O presente trabalho, baseado no livro “A Sociedade do Cansaço”, irá apresentar alguns conceitos e características culturais do passado e presente, de tal forma a explicar as razões pelas quais os sujeitos do século XXI se encontram cansados e esgotados.
O autor – Byung-chul Han – traz a complexidade que está ocorrendo nos dias atuais e a transformação que vem acontecendo na atualidade. Uma das características marcantes na sociedade do cansaço é a hiperatividade e a falta de negatividade da sociedade que corrói a vida contemplativa.
Para o autor, o tempo é caracterizado pelo desaparecimento da alteridade e da estranheza. Por outro lado, patologias como a depressão, corresponderiam a uma tentativa de recusa.
A sociedade ocidental do século XXI é uma sociedade marcada pelas doenças neuronais, como depressão, stress, déficit de atenção. Tais doenças veem ocupando o espaço que antes era ocupado por doenças virais.
Essas doenças são causadas devido ao estilo de vida ocidental, provocando efeitos devastadores nas relações, nas famílias e vida pessoal. O excesso caracterizado pela sociedade é um excesso de informação, de comunicação, emoções, que provocam uma dispersão, ocasionando desgaste mental.
Na grande produção, aos trabalhadores, cobra-se maior desempenho em suas funções. Tal cobrança é uma das causas do desiquilíbrio emocional, que pode resultar em irritabilidade, ansiedade, depressão, síndrome de Bournout, entre outros.
No primeiro capítulo do livro, Han (2015) expõe que, sob uma perspectiva patológica, o século XX foi uma época imunológica, que estabeleceu uma divisão entre “dentro e fora, amigo e inimigo ou entre próprio e estranho” (p. 8). Foi uma época onde tudo que era estranho era afastado, sendo este seu mecanismo de defesa imunológico. Mesmo que o estranho não fosse algo perigoso, seria afastado.
Este momento imunológico é caracterizado por “barreiras, passagens e soleiras, por cercas, trincheiras e muros“ (p. 13), coisas que impedem o processo de troca e intercâmbio. O Século XX foi uma época marcada também pela negatividade, a negação do outro, do estranho. “O sujeito imunológico rejeita o outro com sua interioridade, o exclui, mesmo que exista em quantidade mínima” (p. 16). Portanto, a violência nesse século advém da negatividade existente em sua estrutura.
O autor também aponta algumas características do século que vivemos hoje. A violência que vivemos hoje é o contrário do século passado, ela é gerada pelo exagero de positividade. Onde não existe a diferença, todos são iguais, não há rejeição. Tal violência é causada pela superprodução, superdesempenho. Afirmando que este é um século das doenças neuronais, depressão, ansiedade, TDAH, e Síndrome de Bournout.
A violência da positividade não pressupõe nenhuma inimizade. Desenvolve-se precisamente numa sociedade permissiva e pacificada. […]. Habita o espaço livre de negatividade do igual, onde não se dá nenhuma polarização entre inimigo e amigo, interior e exterior ou entre próprio e estranho (p. 19).
Um dos conceitos que caracterizam a sociedade do século XX, é a sociedade disciplinar. Han (2015) explica que tal sociedade se baseia nas ideias de Foucault, e é marcada por hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas. Já no século XXI, a sociedade é marcada por academias fitness, escritórios, bancos, aeroportos, shoppings. Hoje não se tem mais uma sociedade disciplinar, mas uma sociedade do desempenho. Seus sujeitos também não são mais “sujeitos da obediência”, mas sim “sujeitos de desempenho e produção”.
Os muros das instituições delimitam os espaços entre o normal e o anormal, na sociedade disciplinar, tornando-a uma sociedade controle, permeada pela negatividade citada acima, e dominada pelo não-ter-o-direito. A sociedade disciplinar gera loucos e delinquentes, enquanto que a sociedade do desempenho gera depressivos e fracassados.
Para acompanhar a evolução e as novas tecnologias, a sociedade da disciplina, da proibição, e da delimitação de espaços dos diferentes, teve que mudar, tornando-se uma sociedade de desempenho que motiva, busca a produção em maior quantidade e qualidade, mas agora de uma forma mais positiva e animada. “O paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo de poder” (p. 25). O sujeito do desempenho é um sujeito mais rápido e produtivo que o sujeito da obediência, porém, o poder não cancela o dever.
