eu vou reconstruir o mundo e depois vou subir”. Ele morreu em 5 de junho de 1989, se sentiu mal e foi atendido no setor médico. Estava muito magro pelos jejuns que fazia durante os longos períodos em que produzia. Morreria horas depois, vítima de enfarto, aos 80 anos.
Este ano a obra de Arthur Bispo do Rosário estará exposta na 30ª edição da Bienal Internacional de Artes em São Paulo.
21 Veleiros – Arthur Bispo do Rosário
Para saber mais sobre a vida de Arthur Bispo do Rosário: