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Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 e morreu no dia 25 de agosto de 1900. Sua família era luterana, sendo que dois dos seus avós eram pastores, porém, a aproximação de Nietzsche com a filosofia, durante a adolescência afastou-o de uma possível carreira teológica. Além de importante filósofo do século XIX, Nietzsche também foi filólogo, poeta e compositor alemão.
Ler Nietzsche não é tarefa fácil, pois exige do leitor uma percepção acurada acerca do sentido proposto nos escritos desse filósofo em determinado texto. Segundo Klossowski (2000), devemos “(…) querer ser outro diferente do que se é para se tornar o que se é”. Ou seja, devemos ir em busca do novo, daquilo que nos tira de nossa zona de conforto. E quanto a isso, a leitura da filosofia de Nietzsche, consegue fazê-lo facilmente, pois incomoda, de fato, qualquer indivíduo que se propõe a ler suas obras.
A filosofia de Nietzsche é um convite ao abandono de formas apriorísticas de ser e de pensar, disciplinada pelos valores morais institucionalizados e niilistas, que anulam a produção de si mesmo em favor da funcionalidade social. Nietzsche é conhecido por sua crítica assídua aos valores tradicionalmente morais, ditadores do bem e do mal, que regem a vida em benefício do Estado.
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A concepção desse ponto de vista vai ao encontro do pensamento de Ferreira que, a partir do pensar nietzscheanamente, assevera que “corremos o risco de nos resignarmos por vivermos apenas como uma função social e não como uma alegre produção de nós mesmos. Teremos uma experiência insossa, que torna a vida um grande fardo” (FERREIRA, 2010, p.04).
Sua hostilidade frente ao racionalismo, a ideia de que a vida do indivíduo encontra-se em constante devir, além das demais críticas feitas à cultura como um todo, mostram-se vigentes na seguinte declaração, referente ao “problema de Sócrates”, em uma de suas obras, acerca da vida
Em todos os tempos os sábios fizeram o mesmo juízo da vida: ela não vale nada… Sempre em toda parte ouvimos sair de suas bocas a mesma palavra – uma palavra repleta de dúvida, repleta de melancolia, repleta de cansaço de vida, repleta de resistência contra a vida. Mesmo Sócrates disse ao morrer. “Viver – é estar há muito tempo enfermo.” […] Mesmo Sócrates tivera o bastante disso. – O que isso demonstra? O que isso mostra? (NIETZSCHE, 2001, p.14).
Para Nietzsche, o único mundo que existe é exclusivamente o mundo onde vivemos. Todas as coisas que existem estão neste mundo. Partindo desse pressuposto, as ideias desse autor vão de encontro às concepções religiosas vigentes da cultura ocidental, visto que a crença predominante está na existência de um Ser e de um plano espiritual superiores, o que transcenderia o mundo material em que vivemos.
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Ferreira (2010) diz que, ao ir de encontro a metafísica tradicional, Nietzsche afirma que o único mundo existente é o imanente. Ou seja, o único mundo que o indivíduo faz parte e possui acesso é o das sensações, sentimentos e das mudanças constantes, causando então, uma modificação no corpo do sujeito, no decorrer desse processo de transformação. “O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas” (NIETZSCHE apud PASCHOAL, 2002, p. 136).
Especificamente neste aspecto, o pensamento de Nietzsche contrapõe-se à concepção da existência do mundo das ideias de Platão, pois, para o primeiro autor, o único mundo que existe é este, e as nossas ações/pensamentos não são imagens retorcidas – imperfeitas – de um espelho do mundo perfeito. “Não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio, que simplesmente estejam à disposição, aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência.” (ABEL, 2002, p. 12).
Buckingham diz que, para Nietzsche, este é um momento chave, pois
Quando apreendemos o fato de que existe apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores, até mesmo o significado do que é ser humano (BUCKINGHAM et al. 2011, p. 219).
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A partir do pensamento nietzschiano, a essência do mundo é a vontade de potência ou vontade de poder, sendo que esta seria a força propulsora de todas as relações do mundo. Tais relações estariam em constante desigualdade, considerando que sempre há força dominante e outra que é dominada. Estas, por sua vez, encontram-se em uma guerra contínua, na qual ambas tentam sobrepor-se, expandir-se sobre a outra.
