A partir da segunda metade do século XX, os meios de comunicação (a imprensa, a fotografia, o rádio, a música, o cinema, a televisão…) se infiltraram verdadeiramente no cotidiano da sociedade. Dessa forma, já não se podia mais conceber os meios de comunicação desarticulados das novas tecnologias. E surgia então, um universo de convergência entre a arte, cultura e tecnologia que redefiniram critérios de alocação de conhecimentos e do processo de criação.
O processo de criação, seja na arte ou na ciência, não é, necessariamente, um processo contínuo. Renova-se sempre e admite feedbacks alimentados pela atividade experimentadora e pelas ideias criadoras (PLAZA & TAVARES, 1998).
A arte representa o modo de expressão da essência do homem. Ela tem sido um dos primeiros meios de comunicação usados pelo homem desde o início da civilização, por meio de suas crenças, dogmas e formas de transmitir suas mensagens, ocultas em algumas de suas obras artísticas. Entretanto, as inovações tecnológicas têm exercido uma enorme influência no processo de criação e mundo das artes.
O desafio aqui é discutir a convergência entre a arte, cultura, e tecnologia como um novo ambiente para o processo de criação.
O PROCESSO DE CRIAÇÃO
O processo de criação deve ser retratado diretamente ao contexto cultural, pois a criatividade e maneira que certas imagens se organizam em nossa mente indica a interferência direta de nossa cultura e de nossas experiências com o passar do tempo.
Segundo Plaza (2201), a história da criação explicita um processo que vai da concepção divina à humana. Entende-se a criação artística como um “fazer”, um “trabalho”, uma “atividade artesanal” que se desenvolve segundo determinadas regras que podem ser aprendidas (PLAZA, 2001). Ou seja, as obras resultam do produto da imaginação criativa orientada para o fazer.
Nesse contexto, pode-se entender o ato de criar como uma construção em movimento: um processo dinâmico, na condição de sempre poder vir a ser, não se configurando, portanto, como algo previamente acabado (MILLET, 1990). Assim sendo, essa construção-criação dar-se-ia, então, a partir de um suporte (causa material), combinada com uma ideia-modelo imaginativa (causa formal) que operados por uma ação instrumental, física, técnica e eficiente (causa motriz) tem por finalidade gerar um produto dirigido a um fim (causa final).
Ainda de acordo com Plaza (2001), o produto criado pode ser pensado a partir de três categorias ou três pontos de vista: a) o ponto de vista da pessoa que cria (em termos de fisiologia, temperamentos, hábitos, valores, emoções, processos mentais, motivações, percepções, pensamentos, comunicações etc.); b) o ponto de vista do ambiente e da cultura em que a obra se insere (condicionamentos culturais, sociais, educativos, influenciados pela demanda exterior, pela encomenda social, ou, até mesmo, pelas perspectivas que o público tem sobre a arte); c) o ponto de vista relativo aos processos mentais que o ato de criar mobiliza (teorias, técnicas, métodos, poéticas, estéticas etc.).
Seja na arte ou na ciência, o ato criativo não é, necessariamente, um processo contínuo. Renova-se sempre e admite feedbacks alimentados pela atividade experimentadora e pelas ideias criadoras.
O processo criativo faz parte da essência do ser humano. Ao exercer o seu potencial criador, trabalhando, criando em todos os âmbitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e lhe dá um sentido, pois criar é necessário (OSTROWER, 2002). Como necessidade existencial, a criatividade é um potencial inerente a todo ser humano, e diferentemente do que muitos imaginam, não é um atributo exclusivo de algumas poucas pessoas privilegiadas. A capacidade de trabalhar criativamente só é possível porque o homem é dotado da potencialidade da sensibilidade, é um ser criativo por natureza e o processo de criação artística significa a possibilidade de uma ampliação da consciência e um processo de crescimento contínuo (SILVA & BITTENCOURT, 2015).
Em cada período da história no mundo existe fatores marcantes no processo criativo da arte. De acordo com Santaella (2003), a arte de cada época corresponde à técnica do seu tempo. Para a autora, uma das ideias mais persistentes do século XX foi a da absorção de novas tecnologias pela criação artística. Que se deu, principalmente, através do fascínio dos futuristas pelas tecnologias e as tentativas de convergir a arte na vida através de novas formas imaginativas. Essa nova tendência será abordada no capítulo a seguir.
