Concorre com 1 indicação ao OSCAR:
Melhor Filme de Animação
O quiproquó de premissas nos transmite essencialmente a beleza da trama. O espírito natalino não está em uma magia que irrompe as pessoas em um dia do ano, mas nas relações construídas entre as personagens.
O filme Klaus, dirigido pelo estreante como diretor, Sergio Pablos, foi lançado em 2019 na plataforma da Netflix consolidando ainda mais o serviço de streaming como digno de produzir conteúdos dignos de Oscar. Com oito filmes indicados esse ano, é provável que a plataforma não leve o prêmio de melhor filme de animação com Klaus, uma vez que o favorito é Toy Story. O que é uma pena, pois a película entrega um resultado cativante e bem humorado, além de demonstrar de maneira leve e delicada a forma como aprendemos os nossos paradigmas pessoais e familiares.
Klaus não é um filme de natal, ou pelo menos, não passa essa impressão. Apesar de ter essa finalidade comercial, a trama foge à regra de um espírito natalino que é sua própria essência, como algo pronto. A película, em diversos momentos brinca divertidamente com a construção do imaginário sobre o Papai Noel e as tradições de Natal.
A partir daqui, o texto contém spoilers
Na gélida Smeerensburg, o soberbo estudante de uma rigorosa academia postal, Jesper, chega como novo carteiro devido a uma tentativa de correção moral pelo seu pai e se surpreende com o clima de destruição e guerra entre famílias na cidade. Ninguém manda cartas em uma cidade em que as mensagens são entregues pela violência explicita. Nessas condições, Jesper vê sua porta de saída ao descobrir que o recluso lenhador Klaus entrega um brinquedo a uma criança da qual recebeu um desenho acidentalmente em um envelope de carta.
A principal premissa de Jesse é que “todo mundo sempre quer algo em troca”, e ele precisa trocar 6000 cartas pela sua liberdade da cidade. Jesse começa então a incentivar as crianças a escrever cartas a Klaus. Porém, nesse encontro, seus paradigmas sofrem um grande impacto.
O espírito natalino é, essencialmente, a gentileza humana
Enquanto seres humanos nossos comportamentos são movidos por crenças, regras de percepção do mundo. Para denominar essa forma como percebemos e atuamos no mundo, usamos consensualmente o termo paradigma. Nossos paradigmas (ou premissas) são resistentes filtros que selecionam dados para nossa percepção, de um modo que acreditamos muitas vezes, que a nossa forma de fazer/ver algo é a única forma “correta” de ter êxito em uma situação (VASCONCELLOS, 2016).
Jesper não era o único a exercitar seus paradigmas na cidade, pois Klaus também era pulsionado por uma forte premissa: “um ato gentil de verdade sempre gera mais gentileza”. Os brinquedos doados suscitaram atos de paz e alegria entre as crianças, e as mensagens agora eram de harmonia e mais gentileza. Essa reação em cadeia faz com que os inocentes descendentes das famílias arquirrivais Krum e Elingboe brinquem juntos.
Nem sempre conseguimos lembrar quando foi que aprendemos nossas premissas, mas as pequenas crianças são levadas ao hall do ódio entre suas famílias, relembrando séculos de conflitos, dos quais nem suas famílias lembram como começou. Talvez essa seja a grande questão que a película deixa como provocação ao espectador: como aprendemos a acreditar que deveríamos nos manter dentro de um determinado paradigma? O que nos leva a seguir rigidamente nossas premissas?
Para as famílias Krum e Elingboe o paradigma do ódio foi tão rígido que se transformou em um paradoxo, pois, precisaram “se unir em paz para acabar com a paz”. Nesse sentido, Jesper e Klaus e seus aliados precisaram ser corajosos para cumprir a ideia de distribuir presentes na véspera de natal. Para difundir um novo paradigma é necessário que haja confiança e fé nas novas ideias, pois isso representa um novo jeito de fazer as coisas, implicando em resistência (VASCONCELLOS, 2016). Desse modo, para que Jesper siga sua jornada, a flexibilização de paradigmas faz-se necessária. O jovem deve confiar e ter fé na premissa da gentileza para cumprir sua missão e desfrutar do amor de seus amigos.
Esse quiproquó de premissas nos transmite essencialmente a beleza da trama. O espírito natalino não está em uma magia que irrompe as pessoas em um dia do ano, mas nas relações construídas entre as personagens, no esforço para seguir a premissa da gentileza apesar dos sofrimentos da vida, e no amor que é construído a partir da união por um propósito. Propósito é, definitivamente o que não falta em Klaus.
FICHA TÉCNICA:
KLAUS
Direção: Sérgio Pablos
Elenco: Jason Schwartzman, J. K. Simmons, Rashida Jones;
Ano: 2019
País: Espanha
Gênero: Animação, aventura, comédia;
REFERÊNCIA:
VASCONCELLOS, Maria José Esteves. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. 10 ed. Papirus Editora, 2016.