Fake News e sua influência nos sistemas democráticos

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O que são fake news e por que importam

Fake news não são apenas “notícias falsas”, mas estruturas de desinformação com impacto profundo sobre a confiança coletiva. Pesquisadores alertam que o maior dano está na erosão da confiança epistêmica, ou seja, na perda da crença de que os outros cidadãos partem de fatos minimamente compartilhados (Reglitz, 2023).

Quando essa confiança se fragmenta, a democracia também se fragiliza. Isso se intensifica nos ambientes digitais, onde campanhas de manipulação já foram identificadas em dezenas de países, com forte uso de bots e automação para impulsionar conteúdos enganosos (Oxford Internet Institute, 2021).

Fonte: Revista Galisteu (Globo)

A digitalização da esfera pública trouxe novas possibilidades de participação, mas também novas vulnerabilidades. Pesquisas recentes mostram que, embora as mídias digitais possam ampliar o engajamento, elas também podem aprofundar polarizações e distorções informacionais (Valenzuela et al., 2022).

No Brasil, estudos identificaram que a exposição frequente à desinformação está associada ao aumento de atitudes antidemocráticas e desconfiança nas instituições eleitorais, um alerta importante para democracias conectadas (Souza et al., 2023).

A tecnologia amplifica a circulação de conteúdos enganosos de maneiras muito específicas, criando um ambiente em que a desinformação se espalha com mais força do que a informação verificada. Um dos mecanismos mais marcantes é a amplificação automática, já que bots costumam ser os primeiros a impulsionar conteúdos de baixa credibilidade, fazendo com que circulem rapidamente antes mesmo de qualquer verificação (Shao et al., 2018). Somado a isso, atuam as chamadas bolhas informacionais, resultado de um design algorítmico que prioriza conteúdos alinhados a interesses e crenças prévias. Esse filtro invisível reduz o contato com visões divergentes, criando ambientes fechados que reforçam certezas e limitam o debate (Cinelli et al., 2021). 

Outro elemento relevante é a micro segmentação comportamental, que permite direcionar mensagens manipuladas para grupos específicos de usuários. Esse tipo de segmentação já foi amplamente documentado em interferências eleitorais internacionais e mostra como a personalização pode ser usada como arma política (European Parliament, 2021). Em conjunto, esses mecanismos revelam um ecossistema digital onde a viralização não está ligada à veracidade do conteúdo, mas ao seu potencial emocional e ao engajamento que provoca.

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Os impactos da desinformação ultrapassam o campo informacional e alcançam profundamente as relações sociais, as emoções e a maneira como os cidadãos compreendem seu papel político. A confiança coletiva, por exemplo, se deteriora progressivamente. Mesmo aqueles que não acreditam diretamente nas notícias falsas acabam afetados, porque cresce a percepção de que “todos estão acreditando em algo duvidoso”, o que enfraquece laços básicos de confiança social (Reglitz, 2023).

Paralelamente, ocorre o aumento da polarização, já que os ambientes digitais reforçam certezas, reduzem o contato com opiniões distintas e dificultam diálogos mais amplos (Cinelli et al., 2021). Esse processo afeta diretamente a tomada de decisão pública, pois sem um conjunto mínimo de fatos compartilhados, a deliberação democrática se torna mais frágil e fragmentada (Valenzuela et al., 2022). Além disso, o impacto emocional é significativo: fake news frequentemente acionam sentimentos como medo, indignação e raiva, emoções que se espalham rapidamente e moldam comportamentos, servindo para consolidar identidades políticas antagônicas.

Na América Latina, e especialmente no Brasil, a combinação de forte polarização, grande dependência das redes sociais e instituições ainda em adaptação cria um terreno fértil para a disseminação de desinformação. Estudos nacionais já mostram que a exposição a fake news está associada à rejeição de mecanismos democráticos e ao fortalecimento de teorias conspiratórias ligadas ao processo eleitoral, indicando um impacto direto sobre a percepção e o funcionamento das instituições (Souza et al., 2023). Isso evidencia que a desinformação não é um elemento periférico: ela ocupa posição central na disputa política e na formação de subjetividades na região.

