A sexualidade e os estereótipos estabelecidos na velhice

O medo de envelhecer e de se relacionar é decorrente da quantidade de mitos que foram impostos ao longo dos séculos

O envelhecimento é um evento natural e, segundo Duarte (2008), “[…] é universal, por ser natural, não depende da vontade do indivíduo, todo ser nasce, se desenvolve, cresce, envelhece e morre. É irreversível, apesar de todo o avanço da medicina […]”, de modo que é carregado de mudanças biológicas, psicológicas e sociais, ainda que os estereótipos nessa fase permeiam um imaginário social, no qual o corpo novo, branco, sadio e com uma sexualidade voltada exclusivamente para o aparelho genital, assumem uma prepotência no que diz respeito a sexualidade na velhice. Logo,  a sexualidade é um termo abrangente e se mantém em um processo contínuo, apesar de cada indivíduo possuir um modo de coletar informações e assimilá-las de acordo com a sua história.

Ao longo da vida, o corpo passa por uma série de transformações, chegando na fase de senescência com paradigmas formados, de maneira que os conteúdos e pensamentos já adquiridos, em alguns casos, se encontram fechados e com difícil acesso em decorrência das dificuldades estabelecidas durante tal formação, acarretando a complexidade em falar sobre o assunto.

É difícil imaginar algum familiar praticando o ato sexual como, por exemplo, os avós; de certa forma se torna algo constrangedor, e este tipo de fator se atrela aos fantasmas existentes na sociedade, pois o desejo de se expressar, e o pertencimento corporal se tornam ponderações, e a vergonha, o medo de sentir desejo já nesta fase da velhice, reflete nos preconceitos socioculturais.

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Bosi (2001) retrata muito bem esse fator, ele afirma que cada sociedade vive de forma diferente e que “a sociedade industrial é maléfica para a velhice […]”,  uma vez que a sociedade não aceita o idoso pela dificuldade corporal de produção. Para uma maior análise se faz relevante enfatizar como esse processo sociocultural foi determinado, e como tais representações culminam na gerontofobia. Na Idade Média, a sexualidade feminina segundo a Igreja era considerada um ato divergente para o meio social, pois a mulher teria que se manter virgem e pura até o casamento e após este, eram influenciadas a não sentir prazer, sendo sua utilidade somente a de procriação, criação dos filhos e manutenção do lar.

Dalarun (1993) afirma que “o prazer é antes e mais, o prazer do homem”, e nesse contexto de domínio patriarcal, cabendo aos homens ser o provedor e protetor do lar, direitos lhe eram garantidos, como a liberdade de garantir seu prazer com outras mulheres fora do casamento.

Embora estejamos na sociedade contemporânea, muitos dos valores impostos naquela época, se perpetuam até hoje, principalmente os que se referem à sexualidade de um casal, ainda mais se estes forem idosos. Tabus que se desenvolveram e se transformaram em estereótipos, insistem no padrão jovem sexual, e ao idoso atribui a vulnerabilidade corporal e mental.

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Partindo desse pressuposto, Martins e Rodrigues (2004) enfatizam que “no caso dos idosos a valorização dos estereótipos, projeta sobre a velhice uma representação social gerontofóbica, contribuindo para uma imagem que eles têm de si próprio”, ou seja, o medo de envelhecer e de se relacionar é decorrente da quantidade de mitos que foram impostos ao longo dos séculos.

A sexualidade do homem nesta fase da senescência torna-se um pouco mais complexa que a da mulher em detrimento de questões culturais, como citado nos parágrafos anteriores. De acordo com Nascimento (2019), a ereção e a sustentação do pênis são características e autorreferência dos homens, no entanto ao perceberem a dificuldade em se desenvolver sexualmente e a debilidade em se manter erétil acaba gerando sentimentos de angústia e medo; vale ressaltar que para chegar a tal esfera não irá depender somente da idade, como também da genética e fisiologia do indivíduo. Ainda que na sexualidade masculina haja essa complexidade, as mulheres também passam por impasses que de certo modo tem um impacto significativo em suas vidas. Autoestima baixa, mudanças hormonais, são alguma delas, e assim como no homem são capazes de gerar angústia e sofrimento.

