Identidade: a neuropsicologia e o Transtorno Dissociativo de Identidade

Identidade (Identity, 2003), filme dirigido por James Mangold, baseado no romance de Agatha Christie, Ten Little Niggers, desenvolve seu enredo em um motel de rodovia no qual dez pessoas se abrigam durante uma forte tempestade e, misteriosamente, começam a ser assassinadas tendo um número como elo perturbador entre eles. O que parecia desgraça coletiva se revelou uma trama sinistra de suspense e emoções fortes envolvendo a IDENTIDADE patológica de um homem que provoca a imaginação ao mostrar as várias faces da dor.

A busca pela gênese da violência é tema recorrente, não se chegando a uma resposta ainda que pesquisas apontem para fatores biológicos e, para citar algumas, os processos disfuncionais nas regiões sobcortial e cortical, além de lesões morfológicas de certos centros cerebrais, particularmente o sistema límbico, lobos temporais e frontais que se destacam no presente estudo. A maior parte do lobo frontal está reunida sob o termo “funções executivas”, designando o lobo frontal como responsável por controlar antecipadamente as ações de planejamento, seleção de respostas, inibição, atenção no acompanhamento enquanto a ação se desenrola, verificando o resultado posterior. O resultado do funcionamento normal das funções executivas permite ao sujeito instrumentalizar, neurologicamente, o processamento de suas ações através da memória operacional, parte da cognição que o leva a análise, planejamento, tendo presente as consequências do que vai fazer. Caso contrário, fica à mercê da satisfação imediata por lhe faltar a atuação dessa função.

Transtorno Dissociativo de Identidade

 De acordo com Junior, Negro e Louzã (1999, s/p) os Transtornos Dissociativos, apresentam como características centrais o “distúrbio das funções integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente”. No caso do personagem principal, o Transtorno é Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo o DSM V (p. 292) tem como característica essencial “a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou a experiência de possessão”. É o que se passa com o protagonista da trama, que exibe personalidades distintas, com sexos opostos, faixas etárias diversificadas, apesar de histórias de vida com traços semelhantes, no caso, a data de aniversário e o nome que faz apologia a cidades americanas.

Segundo Freud (1910, 1909/1996, p. 35 apud Faria, 2008) “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro”. Isso era bastante perceptível no filme, uma vez que mesmo uma personalidade sendo assassinada a outra continuava ilesa e sem consciência de quem era o verdadeiro assassino. A morte das pessoas/personalidades se dá pelo fato do condenado estar submetido a um tratamento psiquiátrico que visa destruir as personalidades secundárias e isolar a personalidade primária, que no geral apresenta aspectos contrastantes com as ideacionais.

Ono e Yamashiro (s/d) apontam a relação causal entre patologia e um evento traumático, no qual o sujeito não vê mais solução além de “abandonar” sua mente, para preservá-la. Os autores falam ainda, que crianças utilizam muito esse mecanismo a fim de se defenderem contra a dor física e emocional, o que consta também no DSM V (p. 294), que diz que o TDI “está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância”. Podemos, mais uma vez, perceber um vínculo entre a história pessoal do paciente/protagonista e a patologia atual, uma vez que ele foi abandonado por sua mãe em um hotel, quando criança, sendo essa uma experiência extremamente dolorosa e que possivelmente desencadeou o transtorno.

Quando a alternância dos estados de personalidade não é percebida diretamente, dois conjuntos de sintomas auxiliam no diagnóstico sendo eles “alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações e amnésias dissociativas recorrentes” (DSM V, p. 292 e 293). No longo metragem o personagem não apresentava recordações acerca de suas outras personalidades. Percebendo-se, portanto, a alteração na memória de curto prazo. Para Gonçalves (2014) a consolidação temporal da memória de curto prazo é composta pelo hipocampo, amígdala, o giro para-hipocampal e pelo córtex entorrinal, em seguida as informações são encaminhas para áreas de associação do neocórtex parietal e temporal.

