O documentário “Carne e Osso”, dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, associa imagens impactantes e depoimentos de funcionários que trabalham ou trabalharam nos frigoríficos brasileiros de abates de aves, bovinos e suínos. Diante disso, esse filme evidencia várias problemáticas do trabalho contemporâneo que podem ser discutidas.
De acordo com Antunes (2014), a indústria avícola é uma organização de trabalho praticamente taylorista e fordista; assim, de acordo com Ribeiro (2015), taylorismo pontua métodos padronizados de execução que deveriam otimizar a relação entre tempo e movimento.
Quanto ao fordismo, para Ribeiro (2015), a implantação da esteira rolante trouxe a automatização e a mecanização do processo de trabalho. De tal modo, essa ferramenta se fundamenta como um meio de monitorar o ritmo do trabalho de forma automatizada e intensa.
Assim, o documentário mostra essa organização Taylorista e fordista, bem no início do filme, o funcionário desossa o frango e há um silêncio, depois inicia a música, dando uma sensação de rapidez para o telespectador, e, ao mesmo tempo, surge a esteira; depois aparecem as vozes dos trabalhadores com pontuações referentes ao sofrimento em todos os sentidos no trabalho. E a música começa a ter um ritmo mais rápido, enquanto há uma visualização ampliada do contexto do ambiente; uma vez que mostra a mecanização, o ritmo por meio dos movimentos rápidos dos funcionários ao desossarem os animais.
Diante do supracitado, ocasiona um aspecto no contexto do trabalho bastante cansativo para os trabalhadores. Assim, no decorrer do documentário, compreende-se esse sofrimento mental dos trabalhadores pelos relatos deles; uma vez que afeta o espectador ao ver como essas agroindústrias exploram o ser humano de tal modo, que essa situação acarreta consequências drásticas em vários contextos na vida do trabalhador, seja social, psicológica e física.
Essa intensificação da produtividade na jornada de trabalho, pode ser compreendida em vários trechos do documentário, como um dos relatos de uma ex-funcionária: “Há trabalhadores que fazem até 18 movimentos com uma faca para desossar uma peça de coxa e sobrecoxa, em apenas 15 segundos”.
Outro trecho mostra a mesma situação a partir do relato de outra ex-funcionária: “A gente começou desossar três coxas e meia e cada vez eles exijam mais. Até chegar desossar 7 coxas por minuto”. Em outro trecho do documentário: “Assim, o ritmo do seu trabalho vai diminuído, porque você está mais cansado, vai surgindo alguns problemas, estava me sentindo mal lá dentro. Tinha dia que chegava na empresa e me arrependia porque tinha ido. Muitas vezes trabalhávamos sobre a pressão do encarregado, às vezes estávamos fazendo o possível, e ele queria mais.”
Esses trechos do documentário supracitado vão ao encontro das teses de Dal Rosso apud Costa (2008), para quem a intensificação adquire uma grande quantidade e/ou uma qualidade dos resultados do trabalho com igual perda de energia; uma vez que, no decorrer do tempo, o crescimento do expediente do trabalho gera mais efeitos com maior perda de energia devido a extensão da jornada.
Esse dispêndio de energia pode ser analisado no documentário pela fala do Desembargador Sebastião, este aponta que o volume de transtornos mentais, doenças neurológicas e doenças em geral tem aumentado bastante, especialmente por essa produtividade acelerada.
Esse contexto de certos frigoríficos coaduna com o texto de Burns (2016), ele aponta que os trabalhadores estão dopados e o mercado obrigando o indivíduo a se submeter a uma velocidade que não existe, de tal modo, que o corpo é um obstáculo, pois ele não suporta muita pressão, dessa forma, o corpo adoece, entra em pânico, deprime, fica ansioso.
Por fim, o documentário “Carne e Osso” mostra a exploração de certos frigoríficos sobre os trabalhadores, como muitos funcionários foram demitidos quando já estavam adoecidos psicologicamente, fisicamente e neurologicamente.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Desenhado a nova morfologia do trabalho no Brasil. Estudos Avançados, 2014.
BRUM, E. Exaustos-e-correndo-e-dopados: Na sociedade do desempenho, conseguimos a façanha de abrigar o senhor e o escravo no mesmo corpo. El pais, Brasil,2016.
COSTA, J. Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
RIBEIRO, A. Taylorismo, Fordismo, Toyotismo. Lutas Sociais. São Paulo, 2015.