Modernidade Líquida: um relato sobre ser docente em tempos pandêmicos

Este relato apresenta um olhar pontual sobre ser docente em tempos de pandemia, em especial sobre a dificuldade em usar as estratégias de ensino voltadas à tecnologia em um mundo em que alunos são, como diria Prenski (2001), nativos digitais. Mas, ao refletir mais profundamente, percebe-se que este aspecto possivelmente é apenas consequência de outro fenômeno: a fluidez (BAUMAN, 2000).

Harari (2018, p. 317) expressa o que parece bastante plausível tendo em vista a imprevisibilidade dos dias que vivemos: “Como podemos viver numa era de perplexidade, quando as narrativas antigas desmoronaram e não surgiu nenhuma nova para substituí-las?”

Fonte: Arquivo (En)Cena

Se as relações surgem e, antes mesmo de elas se findarem, irrompem novas situações – igualmente momentâneas – emerge a necessidade de se reaprender o que já fora aprendido e, para isso, esquecer rapidamente o que não é mais necessário. Nesse sentido, há que se tentar compreender como essa era –  marcada pela doença, que trouxe uma obsolescência quase certa –  afeta nossa vida em sociedade, inclusive as Instituições de Ensino, que foram bastante impactadas com essa fluidez, tendo em vista sua sólida e histórica estrutura (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017). Porém, esse é um caminho acidentado, principalmente no campo da educação, arraigada que é.

Masetto (2003) assinalou que, para a atuação docente nas instituições, exige-se precisão de conhecimentos, atualizações, domínio das técnicas e línguas. Mas, quanto à ação do professor propriamente dita, evidencia-se certo descaso com a tecnologia, com as diferentes estratégias que facilitam a aprendizagem, além da crença comum de que dominar o conteúdo é suficiente para que os estudantes aprendam.

Ocorre que, em um mundo assolado pelo vírus, se readaptar não é uma opção, mas como ensinou Bauman (2000), uma necessidade. Quase obrigatoriamente, estamos reaprendendo a ensinar, ainda que usássemos a tecnologia anteriormente em nossas aulas, mesmo que já tivéssemos sido professores na modalidade à distância.

Rapidamente tivemos que revisitar a nossa absoluta solidez. Agora, não é prudente sermos sólidos e mantermos facilmente a forma, com nossas claras certezas e dimensões. Não. O cenário é de dor e o isolamento impede as aulas presenciais. A partir de agora, a fluidez. O contexto das diretrizes a cada minuto. A cada dia. A cada dez dias. Ouso sugerir que a modernidade líquida de Bauman (2000), nunca foi tão adequada, porque é impensável nos atrelarmos as formas anteriores.

Metaforicamente, Bauman (2013) comparou professores e alunos a mísseis balísticos. Os mísseis, ao iniciarem seu percurso, eram perfeitos para alvos pré-determinados e fixos. Contudo, tais qualidades foram superadas quando os alvos começaram a se mover erroneamente e mais rápido que os mísseis, prejudicando os cálculos iniciais e a trajetória exigida (BAUMAN, 2013). Os mísseis somos nós, os professores. Os alvos, os alunos.

Fonte: Arquivo (En)Cena

Problematizando a metáfora, é visível a necessidade premente que nós, professores e nossos alunos tenham, diante dessa fluidez, de aprender não ao final, mas durante a experiência e o percurso da aprendizagem, bem como de esqueceremos o que já foi aprendido se não fizer mais sentido. “Assim, o que precisam que lhes forneçam de início é a capacidade de aprender, e aprender depressa. Isso é óbvio. O que é menos visível, porém, […], é a capacidade de esquecer instantaneamente o que foi aprendido antes” (BAUMAN, 2013, p. 17).

A modernidade líquida (e agora, pandêmica) reestreia a era da liquefação dos arquétipos de obediência e convívio e “[…] são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar, mas como todos os fluidos, eles não mantem a forma por muito tempo” (BAUMAN, 2000, p. 22). Ou seja, manter as formas pré-determinadas em um contexto social caótico, é quase tão difícil quanto nelas permanecer, o que exige mudanças constantes. Aliás, como afirma Harari (2018), a mudança é a única constante!

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

______. Sobre educação e juventude: conversas com Riccardo Mazzeo. Zahar, 2013b.

DIESEL, Aline; BALDEZ, Alda Leila Santos; MARTINS, Silvana Neumann. Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. Revista Thema, v. 14, n. 1, p. 268-288, 2017.

MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. Summus editorial, 2003.

PRENSKY, Marc. Nativos digitais, imigrantes digitais. On the horizon, v. 9, n. 5, p. 1-6, 2001.

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino da UNIVATES. Coordenadora Adjunta e professora do Curso de Direito do IESC/FAG. E-mail – camila.rossatto@iescfag.edu.br