Byt: uma perspectiva dos limites internos do sujeito

Jan Švankmajer é um realizador cinematográfico, nascido em 1934 na capital da então Checoslováquia, Praga. Em suas obras é marcante o uso de recursos e técnicas em prol do surrealismo e linguagens metafóricas. Cenários, atuações, expressões estéticas, todos convergem para a linha criativa do realizador tcheco, pautada na fuga de quaisquer fundações realísticas. Diretores como, Charlie Kaufman, Tim Burton, Adam Jones e Irmãos Quay possuem influências de Švankmajer em suas obras, e tal representatividade vêm recebendo reconhecimento nos últimos anos, por meio de premiações, participação em eventos sobre a sétima arte e presença em diferentes compilações cinematográficas.

Os curtas-metragens Dimensões do Diálogo (Možnosti dialogu de 1982), Comida (Jídlo, de 1992) e Jabberwocky (Žvahlav aneb šatičky slaměného Huberta, de 1971) também de Švankmajer alçaram maior alcance de público ao longo dos últimos anos. E é na produção dos pequenos filmes que o diretor possui maior extensão em sua carreira, constituída também por longas-metragens e outros pequenos trabalhos.

Em Byt observamos um breve e denso estudo a respeito da escala mínima, na relação entre a habitação externa e os limites internos do sujeito, no curta interpretado por Ivan Kraus. A espacialidade e corporeidade do quarto, e do próprio protagonista do conto cênico, fornecem o substrato narrativo à estória. Se em La Jetée (1962) Chris Maker fez da duração do instante um compilado para demonstrar a infinitude da temporalidade finita da existência, em Byt é a extensão – pelos objetos e paredes do apartamento e nas expressões e movimentos corporais de seu residente – que toma frente em uma figura anti-flâneur. Há, inclusive, paralelos desta obra com as mais recentes Le cyclope de la mer de 2008 e A casa em cubinhos (Tsumiki no ie) também de 2008, com a diferença do tom mais leve e menos introspectivo nestes últimos.

Turno à Janela do Apartamento

Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração da noite.
Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação
de um mundo enorme e parado.
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder:
na escuridão absoluta,
como líquido, circula.
Suicídio, riqueza ciência…
A alma severa se interroga
e logo se cala. E não sabe
se é noite, mar ou distância.
Triste farol da ilha rosa.

(Carlos Drummond de Andrade)

Esta temática, referente à escala mínima, do corpo, casa, apartamento ou pensamentos, de igual modo, é encontrada na literatura nos denominados fluxos de consciência em obras como Notas do Subterrâneo (1864) de Dostoievski, O Retrato (1835) de Gogol e, especialmente, Metamorfose (1915) de Kafka e Mrs. Dalloway (1925) de Virginia Woolf possuem paralelos com a apresentação fílmica de Jan Švankmajer, em elementos como o quarto, o retrato e os objetos inanimados circundantes à existência em foco pelos limites do restrito habitat.

Desespero, melancolia, agonia, angústia, ironia, ansiedade, doses de esquizofrenia e medo transbordam nas cenas de Byt, além de uma acidez sarcástica sobre a situação na qual se encontra o protagonista. Em conjunto com a trilha sonora, ora aventuresca ora estridente nos agudos, imergimos junto com o personagem de Kraus, que oferece atuação que varia entre a loucura a momentos íntimos de suspeição de sua realidade proximal, frente ao seu aprisionamento e claustrofobia no apartamento que dá título à obra.

Os planos fechados e de meia distância também nos aproximam do que parecem ser intermináveis horas de confinamento. Nestes momentos as ações de Kraus expressam com cinzenta comicidade a mescla de sensações no que parece ser uma valsa de paredes, portas, pregos e demais detalhes de quarto contra à sua presença naquele ambiente. A limitação física da representação minuscular ganha força pela atuação e situações cotidianas do protagonista, num primeiro momento apenas vivenciando sua condição, passando pelo questionamento para posteriormente entregar-se ao surrealismo da obra, deixando ao espectador a barreira entre o real e irreal vivido pelo habitante do cubículo observado por nós.

A tragicomédia da vida quadrática de Byt traz consigo a oferta de uma reflexão pendular. À esteira da restrição do e no espaço, seja do quarto\apartamento seja do próprio corpo, é a imensidão em pulsão e desmesura dos pensamentos e emoções que podemos realmente nos aprisionar, catapultando-nos em imaginários de fuga ou espessos fossos de inebriante agonia e angústia. A condição de pena perpétua pela liberdade do pensar parece ser tanto a dádiva quanto fardo da existência humana, e Byt, com efemeridade e crueza, nos apresenta tal vislumbre.

FICHA TÉCNICA DO FILME

BYT (THE FLAT)

Diretor: Jan Švankmajer
Elenco:
Ivan Kraus, Juraj Herz;
Gênero:
Comédia
País: Checoslováquia
Ano:
1968