Crises geracionais em Logan

Concorre com 01 indicação ao OSCAR:

Melhor roteiro adaptado

Estamos em 2029. Por que ainda estamos falando de mutantes? – responde uma voz no rádio para um entrevistado que afirma que a humanidade está dormindo. Esse é o ano e o cenário onde se passa o drama dos últimos dias de Logan.

Mais que um filme comum de herói cheio de efeitos, ação, explosões e aventuras; a adaptação de Logan para as telas traz uma violência mais crua, e nossos velhos e conhecidos heróis numa roupagem mais humanizada, com falhas morais, vícios, cansaço físico e psíquico, afetados por doenças, que sucumbem ao mesmo processo de envelhecimento de qualquer mortal.

A decisão acertada de não competir com “o exército de filmes inspirados em quadrinhos”, segundo o diretor James Mangold, levou o filme de ação para um outro patamar. O foco da história de Logan está muito mais nas emoções dos personagens do que na ação em si e isso fez toda a diferença.

Logan emociona por trazer a história de três gerações, por confrontar toda a vitalidade da juventude com o fim iminente dos idosos, onde tudo o que tinham lhes é tirado. Nessa história o velho “cavaleiro solitário”, que sempre fugiu da família mutante reunida por Xavier é exatamente o único que sobra para cuidar do velho nonagenário que já não controla mais seus poderes e, devido a uma doença degenerativa, tem convulsões e precisa tomar remédios que paralisam sua mente e suas ações.

“Você quer me castrar quimicamente” – acusa o debilitado Xavier a Logan enquanto este o obriga a tomar seus remédios. Como qualquer idoso Xavier sente suas perdas: o isolamento, o subaproveitamento, ou pior, a castração, de sua habilidades. Sua nova realidade se impõe de forma difícil, pois perde totalmente sua vida. E de uma posição de líder, passa a depender totalmente de um dos mutantes que nunca se sujeitou a viver sob sua liderança. Além disso, vê todo o seu poder inabilitado pelos remédio. Altman (2011, apud Bianchi, 1993), explica que o trabalho de aceitação da realidade da velhice “pode dar lugar a um sentimento de castração do sujeito em seu próprio ser, porque não é o outro que se vai perder, mas a si mesmo”.

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O drama de Xavier respinga sobre Logan que é acusado de castrá-lo, e de ser a maior decepção de sua vida. A raiva e hostilidade vem da imposição da realidade que fere seu narcisismo e destrói suas fantasias de onipotência. Logan por sua vez, protege Xavier de informações que possam lhe trazer memórias aterradoras e cuida dele como um filho cuida de um pai. Um filho cansado é certo, e que também vive o luto de seu estilo de vida. Logan, desde que se tornou Wolverine, sempre fugiu da estrutura familiar a qual de repente lhe é imposta pela realidade.

Por não ter controle total de seus impulsos e instintos fere a si mesmo, tanto na realidade quanto simbolicamente, visto que suas garras o machucam sempre que a raiva o domina e, por essa mesma ausência de controle, acha melhor abster-se de relacionamentos para evitar ferir a outros emocionalmente.

O que Logan procura na verdade é proteger-se da perda e evitar a dor, e isso revela muito de uma personalidade pouco amadurecida, regida pelo princípio do prazer que busca sempre evitar a frustração. Entretanto, há o princípio da realidade, que se opõe diretamente a isto e confronta Logan, já envelhecendo com o fato de ser filho com responsabilidades de cuidar do pai, e também pai com responsabilidade de cuidar de uma criança. Sem qualquer possibilidade de abster-se de qualquer dos papéis, visto que não há mais ninguém que possa executar suas funções de filho ou de pai, Logan resiste e sofre, mas cede à realidade.

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Laura, a filha desconhecida de Wolverine traz ainda outra discussão à tona. Uma criança sem pai ou mãe, criada em laboratório a partir do código genético de um homem e uma barriga de aluguel que lhe possibilitou o desenvolvimento, é basicamente um clone de Logan.

Criada para ser uma arma de guerra sem vontade própria, ela encontra nas funcionárias do laboratório uma função materna que lhes projeta amor. Por outro lado a função paterna que impõe a lei e a castração não existe visto que apenas seus instintos são alimentados para que se torne cada vez mais violenta.

Ao encontrar Logan ela sofre a rejeição do pai e se torna resistente a ele. Entretanto o vínculo entre os dois se torna forte visto que a função paterna em Logan é exercida à medida que este se reconhece em Laura. O ver-se no outro remete ao próprio narcisismo e torna-se impossível desta forma abandonar a si mesmo. É essa dinâmica inconsciente que garante o amor e o cuidado dos pais pelos filhos.

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Laura provoca Logan.

Logan institui então os limites, provocando o amadurecimento de Laura e fazendo-a compreender as regras sociais necessárias para a sobrevivência em sociedade.

Mas percorrer esse caminho não é tão simples, a adolescente, por sua vez, provoca o pai de diversas formas resistindo à autoridade. Por outro lado, a rebeldia e a própria violência de Laura manifestam-se como um pedido de socorro por alguém que possa contê-la, por alguém que possa lhe ensinar a lidar com as próprias pulsões e que, em vez de repudiá-la por isso, possa apresentar a ela limites nos quais ela possa sentir-se segura, algo que Logan faz com maestria.

O filme demonstra ainda a importante função da fantasia na psique humana através de Xavier. É ele quem provoca o momento familiar onde finalmente sua paternidade é vivenciada dentro da realidade, com Logan chamando-o de pai e assumindo Laura como filha, passando-se por uma família comum e amorosa no ambiente de um lar.

“Sabe Logan, é assim que a vida deve ser: uma casa, pessoas que se amam, segurança. Por que não dá um tempo a si mesmo para sentir?” (Charles Xavier)

Mesmo que por alguns instantes, a vivência desta fantasia é suficiente para o desfecho de Logan que, por fim, decide levar Laura para seu destino, mesmo não acreditando que este seja um lugar imaginário. Afinal, como alertou Xavier em uma de suas últimas falas: “É real para Laura, Logan. É real para Laura.”

FICHA TÉCNICA

LOGAN

Diretor: James Mangold
Elenco: Boyd Holbrook, Dave Davis, Doris Morgado
Gênero: Ação
Ano: 2017


Referência:
ALTMAN, Miriam. O envelhecimento à luz da psicanálise. J. psicanal.,  São Paulo ,  v. 44, n. 80, p. 193-206, jun.  2011 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352011000100016&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  04  fev.  2018.

Estudante de Psicologia (Ceulp/Ulbra), namorando a psicanálise | Bacharel em Comunicação Social (UFT) | MBA em Gestão da Comunicação nas Organizações (Univ. Católica de Brasília)