A neurodiversidade é um conceito que surgiu recentemente em 1996 em um livro escrito pela socióloga Judy Singer em Sydney na Austrália, sendo uma concepção bem abrangente sobre a formação cerebral e neurológica humana, que sugere uma perspectiva na qual as peculiaridades dos sujeitos autistas são variações humanas normais. Por meio dela é possível envolver uma gama de espectros que alteram o comportamento, sensações, comunicação, sociabilidade, dentre outros mais, das pessoas com o transtorno e como elas são afetadas em diferentes graus. Trazendo assim, uma perspectiva de tolerância das diferenças (CARDIERI, 2018).
O transtorno do espectro autista (TEA) é uma síndrome neuropsiquiátrica que decorre em déficits de sociabilidade, comportamento e comunicação que são detectados ainda nos primeiros anos de vida da criança. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais eficiente o tratamento e melhor a qualidade de vida do indivíduo. Acredita-se que o TEA esteja associado a fatores genéticos e neurobiológicos (GOMES et al, 2015).
Pelo viés de identidade, Foucault (2013) defende que, com base na neurodiversidade, existem as pessoas neurotípicas (molde o qual todos deveriam pertencer) e neuroatípicas (autistas), sendo que estes deveriam buscar cura e tratamento, sendo vistos como deficientes e possíveis de exclusão do convívio social. Com base nisto, pode-se afirmar que as famílias de crianças com TEA sofrem para incluir seu filho (a) no ambiente social, uma vez que, a criança já possui fatores decorrentes do transtorno que a diferencia dos “padrões de normalidade” e juntamente com a perspectiva social dificulta este convívio.
Compreender do que se trata o TEA e atuar para que a criança se sinta incluída no contexto social e familiar é um grande desafio para familiares e profissionais da equipe multiprofissional que acompanha o tratamento. Neste contexto, a neurodiversidade busca a dignidade e equidade para os autistas, uma vez que, todas as pessoas possuem concepções psíquicas distintas. Sendo isto, o que ocorre com pessoas autistas, elas possuem experiências, concepções, emoções, sensações e conhecimento individuais, elas têm uma constituição psíquica particular, isto é, “sua própria forma de ver o mundo”, assim como todas as pessoas “neurotípicas” (HENRIQUES; CARVALHO, 2018, p. 99).
As diferenças neurológicas são apontadas como diferenças naturais no genoma humano o que leva a compreensão de diversos significados na percepção da realidade dos sujeitos de síndromes e transtornos associados ao neurodesenvolvimento. O que temos de partilhar na sociedade é justamente as diferenças e não as semelhanças entre os indivíduos, pois o comportamento humano é evidenciado pelas experiências e vivências ao longo da vida (BENEDETTO, 2020).
Assim, o autismo deveria ser visto como aspecto de normalidade humana e não o inverso. Para a neurodiversidade, respeitar e compreender as “deficiências” de cada criança autista é uma forma de enfrentar as dificuldades promovendo uma forma digna de cuidado e modelos educativos que buscam melhorar a assistência prestada.
Para Henriques e Carvalho (2018, p. 101), a sociedade precisa estruturar um acompanhamento psicológico e psicanalítico para crianças autistas com base na “escuta das diferenças” que significa que modelos subjetivos permitem compreender melhor a necessidade de cada sujeito e assim propor a melhor forma de acompanhamento/tratamento, isto associado ao diagnóstico precoce, às classificações sintomatológicas e a trajetória do indivíduo.
Os atendimentos clínicos a sujeitos com autismo e suas famílias é de certa forma generalizado, um erro que traz dificuldades de se lidar com o transtorno e obter um diagnóstico específico. É necessária uma ampliação de estudos e pesquisas que contribuam para a mudança no modo de aprender e lidar com o indivíduo com autismo tanto para inserção social como para vida familiar (CARDIERI, 2018).
Pois a vida familiar de indivíduos com autismo seja de sintomas, com menos ou maior severidade, em muito contribui para a formação de sujeitos que são capazes de conviver em harmonia socialmente e de se sentir parte de determinado núcleo social, bem como intervenções precoces, fortalecimento familiar e um acompanhamento profissional busca melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Embora, a cultura retrate o TEA como um transtorno que faz do indivíduo um ser “fora do padrão normal”, a neurodiversidade está aí para provar o contrário, que somos pessoas dotadas de características físicas e psíquicas únicas e nem por isso estaremos fora de um padrão cultural/social.
Referências
CARDIERI, Mariana Prates. Estudos culturais, neurodiversidade e psicanálise: um lugar para o autismo. 2018. Tese de Doutorado. Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneas.
BENEDETTO, Mayne Souza. Autismo sem ismo: a neurodiversidade e a experiência interior por uma etnografia não normativa. 2020. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
FERREIRA, Nelcirema da Silva Pureza et al. Qualidade de vida dos familiares de pessoas com Transtorno do Espectro Autista. 2018.
FOUCAULT, M. História da sexualidade I. Rio de janeiro: Graal, 2013.
GOMES, Paulyane TM et al. Autismo no Brasil, desafios familiares e estratégias de superação: revisão sistemática. Jornal de pediatria, v. 91, n. 2, p. 111-121, 2015.
HENRIQUES, Bruna; CARVALHO, D.’Alincourt. Autismo e neurodiversidade: inclusão das diferenças. ANAIS VII CONINTER, p. 95. 2018.