Desafios do psicólogo na prática multiprofissional em prevenção e promoção de saúde – (En)Cena entrevista Rosana Tavares

A psicóloga, Doutora em Psicologia pela PUC Goiás, Mestre em Psicologia e Especialista em saúde Mental, pela Universidade Católica de Goiás, e em Políticas Públicas, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Rosana Carneiro Tavares (que já integrou o corpo docente do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA), vem a Palmas proferir a palestra de encerramento da 1ª. Semana de Psicologia do CEULP. Com o tema “Desafios do psicólogo na prática multiprofissional em prevenção e promoção de saúde”, a professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) irá abordar um dos mais importantes temas da prática profissional dos psicólogos na contemporaneidade.

Rosana tem experiência no ensino presencial e a distância, na graduação e pós-graduação. Atua na área de Psicologia Social, Saúde Coletiva e Políticas Públicas, com ênfase em processos grupais e saúde mental. Trabalha principalmente com os seguintes temas: dialética inclusão/exclusão social, Teoria Sócio Histórica, processos de trabalho em saúde, saúde coletiva, saúde mental e reforma psiquiátrica. Desenvolve pesquisas no campo das políticas públicas; dos direitos sociais; da infância e adolescência; e da saúde mental. Abaixo, ela concedeu uma entrevista ao curso e ao coletivo (En)Cena. Confira!

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Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quais os grandes desafios do psicólogo, hoje, na atuação multiprofissional na área da saúde?

Rosana Tavares – Os desafios postos na atualidade são inúmeros, se levarmos em conta o processo histórico das práticas em saúde sempre a serviço de uma atenção medico-centrada, típica de um modelo hegemônico de ciência que valoriza o conhecimento obtido de forma positiva, objetiva e absoluta. A psicologia, assim como outros saberes disciplinares, aos poucos foi sendo convocada a se inserir na área da saúde. No Brasil, mais especificamente a partir da Lei 8080, em 1990, que regulamenta o SUS, o modelo médico-centrado de saúde vem sendo gradativamente modificado.

O SUS estabelece a universalidade, equidade e integralidade como princípios diretivos da atenção à saúde. A respeito da integralidade, podemos destacar as ações de promoção e prevenção da saúde, como principal requisito à superação do modelo centrado apenas no tratamento e reabilitação. Essas diretrizes exigem um novo olhar para os cuidados em saúde e convoca diversos outros saberes para a prática de cuidados à população. A psicologia nesse cenário tem se inserido em diversas práticas interventivas, seja na Atenção Básica ou nas demais modalidades de maior complexidade.

Um problema dessa inserção que pode ser considerado um dos principais desafios é a necessidade de superação, pela psicologia, da reprodução do modelo médico-centrado, ou do modelo puramente biomédico nos cuidados em saúde da população. Considero que a principal tarefa da psicologia seria colaborar com a mudança da lógica de encaminhamentos e contribuir com a produção de ações, mais que multidisciplinares, interdisciplinares. Para isso, a própria psicologia necessita também rever seu processo histórico de produção de conhecimento, ou seja, a psicologia deve insistentemente reforçar o principal foco de sua atuação: que é o ser humano, com sua subjetividade.

Para a psicologia cabe contribuir com o rompimento do modelo padronizado de cuidados em saúde instituído hegemonicamente (em o que o sujeito deixa de ser o centro, tornando-se o foco a doença) e retomar esse sujeito em sua prática e intervenções. Além disso, cabe à psicologia (pela sua maior disponibilidade em rever conceitos e práticas ideológicas) sensibilizar toda a equipe de saúde para a humanização desse processo.

Em resumo, considero que o principal desafio para a psicologia na atualidade, no que se refere às práticas em saúde, é não perder o seu saber disciplinar instituído, em prol de uma manutenção de um modelo já falido, ou seja, obter reconhecimento como um saber disciplinar que tem a contribuir nos processos de saúde a partir da retomada do sujeito, como ser subjetivo de desejos e de intencionalidade.

(En)Cena – A psicologia eclode, atualmente, como uma das áreas emergentes de conhecimento e intervenção, tendo em vista a profusão de psicopatologias no tecido social. Quais as contribuições que a Teoria Sócio Histórica pode dar para ajudar a enfrentar este quadro?

Rosana Tavares – Uma das principais contribuições da Teoria Sócio Histórica seria, ou é, superar a instrumentalização dos conceitos utilizados na psicopatologia, como forma de enquadramento ou de definição de um lugar social para aqueles que estão em sofrimento psíquico. Podemos dizer que pela Teoria Sócio Histórica, em que o ser subjetivo e interno se constitui a partir de uma objetivação e externalidade, ou seja, não há vida interior e psíquica que tenha se formado individualmente sem interface com a cultura e com a sociedade, o sofrimento psíquico assume um lugar que não é apenas individual, mas também social.

Além do mais, como sujeitos históricos podemos também destacar as diversas possibilidades de superação e transformação de uma dada realidade. Sendo assim, pela Psicologia Sócio Histórica, compreendemos a emergência das psicopatologias na atualidade como um reflexo de uma construção histórico-social de um determinado modelo de sociedade. Se levarmos em conta a nossa sociedade contemporânea, que valoriza mais o ter do que o ser, que mercantiliza quase todas as formas de intersubjetividades, que ofusca a consciência histórico-social dos sujeitos, podemos esperar que se manifestem sofrimentos psíquicos com particularidades diversas.