CONVERGÊNCIA ENTRE A ARTE, CULTURA E TECNOLOGIA
O processo de criação está intimamente ligado ao contexto cultural, pois a maneira que certas imagens se organizam em nossa mente indica a interferência direta de nossa cultura e de nossas vivências. No entanto, temos que admitir que na contemporaneidade, estamos vivenciando um processo de convergência entre a arte, cultura e tecnologia, que influencia o processo criativo.
Segundo Silva e Bittencourt (2015) o que se percebe é que, a partir desse momento, passamos a viver e conviver com uma sociedade totalmente conduzida pelas novas tecnologias. Essas tecnologias interferem nos processos criativos e nas relações de consumo na sociedade contemporânea.
Um dos mais importantes pesquisadores sobre o tema abordado é Jenkins, que segundo ele, a convergência pode ser vista como uma mudança cultural, em que os consumidores migram de um comportamento de espectadores, mais passivos, para uma cultura mais participativa (JENKINS, 2006).
Para Jenkins (2006), se a convergência é um processo cultural e social, é também tecnológico, onde há uma mudança de paradigma onde se cria um movimento de conteúdos específicos que fluem através de múltiplos meios, com um crescente aumento da interdependência dos sistemas de comunicação. Nesse contexto, a convergência pode ser compreendida como o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação de múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.
Jenkins (2006) relaciona esse panorama aos fenômenos da convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva (partilha de funções cognitivas, como a memória, a percepção e o aprendizado). Segundo Araújo (2005) a convergência entre a arte e cultura pode ser entendida como o mesmo conteúdo por vários meios de distribuição/dispositivos que resultam em melhores serviços a partir do uso das tecnologias.
De acordo com Mesquita (1999) essa convergência é a interação e interconexão entre a cultura, a rádio, a televisão, os telefones, os computadores e as tecnologias de modo geral. Ela prevê que todo produto gerado a partir do processo de criação esteja disponível, para grande parte da sociedade, em todas as horas, em todos os lugares, com o propósito de criar interação por meio do suporte tecnológico.
Posto isso, a convergência entre a arte, cultura e tecnologia tem o propósito de facilitar o acesso aos produtos artísticos culturais, de criar formas de participação e comunicação, de consumo e produção que permitam a criação de espaços mais livres aptos para aproveitar a inteligência coletiva e a liberdade de expressão.
Além disso, entram em foco outros pontos como a disseminação de conhecimentos, a partilha de experiências nas áreas cultural e educativa que explorem o potencial dos elementos da cultura local e o apoio às culturas tradicionais, no sentido de incentivar as produções locais e regionais. Afinal, trata-se da cadeia produtiva que coloca a geração de criatividade, de idéias e de cultura como matéria-prima de seu processo de produção e trabalho (Winck, 2007).
Para Guerra (2002) apud Winck (2007) a valorização da atividade criativa pode ser considerada como um fator de geração de riqueza que por meio da identificação de tendências, estratégias e medidas explorem as potencialidades dos agentes produtivos, visando a acumular efetivos industrializados.
Já a interatividade surge no contexto da chamada sociedade da informação através das possibilidades que os novos meios de comunicação apresentam. São essas possibilidades que fazem destes novos meios a grande sensação do desenvolvimento tecnológico do homem moderno ou contemporâneo (OLIVEIRA, 2007).
Ao lado dessa nova tendência de distribuição na função de promoção e difusão dos conhecimentos, outra tendência que se destaca é a convergência cultural, com instituições educacionais, empresas, mídias, bibliotecas etc. agrupando-se em torno de uma mesma tarefa: oferecer conhecimento legitimado para a sociedade (BUFREM e SORRIBAS, 2008).
ESTUDO DE CASO: OI FUTURO E MUSEU DE TELECOMUNICAÇÕES
Posto isso pode-se verificar alguns desafios aos centros culturais dentro do contexto de convergências que seria compreender de que forma esses centros promovem o acesso as TIC; dissemina o conhecimento; promove interatividade entre as pessoas; partilha experiências nas áreas cultural e educativa; e, por fim, a convergência cultural com instituições educacionais, empresas, mídias, bibliotecas etc. Esses atributos são responsáveis pela comunicação e geração de conhecimentos dentro dos chamados espaços de convergência.
Um exemplo bem-sucedido e que vem acontecendo no Rio de Janeiro é o caso do Oi Futuro e do Museu de Telecomunicações. O Centro Cultural Oi Futuro tem a missão de desenvolver, apoiar e reconhecer ações educacionais e culturais que promovam o desenvolvimento humano, utilizando tecnologias da comunicação e informação.
