Não importa como articulamos, todos sabemos intuitivamente o significado da intuição, já que para o senso comum, é a faculdade de compreender, identificar ou pressupor a realidade sem depender de um conhecimento empírico, raciocínios complexos ou avaliação específica. Ou seja, é um pressentimento, aquele sentimento visceral, inconsciente que nos impele a acreditar em algo sem saber realmente o por quê. Em termos filosóficos e epistemológicos, a intuição em Henri Bergson (1859 – 1941), vai muito além dessa concepção. É um método filosófico, para conhecer a realidade, não apenas para descobrir algo, mas, sim, conhecê-lo verdadeiramente. Chamado assim, de método intuitivo.
Henri Bergson foi um dos grandes filósofos franceses do século XX, influenciando futuros filósofos e psicólogos de sua época, incluindo William James. Nascido em 1859, contexto caracterizado pela filosofia positivista e materialista, no qual se acreditava que só podemos conhecer alguma coisa de fato quando relacionadas a nós mesmos. Discordando de tais conceitos, Bergson tornou-se conhecido como o filósofo da duração, pois como metafísico, explorou o vitalismo, ou teoria da vida, criando o método de conhecimento da intuição da duração. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1928. Morreu aos 81 anos, em 1941.
Bergson acreditava que existem dois tipos de conhecimento. O relativo, caracterizado pelo conhecimento de algo a partir de uma perspectiva única e particular inerente aos sujeitos. Compreensão tal, adquirida pelo intelecto e pela razão, onde nos distanciamos do objeto para analisá-lo. E o conhecimento absoluto, que significa conhecer os objetos no mundo como eles realmente são, através da apreensão intuitiva da verdade. Para Bergson, esta última é uma forma direta de conhecimento, na qual, a intuição caminha na mesma direção da vida.
Segundo Barroso (2009, p. 3):
Mesmo nas aparentes divergências que os filósofos têm, em suas filosofias, a respeito da definição desses dois termos, eles concordam em um ponto: “que existem duas maneiras profundamente diferentes de se conhecer uma coisa”. Uma implica que se dêem voltas em torno dessa coisa. Isso depende do ponto de vista no qual nos colocamos e dos símbolos que usamos para exprimi-la. A outra maneira requer que entremos na coisa, ou seja, que coincidamos com ela. Esta segunda maneira de conhecer não se prende a nenhum ponto de vista e não se apoia em nenhum símbolo. É, segundo Bergson, por esta segunda maneira que se é capaz de chegar ao absoluto.
Para Bergson, a ciência é apenas uma das formas humanas de pensamento exteriorizado. Em que, a intuição, outra matriz do pensamento humano, nos faz voltar à consciência para a duração interior, onde cada fato seria interpretado de tal forma que escapam à lei, à medida e à interpretação espacial das coisas. De acordo com Ribeiro (2013, p. 97), “partindo do interior, voltando-se para dentro, fugindo de uma análise positivista sobre a realidade, a intuição parte do eu superficial, da camada menos imediata da consciência, e vai em direção ao eu profundo, dos sentimentos”.
Bergson acreditava que a intuição está ligada ao nosso elán vital (força vital) que interpreta o fluxo da experiência temporal, permitindo a apreensão da singularidade de um objeto por conexão direta. Sendo assim, a intuição caminha na mesma direção da vida, ou seja, é ver o mundo no âmbito do nosso senso interno de desdobramento do tempo, não da análise da realidade, mas da essência da própria vida. A intuição, para Bergson, é a coincidência com o objeto estudado, o simpatizar-se com as coisas, é o abster-se por um momento da separação entre sujeito e objeto para apreender o que é o objeto, nele mesmo, sem intervenção da linguagem, dos conceitos ou dos símbolos, imergindo, assim, na duração real (RIBEIRO, 2013, p. 102).
Considerando a quase indivisível relação entre o sentido da intuição para o filósofo francês e a forma totalmente inusitada, para muitos, com a qual Bergson categorizou, por assim dizer, de duração, ou seja, o transcorrer do tempo. Para melhor compreensão do método intuitivo, faz-se necessário que analisemos mais profundamente a própria maneira como a maior parte da sociedade atual se remeter ao tempo.
