Experiências Culturais: os instrumentos e instituições da cultura

Em relação ao texto “Pensando com os instrumentos e com as instituições da cultura” de Barbara Rogoff (2005), reflete-se a respeito da constituição do pensamento, ressaltando que o pensar é um processo interpessoal no qual envolve muito mais do que ações privadas e individuais, pois de acordo com a pesquisa voltada para o desenvolvimento cognitivo, as pessoas constroem seus pensamentos e entende seu mundo a partir da interação com o meio participando de atividades socioculturais (ROGOFF, 2005, p.196).

Pesquisadores debruçaram-se em aportes teóricos, para compreender a relação existente entre a formação do pensamento das pessoas decorrentes das suas experiências culturais. Assim, muitos deles consideraram os estudos de Vygotsky, pois este considera que as habilidades cognitivas individuais são constituídas diante do auxílio de outras pessoas, ou seja, “o desenvolvimento cognitivo ocorre à medida que as pessoas aprendem a usar instrumentos culturais do pensamento (como alfabetização e a matemática) com a ajuda de outras, mais experientes com tais instrumentos e instituições” (ROGOFF, 2005, p.196).

Fonte: http://zip.net/bvtHDX

O ponto de vista sócio histórico contribui para um novo entendimento da cognição, sendo visto agora como processo ativo das pessoas e não mais individual e passivo. Jean Piaget, na sua teoria, também estudou aspectos cognitivos, porém ele analisava o processo de desenvolvimento intelectual da criança a partir dos estágios, desconsiderando as variâncias culturais. Pesquisadores, então, realizaram estudos aplicando as técnicas de Piaget em diferentes contextos culturais, e com isso, observaram que de acordo com a comunidade e cultura em que se vivem as pessoas apresentaram desempenho diferente na realização da atividade.

Diante desta situação, estudiosos começaram a perceber algumas questões, como a conceituação do objetivo e a familiaridade com o mesmo, conforme a localidade pode influenciar no resultado do teste, assim, os pesquisadores estudavam os tipos de atividades realizadas na comunidade e com isso adaptava-se as atividades para que avaliassem o desempenho da pessoa. Rogoff (2005) traz um exemplo de estudos realizado com crianças que demonstra essa experiência:

As crianças zambienses tiveram bom desempenho quando modelaram com pedaços de arame, uma atividade conhecida em sua comunidade, mas um desempenho ruim com os desconhecidos lápis e papel. Em comparação, crianças inglesas se saíam bem com lápis e papel, um meio conhecido para reproduzir padrões em sua comunidade, mas não com pedaços de arame (p.197).

A partir desses estudos, Piaget revisou seus conceitos, percebendo que os estágios de desenvolvimento cognitivo (principalmente o operatório-formal) dependiam da experiência pessoal de cada sujeito, conforme o seu contexto, e domínio.

Fonte: http://zip.net/bstHv0

Outro aspecto observado pelos pesquisadores em relação ao processo do pensamento era os testes cognitivos em similaridade com a formação escolar, percebendo a influência dos valores culturais na definição de inteligência considerando a situação em que este era analisado. Antigamente os testes eram usados para medir a cognição de forma muito crua, não havia um olhar humano que levasse em conta a experiência de vida da pessoa. Os pesquisadores então começaram a ver por outro ângulo e afirmaram que a testagem poderia ser vinculada aos valores e a experiência cotidiana. Os valores que se vinculam com os relacionamentos sociais, têm grandes influências nas respostas das pessoas quando submetidas a perguntas cognitivas (ROGOFF, 2005).

É importante ressaltar a relação entre o testador e a pessoa que será testada, “os modelos culturais de relações sociais, que fornecem, implícita ou explicitamente, a base para os comportamentos apropriados e formas de se relacionar de adultos e crianças não são suspensos em testes cognitivos” (SUPER e HARKNESS, 1977, apud ROGOFF, 2005, p.205). Isso está totalmente relacionado com o significado de maturidade e inteligência de cada cultura/comunidade. Cada cultura tem uma definição diferente do que seja inteligência e maturidade, enquanto que, para uma cultura inteligência seja definida como lento, cuidadoso e ativo, para outra cultura tem outro sentido e valor.

Fonte: http://zip.net/bytHD2

Em se tratando de generalização, a autora Rogoff (2005) retrata que nem sempre será uma coisa boa, e que executar no automático a mesma ação pode ou não ser apropriado a uma nova situação, o objetivo seria uma generalização adequada e para que este conhecimento (desenvolvido em uma situação quando se enfrenta uma nova) seja adequado Hatano (1988) apud Rogoff (2005) diz que tem de haver o entendimento conceitual, e, para que as pessoas e grupos façam uma generalização adequada entre as experiências/situações é importante o que foi chamado por alguns autores de capacidade adaptativa.

O desenvolvimento da capacidade adaptativa é apoiado pelo grau no qual as pessoas entendem os princípios e objetivos das atividades relevantes e ganham experiência ao variar os meios para atingi-los. As práticas culturais e a interação social sustentam a aprendizagem de quais circunstâncias estão relacionadas entre si e quais posturas são adequadas a diferentes circunstâncias. (ROGOFF, 2005, p.209).

No que diz respeito à visão da cognição, “vai muito além da ideia de que o desenvolvimento consiste em adquirir conhecimento e habilidades” (Rogoff, 2005, p.208), a pessoa cresce por intermédio da participação em uma atividade que traz transformação para assim ele se envolver em outras mais. Rogoff (2005) argumenta que o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos acontece no espaço de comunidades com o interesse de que as pessoas trabalhem em determinados lugares, como seres civilizados. Nós não somos donos do nosso próprio pensamento a respeito do mundo, mas é assim que acontece o início das habilidades nas parcerias desses diálogos. A partir disso percebe-se a importância dos aspectos históricos e culturais dessa conversação para cada pensador, influenciando outras pessoas a começarem novas linhas de pensamentos.