O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autoreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal (p. 30)
Han (2015) também explica que o conceito de multitarefa não está presente apenas na vida humana, mas também está disseminada pelo mundo animal em estado selvagem. Afirma que o animal é obrigado a dividir sua atenção em várias atividades, e por isso não há contemplação, nem no comer, nem no copular. Dessa forma, entende-se que a sociedade está cada vez mais se aproximando da vida selvagem.
A atenção profunda se desloca para uma atenção dispersa, a hiperatenção, que é caracterizada pela mudança de foco entre as diversas atividades, informações e processos. “O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. […]. Com isso fragmenta e destrói a atenção” (p. 31). Por isso quase não há tolerância para o tédio, muito menos para o tédio profundo, que é importante para a criatividade.
Nessa sociedade o descanso é algo quase inacessível para muitos. Com isso perde-se também a capacidade de escuta contemplativa, a atenção profunda, algo que está intimamente relacionado com o trabalho que a psicologia faz, ou pelo menos deveria fazer, em sua essência. Quando não há nem um tedio profundo nem a atenção profunda, é mais difícil de criar algo novo.
Mas quem é tolerante com o tédio, depois de um tempo irá reconhecer que possivelmente o próprio andar que o entedia. Assim, ele será impulsionado a procurar um movimento totalmente novo (p. 35).
Han (2015) afirma que Heidegger tem a definição de vida activa como um tipo de reação à morte, afirmando que “A possibilidade da morte impõe limites ao agir e torna a liberdade finita” (p. 40). Já Hanna Arendt acredita que “a possibilidade da ação no nascimento, o que concede ao agir uma ênfase mais heroica” (p.40).
Arendt traz o pensamento de que a sociedade moderna e a sociedade do trabalho rebaixam o homem a um animal trabalhador (animal laborans). “Todas as formas de vida activa, tanto o produzir quanto o agir, decaem ao patamar do trabalho” (p.41). Dessa forma, para Arendt, o homem está cada vez mais se aproximando da espécie animal que Darwin explica.
O animal laborans de Arendt não se encaixa na sociedade do desempenho que temos atualmente. Han (2015) afirma que o animal laborans atual não abandona sua individualidade, tornando-se assim, mais ativo e menos passivo, menos animalesco e mais hiperativo e hiperneurótico.
Nesse momento há também uma perda da fé, não só a fé em Deus, mas também na realidade, o que torna a vida humana cada vez mais transitória. Transitória de tal forma que nada tem duração e subsistência. Assim, surgem nervosismos e inquietações. As religiões também sucumbem nessa nova era, colocando o sujeito pós-moderno num isolamento e desacreditado da vida, o que reforça o sentimento de transitoriedade. O medo da morte, causado pelo isolamento e falta de fé, traz um novo conceito de vida saudável, colocando a saúde como uma deusa.
O autor traz duas formas de homem, o Homo sacer que exprime alguém excluído da sociedade por causa de um delito que pode ser morto sem que o autor seja penalizado por isso. E o Homines sacri, identificados como prisioneiros, doentes, indivíduos sem documentos, identificação, os “excluídos” da sociedade.
A sociedade pós-moderna reduz todos a uma coisa só, portanto não há separação entre esses dois tipo de homens, vistos acima. Portanto todos nós somos homines sacri.
O autor expõe que no fim do livro de Arendt o pensamento aparece como sendo aquele que menos tem prejuízos quando se tem certa negatividade. Atualmente não há essa negatividade, e há uma hiperatividade, fazendo assim, com que o pensamento, algo que não aparenta ser uma atividade, seja menosprezado e evitado. Porém para Arendt, “dentre as atividades da vida activa, o pensamento seria a mais ativa atividade, superando todas as outras atividades quanto à pura atuação” (p.48).
Outro conceito importante apresentado por Han (2015) é a vida contemplativa. Esta pressupõe uma pedagogia especifica do ver. O autor traz três tarefas que Nietzsche acreditava que seria necessário que se tivesse um educador, a leitura, o pensar, o falar e escrever, nomeando esses aspectos de “cultura distinta”.
Aprender a ver é aproximar-se de si mesmo, descansar, aprender a ter atenção profunda sobre as coisas, um olhar lento e demorado, contemplativo. Aprender a controlar os instintos inibitórios limitativos, não reagir de imediato e seguir um impulso, sendo estes considerados sintomas do esgotamento. “Essa vida não é um abrir-se passivo que diz sim a tudo e acontece. Ao contrário, ela oferece resistência aos estímulos opressivos, intrusivos” (p.52).