A essas particularidades a psicologia Sócio Histórica imprime um olhar que extrapola a individualização do sofrimento, já que o entende como uma construção social. Sendo assim, intervir em sofrimentos como, depressão, significa refletir o contexto histórico social em que ela emerge, se é uma mulher de 50 anos, por exemplo, é necessário trazer, inclusive, reflexão sobre o processo histórico de construção de gênero na sociedade e o lugar concedido à mulher no sistema social, para compreender o sofrimento expresso por esse sujeito.

(En)Cena – As medidas preventivas vêm sendo trabalhadas adequadamente, dentro da saúde mental, ou ainda há muito a ser feito?

Rosana Tavares – Há muito a ser feito! Ainda estamos engatinhando na construção de ações em saúde mental que superem a lógica dos meros encaminhamentos e das práticas em que se investe mais na recuperação e reabilitação dos sujeitos, as quais acabam por supervalorizar as especialidades. Investir na prevenção significa retomar o ser subjetivo, de escolhas, de responsabilizações e de inventividade.

Pois a prevenção requer planejamento de ações que sejam elaboradas em conjunto com a população alvo, que realmente possam ser reflexo da demanda daquele grupo específico, sejam mulheres gestantes, adolescentes, homens, idosos etc. Não é por acaso que a prevenção e promoção da saúde é estabelecida como ação de responsabilidade prioritária dos municípios, exatamente para que esse planejamento seja compartilhado com a população alvo e que a implementação seja também avaliada de forma compartilhada.

Todos esses requisitos para uma ação eficaz exigem investimento do poder público (valorização dos profissionais e condições de trabalho), investimento das academias (revisando os conceitos instituídos hegemonicamente sobre os cuidados em saúde, em que é o profissional de saúde quem detém o conhecimento, principalmente o médico), além de disponibilidade dos próprios profissionais para sair da zona de conforto em que seu saber é hierárquico e soberano, assumindo um posicionamento mais horizontalizado com a população e com toda a equipe de saúde.

Desenvolver atividade preventivas em psicologia deve ir além de palestras informativas, requer olhar os sujeitos, estabelecer estratégias de formação de consciência social e superar o repasse de informações. Os NASF são na atualidade uma grande potencialidade para a efetivação de ações preventivas, desde que eles consigam realmente aumentar a resolutividade da Atenção Básica.

(En)Cena – Em sua opinião, no atual quadro político nacional, quais as perspectivas em relação às políticas públicas para a saúde mental?

Rosana Tavares – Penso que é complicado pensar em futuro, quando estamos em um momento de transição (não só de governo, mas de projeto político). Estamos saindo de uma gestão que, apesar dos erros, investiu na transformação do modelo em saúde em prol da população, trouxe algumas propostas que buscavam minimizar a ineficiência da saúde como um direitos de todos e dever do Estado. Exemplo: o Programa Mais Médicos, que dividiu opiniões, mas que se constituiu um modo de possibilitar cuidados médicos a populações menos centralizadas no país.

O próprio Conselho Federal de Psicologia apoiou esse programa. No campo da saúde mental, tivemos aí um debate quanto à nomeação no Ministério da Saúde do coordenador de saúde mental, que tem um histórico de discussões de defesa do modelo contrário à Reforma Psiquiátrica. Então, penso que seria mais coerente não fazer discussão que possa ser compreendida como posicionamento político partidário, o que não é. Considero que, talvez, os avanços adquiridos pela Reforma Psiquiátrica, a partir da Lei 10.216, em 2001, podem agora enfrentar retrocessos.

Penso que já no Governo Dilma esse retrocesso era temerário, devido, por exemplo, ao lugar dado às Comunidades Terapêuticas nas intervenções em saúde mental, sem estabelecer critérios de controle do setor público sobre esses serviços.

(En)Cena – Quais os grandes desafios que as faculdades de Psicologia enfrentam hoje para colaborarem com uma formação humanista e, ao mesmo tempo, alinhada às novas provocações típicas da contemporaneidade, como as patologias associadas às pressões no universo do trabalho, por exemplo?

Rosana Tavares – Penso que o desafio que se coloca é o diálogo interdisciplinar e intersetorial. Dentro da academia as diversas disciplinas necessitam interconectar-se, os diversos saberes devem extrapolar os limites de seu domínio e dialogar com outros saberes. Não só dentro da psicologia (que já tem esse desafio, devido à diversidade de abordagens e de possibilidades interventivas), mas também entre os diversos outros cursos (direito, Serviço Social, enfermagem, educação física, ciências sociais, história, pedagogia etc).

Fora da academia é preciso também manter um debate constante com os diversos outros setores: serviços de saúde, sistema de justiça, serviços de assistência social, serviços de educação, esporte cultura, com a comunidade etc. Os saberes instituídos academicamente só fazem sentido se for para serem popularizados, e é pela socialização e interlocução que a sociedade poderá efetivamente se transformar.

(En)Cena – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Rosana Tavares – Penso que é de suma importância podermos instituir debates como esses e possibilitar reflexão constante. Como seres sociais que somos necessitamos eternamente do outro, é pelo outro que temos a consciência de quem somos. Portanto, agradeço esta oportunidade de poder expressar meus posicionamentos e, ao mesmo tempo, poder rever minhas ideias, transformá-las a partir das possibilidades de interconexão pelos encontros/desencontros que essas reflexões podem propiciar.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.