Devemos perceber que os registros por nós utilizados para demarcar o que chamamos de “tempo” se refere a uma mensuração pautada em um fato fundamentado por uma analogia histórica, ou seja, quando eu me refiro a 12 horas de um determinado dia, faço alusão ao “exato” momento em que o sol pareceu estar no centro do céu para quem o observasse da mesma forma em que fez nos dias anteriores devido a ciclos repetidos pelo planeta. A grande questão, é que isso nos dá a ilusão de que retornaríamos ao mesmo tempo quando novamente chegássemos a essa hora dos dias seguintes.
Uma grande diferença entre a teoria de Bergson e a maioria das de outros filósofos é que, ele nos demonstra o fim como parte inerente do todo, logo, o morrer/deixar de existir é inexoravelmente constituinte do viver/existir. A partir disso, ele contestava as teses de grande parte dos teóricos, inclusive religiosos, que traziam sempre alguma forma de continuidade para o ser. Sendo esta, no campo das ideias, ou em universos paralelos, como exemplo, o paraíso judaico-cristão.
Para melhor ilustrarmos, veja o exemplo: a primavera deste ano não seria uma repetição, muito menos uma continuação da do ano passado, mas sim uma estação nova com características semelhantes, dispondo de determinadas particularidades. Estas observações nos elucidariam de que o tempo se trata de um processo, que inclui transformações e historicidade, descartando a perenidade do conhecimento. Caracterizando assim, com tais exemplos, o conceito de duração em Bergson.
Sendo assim, devemos perceber que uma realidade regida por situações tão efêmeras não poderia ser estudada e descrita de forma demasiadamente rígida, ou seja, pelo conhecimento relativo, positivista, pois descaracterizaria a realidade dos fatos. Logo, a intuição viria como uma forma de melhor observar e registrar o que ocorre no mundo, visto que a mesma não é mediada por conceitos e raciocínios lógicos e nem recebida como algo revelado. A partir dessa discussão, o conceito de duração exemplificado acima constitui a essência do ser e “se identifica com o tempo não intelectualizado; ela não é sucessiva, nem mensurável, muito menos sujeita a uma espacialização, fragmentada, seja por meio dos símbolos, da linguagem, ou da própria ciência” (RIBEIRO, 2013, p. 99-100).
“Quando falamos de duração, podemos também falar de uma duração interior, um constante fluir da vida que não pode ser medido e que na realidade se manifesta como unidade.” […] “uma característica da duração é a fluidez que caminha sempre em direção ao novo e que é imprevisível” (FERNANDES, 2013, p. 41). A duração (tempo bergsoniano) só tem sentindo ao se relacionar a intuição, é a unidade e multiplicidade no ver, perceber e sentir o mundo, interpretando-o intuitivamente, percebendo assim, a singularidade dos aspectos que regem a realidade. “A intuição é a via que nos permite, por um esforço do espírito, simpatizar com as coisas e com nossa própria interioridade e percebê-las na duração. Isso nos possibilita um conhecimento da realidade naquilo que ela tem de única. Esse é um modo de contato com o mundo” (FERNANDES, 2013, p. 42).
Sem dúvida, a intuição filosófica é o contato com o que há de único na realidade, conhecendo-a a partir do interior das coisas, comportando em si graus de intensidade e profundidade. Proporcionando a quem se dispor a utilizar o meio intuitivo, a duração do real vivenciada por uma vida intuitiva, onde o conhecimento sobre o mundo será filosofia.
REFERÊNCIAS:
BARROSO, Marco Antônio. A intuição como método. Virtú (UFJF), v. 1, p. 1-24, 2009. Disponível em: <http://www.ufjf.br/virtu/files/2009/11/1-A-intui%C3%A7%C3%A3o-como-m%C3%A9todo-UFJF>. Acesso em: 05 de março 2017.
CASTELO, Rogério. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo Livros, p. 226-227, 2015.
FERNANDES, Diôgo Costa. A concepção de filosofia em Henri Bergson. Pensar-Revista Eletrônica da FAJE, v. 4, n° 01, p. 37–57, 2013. Disponível em: <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/viewArticle/2220>. Acesso em: 05 de março 2017.
RIBEIRO, Eduardo Soares. Bergson e a intuição como método na filosofia. Maríia: Kínesis, 2013, Vol. V, n° 09, Julho, p. 94-108. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/eduardoribeiro.pdf>. Acesso em: 05 de março 2017.