Esse centro cultural é um espaço de convergência, dedicado a arte, a tecnologia, ao conhecimento e a cidadania. Igualmente sintonizado com a contemporaneidade, voltado para levar o público a viver experiências sensoriais em seus espaços de visitação, que incluem galerias de arte, teatro, biblio_tec e cyber restaurante.
Dentro do Centro Cultural ainda existe o Museu das Telecomunicações, que possui um grande acervo de novas tecnologias onde os visitantes recebem um aparelho portátil para interagir com as instalações, além de ter chance de encontrar numa lista telefônica multimídia, o endereço de grandes personagens da história. Uma verdadeira aventura que une história, ciência e entretenimento. Também é considerado um espaço de convergência de pessoas, idéias, tecnologias, pensamentos e tempos.
Essas são algumas mudanças que se encontram em estágio avançado nos países industrializados, e constituem uma tendência dominante mesmo para economias menos industrializadas que o caso do Brasil e definem um novo paradigma, o processo de criação a partir da convergência entre a arte, cultura e tecnologia, que expressa essência da presente transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade (WERTHEIN, 2000).
CONSIDERAÇÕES
Pode se concluir, que a atual sociedade contemporânea vive um processo revolucionário das novas tecnologias e nas artes, entramos em uma fase mais avançada, que traz como potencial a aceleração da integração entre usuários e fontes de informação, reforçando o desenvolvimento de cidadãos e a produção de produtos artísticos inovadores. Entretanto, para ingressar nessa fase, é preciso ter uma sólida base educacional e cultural. Caso contrário, estaremos desperdiçando a capacidade e o potencial dessas tecnologias, que nos permitem não só ter acesso ao conhecimento, mas também construir o conhecimento que nos é necessário.
A informação tecnológica e o uso de novos conhecimentos podem fortalecer o processo democrático social e cultura, além de possibilitar à sociedade encontrar novas formas de convivência e de superação dos desníveis existentes, por meio da construção da chamada “inteligência coletiva” (LÉVY, 2000).
Portanto, o processo de criação a partir da convergência entre a arte, cultura e tecnologia tem uma influência cada vez maior nas organizações do futuro e na vida das pessoas. Esse novo processo tem modificado de forma significativa as relações entre tempo e espaço. Como enfatiza Giddens (1991), as distâncias temporais e espaciais cobertas pelas novas tecnologias tornam o passo de vida cada vez mais rápido. É como se o mundo encolhesse ou fosse uma “vila global”.
Posto isso, um artista contemporâneo, deve estar atento as questões de seu tempo, antenado com as novas tecnologias, que podem ser consideradas as ferramentas mais representativas da contemporaneidade e, talvez, as mais ricas a serem exploradas. O que tem resultado em produtos artísticos culturais com mais qualidades e conceitos totalmente inovadores.
REFERÊNCIAS:
ARAUJO, M. C. P. Convergência tecnológica dos meios de comunicação. In: Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Brasília, 12 de setembro de 2005. (http://www.senado.gov.br)
BUFREM, L. S. & SORRIBAS, T. V. Mediation and convergence in an academic libraries. Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, n. 25, 1º sem.2008.
GIDDENS, A. Modernity and selfidentity: self and society in the late modern age. Stanford: Stanford Univ., 1991. 256p.
JENKINS, Henry. Convergence culture: where the old and new media collide. University Press. New York. 2006, 308 p.
LÉVY, Pierre. Entrevista. Correio Braziliense, 4 jun. 2000.
MESQUITA, J. A convergência dos media. In: CITI-Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas. Universidade Nova de Lisboa, 1999. (http://www.citi.pt/estudos_multi/)
MILLET, Louis. Aristóteles. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
OLIVEIRA, R. R. Regionalization, mediatical convergence and interactivity on the web portal Temmais.com. Acervo On-line de Mídia Regional, ano 11, vol. 6, n. 7, p. 61-74, set/dez 2007.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2002.
PLAZA, Julio; TAVARES, Monica. Processos criativos com os meios eletrônicos: poéticas digitais. São Paulo: Hucitec, 1998.
PLAZA, Julio. Processo criativo e metodologia. São Paulo: 2001. Apostila de curso.
SANTAELLA, L., Cultura e artes do pós-moderno: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo, Paulus Editora, 2003.
SILVA, A. T. T.; BITTENCOURT, C. A. C. Indústria cultural e o trabalho docente: caminhos para compreender os processos de criação em arte na educação Infantil. Comunicações. Piracicaba. Ano 22 n. 3. 2015.
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. In: Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago.2000.
WINCK, J. B. The promise of interactive audiovisual. TransInformação, Campinas, 19(3): 279-288, set./dez., 2007.