Enfrentar um fenômeno tão amplo exige múltiplas abordagens. A educação midiática é um dos caminhos mais importantes, pois permite que cidadãos desenvolvam habilidades para identificar manipulações, interpretar criticamente o que recebem e compreender os riscos presentes no ambiente digital. Também é essencial ampliar a transparência algorítmica, permitindo que se entenda como as plataformas priorizam conteúdos e como esses critérios influenciam o debate público. No campo institucional, a regulação democrática aparece como componente relevante, especialmente para coibir abusos em contextos eleitorais marcados por interferências digitais documentadas em diversos países (European Parliament, 2021). 

Paralelamente, a tecnologia pode ser usada a favor da democracia por meio de ferramentas de detecção, como modelos de aprendizagem de máquina projetados para identificar padrões de desinformação e comportamentos automatizados (Ferrara, 2021). Mesmo assim, nenhuma solução exclusivamente técnica é capaz de resolver o problema. A reconstrução de laços de confiança, a promoção do diálogo e o fortalecimento de uma cultura democrática continuam sendo fatores indispensáveis para enfrentar a desinformação de maneira duradoura.

Discutir fake news é discutir humanidade: nossas fragilidades emocionais, nossos vieses cognitivos e a forma como nos conectamos com o mundo.

A democracia, em sua essência, depende de diálogo, confiança e compromisso com a verdade mínima necessária para que a vida coletiva siga funcionando. Nas democracias digitais, esse compromisso precisa ser ainda mais firme.

A tecnologia continuará evoluindo, mas é o modo como a utilizamos e o modo como nos relacionamos uns com os outros que determinará se viveremos em uma sociedade informada ou em um espaço fragmentado por narrativas manipuladas.

Referências

CINELLI, M. et al. The COVID-19 social media infodemic. PNAS, [S. l.], v. 121, n. 9, 2024. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10106894. Acesso em: 25 nov. 2025.

EUROPEAN PARLIAMENT. Foreign interference in electoral processes: social media, cyberspace, and transparency. [S. l.], 2021. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2021/653635/EXPO_STU%282021%29653635_EN.pdf. Acesso em: 25 nov. 2025.

FERRARA, E. Deep learning for detecting misinformation. [S. l.], 2021. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2101.01142. Acesso em: 25 nov. 2025.

OXFORD INTERNET INSTITUTE. Industrialized Disinformation: 2020 Global Inventory of Organized Social Media Manipulation. Oxford, 2021. Disponível em: https://demtech.oii.ox.ac.uk/wp-content/uploads/sites/12/2021/02/CyberTroop-Report20-Draft9.pdf. Acesso em: 25 nov. 2025.

REGLITZ, M. Fake News and the Crisis of Trust in Democracy. Birmingham: University of Birmingham, 2022. Disponível em: https://pure-oai.bham.ac.uk/ws/portalfiles/portal/173055429/Reglitz_Fake_News_and_Democracy_issue_version_.pdf. Acesso em: 25 nov. 2025.

SHAO, C. et al. The Spread of Low-Credibility Content by Social Bots. [S. l.], 2017. Disponível em: https://arxiv.org/abs/1707.07592. Acesso em: 25 nov. 2025.

SOUZA, C. T. V. de et al. Exposição à desinformação e atitudes antidemocráticas no Brasil. Cadernos de Pesquisa, Araraquara, v. 27, n. 2, p. 80-104, maio/ago. 2023. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/download/19715/20  075. Acesso em: 25 nov. 2025.

VALENZUELA, S.; BACHMANN, I. The mixed effects of digital media on democracy. Nature Human Behaviour, [S. l.], v. 6, p. 1356–1358, 2022. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41562-022-01460-1. Acesso em: 25 nov. 2025.

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Acadêmico do curso de Ciência da Computação da Ulbra Palmas

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