Fonte: http://zip.net/bwtGJ6

Em seus estudos com marinheiros, Ed Hutchins (1991) apud Rogoff (2005), o autor percebeu que eles trabalham em conjunto nos cálculos e nos planejamentos necessários para orientar a navegação de grandes navios. Diante disso é importante ressaltar que a cognição é distribuída na medida em que as pessoas colaboram e ajudam umas as outras, não apenas pensando em si próprio, mas, no que o outro pode está acrescentando com os instrumentos projetados para auxiliar no trabalho cognitivo. O processo coletivo mostra para o indivíduo que produzir em conjunto proporciona uma qualidade na produção tornando as informações claras e trazendo um conhecimento mais rico.

Arievitch (1995) et al. apud Rogoff (2005) enfatiza que o foco está na transformação ativa do conhecimento por parte das pessoas e em seu relacionamento com atividades que dinamizam. Levando-se em consideração esses aspectos, aprender e adequar com flexibilidade as posturas às circunstâncias é um fator importante para o desenvolvimento cognitivo que é imprescindível para tomada de decisão em várias áreas da inteligência. Muitas famílias ensinam suas crianças formas mais abertas de agirem e falarem, formas essas que se adequam a papéis e diversas situações. Percebe se em outras culturas que os adultos dão maior ênfase neste aspecto. Se as crianças souberem distinguir as posturas adequadas para cada ambiente evitarão problemas de comunicação.

Aprender a diferenciar as formas adequadas de agir em diferentes situações é uma conquista importante em todas as comunidades, seja para crianças, seja para adultos. Saber qual postura adotar na escola e em casa, junto com a determinação de qual estratégia usar em testes cognitivos e em outras situações de solução de problemas, equivale a aprender a fazer generalizações adequadas de uma situação para outra (ROGOFF, 2005, p. 211).

De acordo com Rogoff (2005), a teoria de Vygotsky redirecionou os estudos científicos sobre a cognição, visto que as funções mentais estão associadas à maneira como utilizam os instrumentos cognitivos na própria comunidade. Diante disso, percebe-se a extrema importância da empregabilidade de certas ferramentas culturais para o pensamento, tais como, a alfabetização, a matemática e a linguagem. A alfabetização está interligada às competências cognitivas por intermédio de aplicações peculiares comprometidas em seu uso. O aprendizado da leitura oferece várias habilidades dos processos mentais distintos de tal forma que, essas diversidades nos objetivos e nas aplicações da alfabetização parecem estar intrinsecamente interligadas as habilidades que as pessoas utilizam (ROGOFF, 2005).

Fonte: http://zip.net/bgtG9R

Ainda em concordância com a autora Rogoff (2005), no que consiste à alfabetização utilizada como instrumento, esta colabora com certos tipos de pensamentos, seja no contexto social, local, seja no contexto histórico. Como exemplo, no século XVIII nos Estados Unidos, a alfabetização era entendida como a habilidade de escrever o seu próprio nome em documentos legais. Já, no século XIX, a alfabetização estava relacionada com a capacidade de ler; mas sem a compreensão de leitura. Já, durante o século XX, a leitura estava associada com a funcionalidade dela, ou seja, a importância dela para eficiência da indústria.

Diante deste contexto, é notório que a utilização de instrumentos culturais como a matemática está profundamente associada às diversas características e aos princípios das comunidades. O manuseamento dessas ferramentas na matemática está interligado nas especificidades dos próprios utensílios, às atitudes das comunidades referentes à utilização desse instrumento e como este pode ser compreendido nas interações sociais. Esse instrumento também serve para o fortalecimento das relações sociais.

No que diz respeito à linguagem, este serve como instrumento cultural para o pensamento, uma vez que a língua conduz o modo de atuar e de pensar da comunidade, como por exemplo: ideias que são manifestadas no campo da linguagem de uma comunidade, de maneira que o sistema linguístico contribui com os pensamentos, como também, a utilização desses instrumentos pelos indivíduos e pelas gerações. Enfim colaboram com a organização narrativa, estruturas de cálculos matemáticos, isso de tal forma que os pensamentos interagem com os processos interpessoais e de comunidade.

Fonte: http://zip.net/bftG7Y

A alfabetização e a matemática são importantes instrumentos culturais do pensamento, logo, estudos sobre a matemática identificam como estas ferramentas são essenciais, como exemplo, o ábaco, as formas de cálculo ensinadas na escola, à formação dos preços de vendas dos utensílios. Os indivíduos utilizam esses dispositivos para facilitar o trabalho e a diminuição do esforço mental como uma maneira de se adequarem no contexto cotidiano.

Perante o exposto, foi possível perceber que as teorias socioculturais crescem constantemente por terem a compreensão de que o pensar está diretamente entrelaçada a situações específicas, essa relação não é automática, bem como a autora demonstrou, “em lugar disso, os indivíduos determinam suas posturas diante de certas situações com referência nas práticas culturais de que participaram anteriormente”. (ROGOFF, 2005. p.211). Cada ser humano tem uma visão diferente das coisas, esse processo faz com que tenhamos atividades socioculturais. Em concordância com o raciocínio de Rogoff (2005), entende se que, no momento que existem limites obrigatórios entre o indivíduo e o todo, se faz surgir complicações para melhor compreender, tanto os processos individuais, interpessoais e da comunidade.

REFERÊNCIAS:

ROGOFF, Barbara. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Ed.1.Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2005.