Nasce uma Estrela: Lady Gaga se despoja de artifícios e traz música à superfície

Concorre com  8 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Mixagem de Som, Melhor canção original

Em todos os bons momentos
me vejo desejando uma mudança
E, nos momentos ruins,
tenho medo de mim mesma
(Tradução de versos da música Shallow,
de Lady Gaga e Bradley Cooper)

Star is Born é a quarta versão da história de uma estrela que nasce enquanto outra se apaga. Até 1970, a cada duas décadas esta história era novamente contada. A primeira produção ocorreu em 1937, quando William Wellman dirigiu Janet Gaynor como a jovem atriz que se apaixonava por Fredric March, o ídolo alcoólatra e desiludido. Judy Garland e James Mason reprisaram os papéis no clássico de Cukor em 1954, quando novamente a estrela era uma atriz, e sua estreia em um musical ocupou 15 minutos do filme. Só em 1976, no remake de Frank Pierson, que há uma mudança de cenário, os bastidores do cinema dão espaço ao mercado musical, com Barbra Streisand no papel principal e Kris Kristofferson como uma estrela de rock em declínio.

Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.

Depois de mais de 40 anos, nossa geração finalmente ganha sua versão de Star is Born, e a espera não poderia ter um resultado mais interessante. Bradley Cooper estreia na direção (além de ser co-roteirista, ter o papel masculino principal do filme e colaborar na composição da canção principal) e traz como estrela da sua versão de Star is Born nada menos que a rainha do pop, Lady Gaga, até então vista, na maior parte de suas apresentações e saídas públicas, com adereços espetaculares, roupas inusitadas (quem não lembra daquele vestido de carne?) e performances acrobáticas (vide o show no Super Bowl https://www.youtube.com/watch?v=txXwg712zw4). Além disso, Gaga é dona de uma voz poderosa, toca vários instrumentos e compõe suas próprias músicas (grande parte das composições do filme tem sua assinatura). Isso, mais sua personalidade intrigante, sempre a colocaram em um patamar elevado nesse competitivo e implacável cenário musical do século XXI.

Mas, voltando ao filme, Jackson, o country-roqueiro que passa grande parte da sua vida alcoolizado (interpretado por Bradley Cooper) tem uma visão bem particular sobre a música. Sua visão parece ser a metáfora ideal para explicar porque uma história tão batida ainda chama tanto a atenção e é tão aclamada pelo público e pela crítica. Ele dizia que “a música é essencialmente 12 notas entre qualquer oitava. 12 notas e a oitava se repete. É a mesma história contada várias vezes, para sempre. Tudo que um artista pode oferecer ao mundo é como ele vê essas 12 notas. Só isso.” E acrescentou que amava como Ally (Lady Gaga) as via. Talvez aí esteja o segredo do sucesso do filme, a história tem um mesmo esqueleto, mas quando vemos Ally aparecer em um palco de um bar cantando “La Vie en Rose”, e Jackson é atraído por aquela voz, aceitamos embarcar na história novamente, mesmo já presumindo o inevitável final. A química entre eles, citada em toda crítica e entrevista sobre o filme, salta da tela. Isso e mais uma Ally tão diferente da imagem que temos da Lady Gaga, ou seja, mais vulnerável (sem ser fraca), quase nenhuma maquiagem e com um cabelo sem produção tornaram essa versão de Star is Born especial e, por que não, única.

Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.

A impressão que temos é que os dois se apaixonam, especialmente, pelo talento um do outro. Para Jackson, um artista precisa ter algo a dizer, não basta ser apenas uma voz, e ele via isso em Ally, pela forma natural que a música nascia dela. Shallow, a música tema, é apresentada pela primeira vez em um estacionamento, na noite que eles se encontraram. Na música, Ally mostra que em pouco tempo já entendeu a falta de sentido e o desassossego que marcam a vida dele (Diga-me uma coisa, garoto, você não está cansado de tentar preencher esse vazio? Ou você precisa de mais? Não é difícil manter isso tão extremo?). Na próxima vez que a música vem à tona, é no show dele, quando a convida para cantar no seu show de surpresa e começa a entoar um verso que compôs para ela: “Diga-me uma coisa, garota, você está feliz neste mundo moderno? Ou precisa de mais? Há algo mais que está procurando?”. E nestes versos são apresentados como um vê o outro, mas, especialmente, como a história de cada um fatalmente os separará.

Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.

Segundo Peter Travers, da Rolling Stone [1], o papel de Ally foi geralmente interpretado como uma moça ingênua à procura de orientação em um mundo de predadores masculinos. Mas, sorte a nossa – e do filme – Gaga não faz a ingênua. Ally sabe de seu potencial, sabe que é boa, apesar de ter sido preterida por uma indústria que gosta de seu som, da sua voz, mas não da sua aparência.

Dois outros relacionamentos são trazidos à tona no filme: a relação da Ally com seu pai, um cantor frustrado, mas amável e presente; e de Jackson com seu irmão mais velho, Bobby (Sam Elliott), que também tinha sido um cantor, mas abriu mão de sua carreira para apostar no irmão mais talentoso, que além da voz, também criava suas composições. A bebida não fez de Jackson um homem violento ou fanfarrão, como em algumas das versões anteriores do filme, mas levou-o a um estado mais autodestrutivo, presenciado, em alguns momentos, por seu irmão.

Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.

Na segunda parte do filme temos conhecimento do passado do Jackson, da sua vida com o pai alcoólatra e da sua tentativa de suicídio aos 13 anos, também vemos Ally atingir o estrelato de forma meteórica. Meteoros iluminam, mas também destroem. Nem sempre o amor ou a arte são capazes de mudar a direção de uma pessoa. A jornada obscura que Jackson travava em sua mente e em seu organismo enfraquecido pelo vício mostrou-se, muitas vezes, uma jornada solitária e, em alguns aspectos, doentia.

Assim, cada vez mais distantes da parte rasa e, talvez, por isso mesmo, estupidamente tranquila da vida, tem-se o ápice da jornada de ambos. A ícone pop e o artista em declínio parecem, em um dado momento, vivenciar um dos aspectos mais estranhos da física quântica, o entrelaçamento quântico, aquilo que Einstein nomeou uma vez como uma “ação fantasmagórica à distância” [2]. Isso é notado quando dois objetos estão em uma espécie de paralelo infinito, mas em um dado ponto (neste caso, a música), misteriosamente, se encontram. De certa forma, algumas músicas podem tocar vários pontos equidistantes e heterogêneos, podem até ultrapassar nossa noção de espaço e, especialmente, de tempo. Talvez para Ally e Jackson, a música é a constante em meio a turbulência, conectando-os a muitos outros que são tocados pelas suas composições, mesmo que todos pareçam estar sempre em um infinito e angustiante movimento.

FICHA TÉCNICA:

NASCE UMA ESTRELA

Título original: A Star Is Born
Direção: Bradley Cooper
Elenco: Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott;
Ano: 2018
País: EUA
Gênero: Drama, Música

REFERÊNCIAS:

[1] https://www.rollingstone.com/movies/movie-reviews/a-star-is-born-movie-review-lady-gaga-729475/

[2] https://www.sciencemag.org/news/2018/04/einstein-s-spooky-action-distance-spotted-objects-almost-big-enough-see

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.