Assim sendo, compreende-se que as ações do homem não são direcionadas de maneira a entrar em contato com o mundo espiritual (instância defendida pela religião), mas as ações são emitidas com a finalidade de auto-expansão. Por conseguinte, observa-se na filosofia nietzschiana, a descentralização do conhecimento religioso e valorização do homem enquanto espírito livre, que renuncia a moral apriorística vigente na sociedade.
No que concerne a essência do mundo, Ferreira revela a natureza dupla do conceito de Vontade de Poder, ao enunciar que,
Dominada pelo aspecto negativo, a vontade de potência nega a imanência. Dessa negação primeira, a vontade de potência passa a afirmar os valores que já estão estabelecidos. Mas o que está estabelecido são os valores produzidos por uma postura de vida negativa, que julga a vida ao necessitar de um artigo de fé – a crença no ideal ascético. Portanto, somente essa vontade de negar precisa de uma referência moral. A afirmação, nesse caso, é secundária, tendo apenas a função de afirmar um subterfúgio que já foi criado pela negação, servindo como um sentido para a vida, mesmo que esse sentido seja direcionado a uma ficção (FERREIRA, 2010, p. 121).
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Destarte, a rejeição da imanência torna-se a porta de entrada para a aceitação e introjeção de valores morais pré-estabelecidos, nos quais as ações passam a ser classificadas a partir de “boas”, “justas” e/ou mesmo como “ideias puras.” O mundo transcendente torna-se um lugar seguro, no qual as verdades são absolutas e alheias às modificações no cenário político e social.
Buckingham et al. (2011, p. 218) considera que Nietzsche acreditava que “certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus”. Estes conceitos, por sua vez, são de caráter universal, que modulam a concepção de homem, a partir dos princípios da moralidade religiosa. Em “Assim falava Zaratustra” (2012), ele traz a proposta de um novo homem, o qual estaria liberado das concepções moralistas de bem e mal, de razão, justiça, virtude e religião (instâncias evoluídas em decorrência do progresso técnico e científico). Outrossim, o super-humano, defendido pelo referido autor, ultrapassaria o niilismo, e por conseguinte, abandonaria formas de pensar e de viver calcados no moralismo, o qual possui princípios infundados e sem utilidade para a existência.
O super-homem seria “o fruto mais maduro da moral”, (PASCHOAL, 2002, p. 67), aquele que se libertou da vontade vazia e que descobriu e aprendeu “a tomar o niilismo como força plástica e modeladora” (ibidem). Buckingham et al (2011, p.220) assevera que o super-humano “é alguém de força e independência, na mente e no corpo”.
A filosofia de Nietzsche tem como escopo principal a liberação do homem do grande cansaço de existir, ou seja, trata-se de indicar o projeto de transvaloração como um projeto de redenção do homem, como liberação do homem para o além-do-homem, como ensina Zaratustra. Nesse sentido, achamos necessário cotejar as pistas fornecidas por Nietzsche em Assim falou Zaratustra (1883/1885) com outras indicadas em Genealogia da Moral (1887) sobre sua consideração em torno de um novo tipo de homem que, segundo sua expectativa, viria confirmar o caráter dinâmico da vontade de poder na criação de novos valores, ao mesmo tempo em que chancelaria a superação do niilismo na aceitação incondicional do mundo e da vida, isto é, no amor fati. (BARBOSA, 2010, p. 119).
Assim, acreditamos num ensino de filosofia para o caos, para os momentos em que os valores se nulificam, os ideais perdem seu encanto e o niilismo toma conta da existência. Este é o palco da filosofia e de seu ensino. Este é o momento de sua necessidade. E é somente neste cenário que o homem pode mostrar seu poder de superação, sua capacidade de potencializar a vida e tirar de si mesmo a força para fazer das derrotas vitórias (DANELON, 2004, p. 350).
Ao que parece, Nietzsche não defende a extinção do niilismo como viés para o alcance da soberania, no que se refere à evolução do homem para o “além-do-homem.” A questão chave está condizente a utilização do niilismo (caracterizado pela metáfora de “saúde”) como estratégia evolutiva para a superação do homem, a metamorfose do homem em um “espírito livre”. Idem, “o novo e mais elevado tipo de homem, tem no niilismo (doença) as condições-chaves para sua emergência” (PASCHOAL, 2002, p.62). Diante do exposto, Nietzsche afirma que
Somente a grande dor, aquela longa, lenta dor, que leva tempo, em que nós somos queimados como sobre madeira verde, obriga a nós, filósofos, a descermos à nossa última profundeza e a tirarmos de nós toda confiança, tudo o que há de bondoso, adulador, brando, mediano, e em que talvez tivéssemos posto nossa humanidade (NIETSZCHE, apud PASCHOAL, 2002).