Em paralelo com o descrito a cima, a película demonstra as diferentes identidades interagindo entre si através das personagens: Policial Rhodes (Ray Liotta), Ed Dakota (John Cusack), motorista particular de uma artista Caroline Suzanne; um casal em viagem, Ginny e Lou; Robert Maine o prisioneiro escoltado e uma família com filho. Ainda sobre memória de curto prazo , vê-se que o hipocampo intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados” (GRAY (1982, apud Gonçalves, 2014, s/p). Já a amígdala, para Gonçalves (2014) tem participação nos processos de seleção, e como consequência, sua função é de modular a consolidação da memória em situações estressantes.

Vermetten et al (2006) apresenta em seu estudo a relação direta do volume hipocampal e amigdalar com o TDI, esses autores examinaram o volume do hipocampo e da amígdala em pacientes com TDI. O transtorno tem sido associado com a história da terre infância, e traumas ocorridos nesse período. Como resultado o volume hipocampal foi 19,2% menor e a amígdala foi 31,6% menor em pacientes com TDI, comparado com sujeitos saudáveis (sem o diagnóstico).  A relação desses volumes foi significativamente diferente entre os grupos como exemplifica o gráfico 1.

Gráfico 1 – Volume hipocampal e amigdalar em pacientes com TDI comparado com sujeitos saudáveis

Alguns neurotransmissores também podem contribuir para o processo de memorização, exemplo deste, é a substância P que pode reforçar ou prejudicar a memória, isso dependerá do local onde ela se encontra, destaca Gonçalves (2014). Vermetten et al (2006) apresenta um estudo de Riscoll et al. (2003), o qual afirma que neurotransmissores como o glutamato e a serotonina poderiam ter efeitos no volume do hipocampo e da amígdala.

O Glutamato é o neurotransmissor mais abundante e excitatório no cérebro e atua também no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado, na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão.  Ele também possui mecanismos que fazem parte da base fisiológica de processos comportamentais como cognição e memória. Além disso, pode funcionar como toxina poderosa capaz de produzir doenças neurodegenerativas quando em elevadas concentrações (Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, e Doença de Huntington) e quando em baixas concentrações pode levar a esquizofrenia (VALLITI; SOBRINHO, 2014).

Já a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica. Assim como Vermetten, Sancar (1999) comenta que está determinado que o estado de extremo estresse (também presente no TDI) está relacionado com aumento na produção de neurotransmissores como norepinefrina (noradrenalina), dopamina e serotonina.

Fonte: http://zip.net/bktJ1n

Nesse sentido a noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é definida como o hormônio precursor da adrenalina ou como o neurotransmissor que aumenta a pressão sanguínea através da vasoconstrição periférica generalizada. Também é usada no sistema de alerta e na memória.  Ela é liberada em resposta a modificações no meio e em resposta a stress, e ajuda na organização de respostas a estes desafios. O desequilíbrio entre ela e outras substâncias pode causar diversas doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade e recuperação após lesão cerebral traumática (SCHERER, 2008; ANDRADE et al, 2003).

A dopamina, por sua vez, faz parte da família das catecolaminas de neurotransmissores, juntamente com a norepinefrina e epinefrina. Trata-se de um inibidor e possui diferentes funções em diferentes, dependendo de sua localização. Junto com a endorfina é responsável pelo sentimento de euforia, é capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer.  Esse neurotransmissor é essencial para execução de movimentos suaves e controlados e sua falta é a causa da doença de Parkinson, a qual faz a pessoa perder a habilidade de controlar seus movimentos (Andrade et al, 2003).

E a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica.

Fonte: http://zip.net/bqtKYq

Além destes, outro neurotransmissor importante é o hipotálamo, que atua em praticamente todos os processos comportamentais humanos, entre eles a alimentação, comportamento sexual, sono, regulação da temperatura corporal, comportamento emocional e movimentos corporais. Além disso, vale ressaltar a importância do hipotálamo no controle da produção de diversos hormônios do corpo, por meio de sua interação com a hipófise, apontam Kolb e Whishaw (2002). De acordo com Meneses (2006) o hipotálamo é responsável por controlar e harmonizar funções metabólicas, endócrinas e viscerais, agindo como uma interface entre meio externo e o meio interno. Além de exercer controle sobre a produção de diversos hormônios do corpo, por meio de interação com a hipófise.

