O capítulo “As Origens da Família Moderna”, do livro de Jonas Melman, “Família e Doença Mental – repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares”, discorre sobre o processo histórico que resultou na constituição da família moderna da forma como se configura nos dias atuais. A obra aborda a temática das transformações sociais ocorridas desde o final da Idade Média até a atualidade e aponta como esses acontecimentos sociais influenciaram e condicionaram as mudanças ocorridas na estrutura da organização familiar ao longo dos séculos.
Busca compreender como as mudanças na estrutura da sociedade influenciam na estrutura e dinâmica do grupo familiar, detendo-se em aspectos como criação dos filhos, afetividade, ambiente familiar, separação entre vida profissional, vida privada e vida social, educação escolar, dentre outros.
De acordo com o autor, a estrutura familiar, centrada na afeição e na intensificação das relações entre pais e filhos é uma invenção recente na história do homem ocidental (MELMAN, 2001, p. 39). Ele toma como exemplo a sociedade medieval, que não dispunha de condições propícias para construir essa noção de privacidade e intimidade que temos hoje, por conta da forma como os indivíduos se relacionavam com o espaço familiar.
Além de conviverem pessoas alheias ao núcleo familiar, como servidores e criados, a família se agrupava em grandes casas onde se reuniam amigos, religiosos, clientes e visitantes. E essa condição não dependia de classe econômica. Enquanto nos grandes casarões conviviam dezenas de pessoas, nas casas das pessoas mais pobres, pequenas e menos habitadas, a situação era a mesma, não havia espaço para o isolamento em ambientes privados.
Outro aspecto importante diz respeito à educação da criança. A transmissão de saberes e valores não era responsabilidade da família. Geralmente ao completar sete anos de idade, esta ia residir com outra família que ficava responsável pela sua socialização, onde tinham obrigações, realizavam trabalhos domésticos e eram tratados como aprendizes.
Dessa forma, desde muito cedo a criança se tornava independente da própria família, embora muitas vezes a ela retornasse. Nessas condições, não se alimentava um sentimento profundo entre pais e filhos, ao contrário, a família representava mais uma responsabilidade moral e social, destinada à transmissão dos bens e do nome.
O estudo mostra como se deu essa passagem da família medieval para a família moderna, construindo-se um novo modelo de família em que a escola passa a ser o principal meio de iniciação social da criança, desde a infância até a fase adulta. Gradativamente, com o aumento do número de instituições de ensino, a partir do século 18, a escola vai se estendendo aos diversos setores da sociedade. Ao mesmo tempo, impõe sua autoridade moral e passa a adotar um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso.
Esse movimento vem acompanhado de modificações também no ambiente familiar, que vai perdendo seu aspecto de espaço aberto à visitação pública e passa ter uma fisionomia de espaço privado, reservado à segurança, intimidade e privacidade dos seus membros. A partir do final do século 19, a configuração da família vai se modificando, sendo raras as famílias mais abastadas que viviam como as famílias medievais, afastando as crianças da casa dos pais como processo de formação.
Após estudarmos um pouco mais sobre a história das origens da família, nos questionamos a forma como vivem hoje as famílias modernas, em que há um excesso de proteção por parte dos pais e até que ponto essa forma de educação contribui para a ampliação de experiências, para o alcance da autonomia da criança/jovem e sua preparação para a vida.
Temos observado com frequência, famílias em que os filhos entre 25 e 34 anos têm adiado a saída da casa dos pais, uma tendência em ascensão no Brasil. Atualmente, apenas um de cada cinco jovens nessa faixa etária já conquistou sua independência e autonomia. Há pouco mais de 10 anos, a proporção era maior, quando um de cada quatro jovens entre 25 e 34 anos eram independentes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda destaca que a maioria dos jovens da Geração Canguru é composta por homens (60,2%).
Ou seja, o que era um processo natural há alguns anos – buscar a independência pessoal, seguir o próprio caminho – vem mudando gradualmente e dando origem a uma nova perspectiva. A lógica de caminhar com as próprias pernas tem ficado para trás, e vem dando espaço à chamada “Geração Canguru”.
Muitos fatores podem estar por trás do crescimento desse fenômeno no Brasil, que já foi registrado em outros países. O primeiro é financeiro. O aumento do custo de vida, principalmente nas grandes cidades, faz com que os jovens acabem morando por mais tempo na casa dos pais.
O segundo motivo que pode incentivar o crescimento da Geração Canguru é o receio de colocar em risco questões emocionais importantes, como a autoestima e a autoconfiança. Ou seja, possivelmente pela falta de oportunidades propiciadas ao longo da vida, o jovem/adulto não se sente preparado para enfrentar uma vida independente sem a proteção dos pais.
Daí a importância de questionar até onde é válida a educação nos moldes da família contemporânea, pois alimentar essa relação de dependência pode prejudicar não somente o amadurecimento dos jovens, mas ser prejudicial para toda família.
Referência
MELMAN, J. As origens da família moderna. In: Família e Doença Mental, repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2001. p. 39-54.