Em consonância com Paschoal, o moralismo ideário é apriorístico, foi posto como modelo a ser seguido, que estrutura as formas de ser e de pensar, de se relacionar com outro, tendo como “intenção” o melhoramento do ser humano, destarte, sua domesticação. O autor atesta que, através de um movimento absurdo, a moral moderna “colocou como meta da vida a negação da vida” (PASCHOAL, 2002 p. 63). Nesta concepção, Junior destaca ser necessária a reconfiguração da concepção de homem, a partir da “averiguação de que o Cristianismo forja um tipo de homem fundado na negação de si, cujo fim constata-se falsamente veraz e válido e que “[…] permanece ainda fio condutor de toda conceituação antropológica e metafísica” (JUNIOR, 2007, p. 4).
Conforme Buckingham et al. (2011, p.221), Nietzsche não obteve grandes públicos para suas obras, mas ao longo dos anos seus textos foram reconhecidos, porém, foram manipulados como pretexto para fundamentar atitudes violentas, sendo que o “consenso entre os estudiosos é que o próprio Nietzsche teria ficado horrorizado com essa distorção”. Contudo, suas ideias ressoaram até hoje em grandes obras, tal qual afirmou Freud que “o grau de introspecção alcançado por Nietzsche nunca foi atingido por ninguém” (idem).
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Deve-se considerar que a moral a qual Nietzsche introduz severas críticas, pregava que devemos nos abster de nossos instintos, enquanto seres humanos e centrar nossos princípios e ações de maneira a alcançar a transcendência. Assim, o filósofo propõe que o homem é algo que deve ser superado, idem, devemos superar a concepção de homem prescrita pelo Cristianismo.
O fato é que Nietzsche mostra-se amado por poucos e odiados por muitos e vice-versa. Talvez, a dificuldade em compreender suas noções estabelecidas acerca do Universo como um todo e do homem como algo que deve ser superado, contribuíram para tais divergências de opiniões.
Por fim, diante da complexidade da filosofia de Nietzsche, vale ressaltar a necessidade de aprofundar estudos em relação à enorme contribuição desse autor à Filosofia. Tal aprofundamento faz-se necessário, a partir de um maior número de leituras a fim de buscar agregar maior compreensão sobre suas ideias, relevantes ao campo da Psicologia.
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REFERÊNCIAS
ABEL, Günter. Os desafios da Filosofia da Interpretação. In: Cadernos Nietzsche, nº 12, 2002.
BARBOSA, Idenilson Meireles. A Filosofia de Nietzsche como Propedêutica à Superação do Homem. SABERES : Natal – RN, v. 2, n.5, ago. 2010. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/saberes/Numero5/Artigos%20em%20Filosofia-Filosofia/Ildenilson%20Meireles%20Barbosa_A%20FILOSOFIA%20DE%20NIETZSCHE_118-126.pdf. Acesso em 16 mar de 2016.
BUCKINGHAM, Will et al. O Homem é algo a ser superado. In: BUCKINGHAM, Will. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo Livros, 2011. p. 214-221.
DANELON, Márcio. Para um ensino de filosofia do caos e da força: uma leitura à luz da filosofia nietzschiana. 2004. Campinas. Vol. 24. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v24n64/22835.pdf>. Acesso em 02 abr. 2016.
FERREIRA, Amauri. Introdução à filosofia de Nietzsche. São Paulo: Yellow Cat Books, 2010.
JUNIOR, J. A. M. Análise do Conceito de Homem na Filosofia de Friedrich Nietzsche. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/5mostra/4/464.pdf.. Acesso em 10 mar 2016.
KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o círculo vicioso. Rio de Janeiro: Pazulin, 2000.
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. Curitiba: Hemus, 2001.
NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Tradução: Antônio Carlos Braga. São Paulo: Lafonte, 2012.
PASCHOAL, A. E. Nossas virtudes: indicações para uma moral do futuro. In: Cadernos Nietzsche, no 12, 2002.