Atualmente vivemos num mundo pobre de interrupções, movido a maquinas que não param. Ao mesmo tempo em que a cresce a hiperatividade, desaparece a ira. Para o autor a ira tem a capacidade de interromper um estado para que outro se inicie. Assim, em seu lugar temos a irritação que não ocasiona mudanças.
A crescente positivação da sociedade enfraquece os sentimentos de angustia e luto, sentimentos negativos. O excesso de positivação transforma a sociedade numa máquina de desempenho autista.
O autor traz duas formas de potências, a potência positiva, de fazer algo, e a negativa, de não fazer. “Se possuíssemos apenas a potência de fazer algo e não tivéssemos a potência de não fazer, incorreríamos numa hiperatividade fatal” (p.58). “A hiperatividade é paradoxalmente uma forma extremamente passiva de fazer, que não admite mais nenhuma ação livre” (p.58).
Um relato escrito por Melvilles que foi objeto de várias interpretações, “O caso de Bartleby”, é uma história provinda de “Wall Street”. Descreve um universo de trabalho desumano, num ambiente hostil de um escritório, com uma atmosfera de melancolia e mal humor. Bartleby desenvolve sintomas de neurastasia. Não expressa nem a potência negativa nem o instinto inibitório. Falta de iniciativa e apatia são características desenvolvidas pelo personagem.
A história é descrita numa sociedade disciplinar, representando um sujeito de obediência. Portanto os sentimentos de insuficiência e inferioridade não são reconhecidos por Bartleby, o que o faz adoecer é o excesso de positividade, não suportando o peso de começar a abandonar o próprio eu, para dar espaço ao trabalho, atividade. Dessa forma, se sente vazio, ausente, apático, pois se encontra sem referência de mundo e sentidos.
A fórmula de Bartleby “I would prefer not to” afasta-se de qualquer interpretação messiânico-cristológica. Essa “história provinda de Wall Street” não é uma história de “des-criação” [Ent-schopfung], mas uma história do esgotamento [Erschopfung] (p.68).
O conceito que nomeia o livro de Han (2015) é o conceito de sociedade do cansaço. Gerado pela junção dos dois séculos, encontra-se a sociedade atual.
A sociedade do cansaço, enquanto uma sociedade ativa, desdobra-se lentamente numa sociedade do doping. […]. O doping possibilita de certo modo um desempenho sem desempenho. (p.69)
A necessidade de sempre se ter um maior e melhor desempenho nas várias atividades realizadas pelo homem fez com que ele buscasse alternativas de executá-las de melhor forma sem erros. Porém, o autor explica que “o excesso de elevação do desempenho leva a um infarto da alma” (p.71).
O autor expõe nesse capítulo várias formas de cansaço. Segundo Handke, o cansaço é um “cansaço-nós”, “estou cansado de ti”, não “cansado para ti. O “cansaço do esgotamento” nos incapacita de fazer qualquer coisa. Um cansaço que inspira. Cansaço da potência negativa. No “Cansaço fundamental” não há uma individualização, e desse cansaço surgem comunidades que não precisam de parentesco para existir.
Dessa forma é possível entender como e por que vivemos numa sociedade das patologias neuronais. Han (2015) expõe características das sociedades que explicam por que a sociedade atual é a sociedade do cansaço. Tendo em vista que passamos pela sociedade disciplinar, da proibição, nos encontramos numa sociedade que prega o desenvolvimento, a era das tecnologias, tempo estriado, falta de empatia, entre outros. Todos esses aspectos nos movem para um caminho, o cansaço. A partir de agora é preciso rever alguns aspectos para que possamos viver nessa sociedade de forma mais equilibrada. Talvez isso seja uma utopia, mas para que a vida e as sociedades existam e evoluam, é necessário que se tenha um pouco de utopia.
* Trabalho resultante da disciplina de Sociedade e Contemporaneidade, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa
Ficha Técnica do Livro
Sociedade do Cansaço
Editora: Saraiva
Autor: Byung Chul Han
Ano: 2015
Páginas: 80
REFERÊNCIA:
HAN, Byung-chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis-rj: Vozes, 2015.