Ele não era como os demais; ainda criança notou que era diferente. Seus pais cuidavam com zelo de sua criação, porém seu verdadeiro pai não era daqui. Cedo estava ciente de que algo diferente o esperava, porém somente mais tarde trocou poucas palavras com seu verdadeiro pai, de forma não muito convencional. Sabia que tinha grandes responsabilidades e o fato de ser filho de quem era só aumentava a sua certeza de que devia cuidar daqueles que eram fracos e oprimidos na luta contra as violências e as injustiças. Ainda que soasse absurdo, entendia que essa preocupação lhe traria mais incompreensões do que apoios e que quem estivesse ao seu lado seria alvo de perseguições. Melhor seria permanecer incógnito, se isso lhe fosse possível. Tudo era fácil para ele e, também por isso, tudo seria difícil para ele.
Poderia ser comparado a Hércules, o herói grego popularizado pelos seus doze trabalhos. Filho de Zeus, o mais poderosos dos deuses, vivia na Terra como mortal, tendo sido criado por pais adotivos. Realizou inúmeras façanhas que o destacavam dos mortais comuns. Enquanto sofria sua morte, foi arrebatado por Zeus e levado ao Olimpo, o lar dos deuses, onde alcançou a imortalidade.
Como Moisés, foi deixado em uma “cesta” (guardadas as devidas proporções, é claro), para escapar da morte certa e, com uma pequena ajuda ao destino, ser encontrado por novos pais que cuidariam de sua educação e crescimento.
Por fim, teve sua história cristianizada no decorrer dos anos, sendo sucessivas vezes apresentado de braços abertos, em dúvidas existenciais a respeito de assumir ou não sua responsabilidade perante os pobres mortais, e até mesmo a sua idade ao começar suas ações (a idade de trinta e três anos significa alguma coisa para você?); até um momento Pietá já apareceu em um de seus quadrinhos.
Quem o conhece de priscas eras sabe que suas histórias podem ser vistas como algo simplesmente lúdico, sem implicações político-religiosas-sociais-econômicas, e nesse contexto podemos simplesmente nos divertir, rir de sua cueca por cima das calças, implicar com o poder dos óculos e do penteado que o tornam irreconhecível e ajudam-no a manter sua identidade secreta.
Sem contar as infindáveis versões para TV e cinema, além dos quadrinhos e as mirabolantes invenções para aumentar as vendas. Superboy, supergirl e, céus, supercão que o digam.
Mas também podemos vê-lo como um personagem que foi criado em 1938, em um período especialmente conturbado (estaríamos falando do início da Segunda Guerra Mundial?). Poderíamos ver no seu uniforme as cores da bandeira americana, algo que foi até discreto ao comparar com as estrelinhas da calçola da Mulher Maravilha e o escudo, além do próprio nome, do Capitão América.
Podemos ver sua conotação messiânica como algo possivelmente oriundo dos seus criadores judeus, Joe Shuster e Jerry Siegel. Poderíamos até ver sua luta contra o capital nas tentativas do empresário Luthor de vencer nosso herói. Enfim, podemos ver o quanto desejarmos ver ao acompanhar as histórias de um herói septuagenário, mas que consegue se manter interessante para as novas gerações.
E, claro, o super-homem de Nietzsche necessita de um outro momento só para ele.
A propósito,
– sobre o conflito entre história e estória, e porque optei pela primeira, recomendo a leitura de “História x estória, um conflito histórico”, em http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/historia-x-estoria-um-conflito-historico/
– sobre o conflito entre O personagem e A personagem, e porque escolhi usar a palavra como comum-de-dois, indico “A personagem ou o personagem”, em http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/2412953
– sobre o novo filme do Superman – “O Homem de Aço” – acessem na seção Em Cartaz – http://ulbra-to.br/encena/2013/07/02/O-Homem-de-Aco-a-face-obscura-do-Superman