E para que haja um maior entendimento sobre temas que estão relacionados à velhice, se faz necessário que estes idosos tenham acesso a essas discussões, e assim consigam integrar a mente e o corpo auxiliando no sistema de automonitoramento e até mesmo de prevenção. É entender que a estimulação sexual pode ser alterada naturalmente, é ter um conhecimento sobre o próprio corpo no que se refere à sexualidade de forma ampla.

Tais compreensões se tornam formas de suavizar atos afetivos com o companheiro (a), de maneira que o desejo seja expresso em sua totalidade e a comunicação sobre a sexualidade não seja apenas um tabu dentro da relação. Ainda que haja um medo de se relacionar sexualmente com outra pessoa nesta etapa da vida, a ampliação dos avanços tecnológicos e a busca por medicações que diminuem a impotência e consequentemente aumentam a libido, vêm trazendo uma série de riscos e um aumento significativo de doenças. Como dizem Dornelas Neto et al. (2015) […] “a ocorrência de práticas sexuais inseguras contribui para que essa população se torne mais vulnerável às infecções pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST)”.

Segundo os autores, o Brasil desenvolveu estratégias voltadas para este público, porém campanhas preventivas e estudos mais aprofundados não são repassados da maneira que deveriam. Dessa forma, o baixo nível de informações passadas a essas pessoas, ações preventivas do uso e da importância de preservativos, pode contribuir para um aumento ainda maior de casos tornando-se uma questão de saúde pública.

Assim como são feitos exames de rotina, a busca por um profissional que possua uma escuta científica permitirá relacionamentos sociais e sexuais saudáveis, independente de ser ou não acompanhada de um conjugue, visto que em alguns casos o indivíduo é viúvo, mas que ainda sim sente a necessidade de prolongar o desejo sexual com outros parceiros.

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É importante destacar que nem todo ser tem o desejo sexual como a maior parte da população, estas pessoas se denominam como assexuadas. Uma das explicações se pauta em traumas e desequilíbrios de cunho hormonal. Rocha (2018) enfatiza que a […] “assexualidade não é uma escolha. Além disso, essas pessoas também podem se apaixonar normalmente, tendo como diferença das relações tradicionais apenas o fato de não sentir atração sexual.”, no entanto estas demonstram sentimentos através do afeto, do toque, do beijo etc., e elas se sentem bem assim.

A sexualidade se encontra presente ao longo da vida, e os idosos não devem se privar e atrelarem o fato as questões biológicas e sociais, tornando-se gerontofóbicos, com medo dessas relações. No entanto deve-se considerar a história de vida desses indivíduos e o modo que a sexualidade venha interferir, se de forma positiva ou negativa. Podendo acreditar na mudança e trabalhar os medos e os processos que o constituem com um profissional adequado, ou até mesmo dentro do grupo que estão inseridos, desmistificando o poder midiático socialmente exposto diariamente de que na velhice não há a prática sexual ,quebrando deste modo os tabus transgeracionais.

REFERÊNCIAS:

BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

DALARUN, Jacques. Olhares de clérigos. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle (dir). História das mulheres no ocidente: a média. Porto: Afrontamento, 1993, 2v.

DORNELAS NETO, Jader et al. Doenças sexualmente transmissíveis em idosos: uma revisão sistemática. Ciência & Saúde Coletiva, [s.l.], v. 20, n. 12, p.3853-3864, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152012.17602014.

DUARTE, L. T. Envelhecimento: processo biopsicossocial. Trabalho de Conclusão para o Curso Virtual “Educación para el Envejecimento”. 2008. Disponível em: http://www.psiconet.com/tiempo/monografias/b rasil.htm. Acesso em 04/06/2019.

MARTINS, Rosa Maria Lopes, RODRIGUES, Maria de Lurdes Martins. Estereótipos sobre idosos: uma representação social gerontofóbica. Ed. Instituto Politécnico de Viseu, 2004.

NASCIMENTO, Antonio Carlos do. O Envelhecimento e a sexualidade masculina. 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/o-envelhecimento-e-a-sexualidade-masculina/ Acessado em 10/06/2019.

ROCHA, Giovani. Você sabe o que é uma pessoa assexuada? 2018. Disponível em: <https://www.altoastral.com.br/voce-sabe-pessoa-assexuada/>. Acesso em: 10 jun. 2019.