O longa metragem Identidade expõe ao telespectador contemporâneo a realidade vivenciada pela pessoa que é acometida pelo TDI. A realidade fictícia permito o espectador vivenciar a conturbada experiência subjetiva do TDI. Esse transtorno está no grupo daqueles que, por enquanto, não há pesquisas conclusas; no sentido que não se tem comum acordo quanto sua etiologia e ainda seu tratamento. O tratamento para tal desordem é feito de forma sintomatológica e a busca de minimizar os prejuízos, por exemplo, tratar o estresse e a depressão, fatores que já se sabe estarem ligados na manutenção do TDI (NATHAN e GORMAN, 2002). Dessa forma, o filme provoca ao profissional da saúde a necessidade de compreender os transtornos em seus fatores biopsicossociais.

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Arlington). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p.

Driscoll I, Hamilton DA, Petropoulos H, Yeo RA, Brooks WM, Baumgartner RN, Sutherland RJ. The aging hippocampus: cognitive, biochemical and structural findings. Cereb Cortex.2003;13:1344–1351.

ANDRADE, R. V. SILVA, A. F. MOREIRA, F. N. SANTOS, H. P. DANTAS, H. F ;  ALMEIDA, I. F. LOBO, L. P. NASCIMENTO, M. A. .Atuação dos Neurotransmissores na Depressão. Revista das Ciências Farmacêuticas, Brasília, v1. nº 1, 2003.

FARIA, M. A.. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. 2008. Disponível em: <http://migre.me/wGEp0>. Acesso em: 18 de Março de 2016.

GONÇALVES, M. Psiquiatria na prática médica, 2014. Acesso em: 17 de Março de 2016 Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano14/prat0114.php.

IDENTIDADE. Direção de James Mangold. Produção de Cathy Konrad. Roteiro: Michael Cooney. Música: Alan Silvestri. 2003. (91 min.), son., color. Legendado.

JUNIOR; NEGRO; LOUZÃ. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos, 1999. Disponível em: http://migre.me/wGEjR Acesso em: 17 de Março de 2016.

KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. Barueri: Editora Manole Ltda, 2002.

MENESES, M. S. Neuroanatomia Aplicada. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2006

NATHAN, P. E.; GORMAN, J. M.. A guide to treatments that worl. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2002. 680 p. Disponível em: <http://migre.me/wGEm8>. Acesso em: 19 mar. 2016.

ONO, M. K.; YAMASHIRO, F. M. Múltiplas personalidades: o distúrbio dissociativo da identidade. Disponível em: <http://migre.me/wGEmm>. Acesso em: 18 de Março de 2016.

SANCAR, F. Exploring Multiple Personality Disorder. 1999. Disponível em: <http://migre.me/wGEoe>. Acesso em: 13 mar. 2016.

SCHERER, E. A. Estudo de Neurotransmissores Relacionados à depressão e psicose em amostras de cérebro humano de pacientes submetidos á cirurgia por epilepsia de lobo frontal. Ribeirão Preto, 2008. 117 f. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

VALLITI, L. G. SOBRINHO, J. A. Mecanismo de Ação do Glutamato no Sistema Nervoso Central e a relação com Doenças Neurodegenerativas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2014.Disponível em: <http://migre.me/wGEkDf>. Acesso em: 15 mar 2016.

VERMETTEN, E. et al. Hippocampal and Amygdalar Volumes in Dissociative Identity Disorder. The American Journal Of Psychiatry. Rockville, p. 630-636. 4 abr. 2006.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

IDENTIDADE

Diretor: James Mangold
Elenco: John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet, Alfred Molina;
País: USA 
A
no: 2003
Classificação: 16