O quanto você se desassocia de si mesma(o) para caber no mundo do outro?

Na expectativa de sermos aceitos, aplaudidos e evitar “conflitos”, nos apertamos em espaços alheios, a tal ponto que nem nos reconhecemos mais, tentando encaixar nossa essência em máscaras cheias de nuances que não são as que permeiam nossas vidas. E quanto mais fazemos isso, quanto mais experimentamos o sabor da aceitação, do amor alheio e do conforto velado em não dizer o que pensamos e sentimos, mais justificamos para nós mesmos a necessidade de sustentar comportamentos e atitudes que não condizem com o que somos e sim com o que esperam de nós.

Seria assim como se os indivíduos criassem personagens e assumissem papéis diversos dentro da sociedade em que vivem, na grande maioria das vezes os reais sentimentos e pensamentos ou até mesmo ações são internalizados e estão fora de cena, sem plateia, o que culmina em falta de criatividade e inadequações ao longo da vida.

Segundo Schopenhauer “aquilo que representamos, ou seja, a nossa existência na opinião dos outros, é, em consequência de uma fraqueza especial de nossa natureza, geralmente bastante apreciado; embora a mais leve reflexão já nos possa ensinar que, em si mesmo, tal coisa não é essencial para a nossa felicidade” (Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 61).

Esta máxima nos parece muito pertinente, pois esta prática de busca pela aceitação do outro nos coloca em um ciclo vicioso, por mais que os motivos possam parecer nobres, não se sustentam nem interiormente nem exteriormente. A pessoa que muda de tamanho para caber em algum lugar ou no outro, se torna refém e a pessoa que aceita o molde se torna uma iludida conveniente.

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Via de regra nos deparamos com um grande montante de indivíduos que exibem obstáculos baseados nos sentimentos de menos valia, esses indivíduos não conseguem enxergar com exatidão seus reais sentimentos, mas dentre os conceitos que elas conseguem verbalizar nos indica um autoconceito alterado demonstrando as grandes limitações que são acarretadas diante destes sentimentos de dependência do aval do outro.

Segundo Adler (1956), “o homem é sociável por se sentir fraco. (…). As origens da vida social resultam da fraqueza do indivíduo”. (p. 59). O Pensamento de Adler corrobora as palavras de Schopenhauer acerca da fraqueza do indivíduo, mas isso é inerente à adultez, ou podemos pensar nestes sentimentos sendo construídos em tenra idade?

Miller nos posiciona que,

“A repressão da liberdade e a necessidade à adaptação não têm início no escritório, na fábrica ou no partido, mas nas primeiras semanas de vida. (…). O engajamento político pode ser alimentado pela raiva inconsciente daqueles que, quando criança, foram abusados, aprisionados, explorados, limitados e adestrados” (Miller, 1997, p. 99).

Então, que caminhos percorrer para que nossa existência não seja moldada pelo crivo do outro. Particularmente acredito que quando não cultivamos relações aonde não podemos exercer nossa autonomia e liberdade emocional, estamos de alguma forma cometendo um suicídio psicológico. Claro que não é tão simples assim, muitas são as dificuldades de nos pertencer; porque primordialmente é uma necessidade, até de sobrevivência estarmos em um convívio social, porém, precisamos criar manejos de observação para conosco mesmos, até onde estou me privando de mim, quanto de espaço estou cedendo para o outro, estou confortável nesta situação?

Se Policie! Suas relações estão sendo construídas a base de uma representação de quem gostariam que você fosse ou de quem você verdadeiramente é? Você sabe quem você é? Suas relações pessoais são terrenos em que você consegue expressar suas vontades, desejos, descontentamentos, divergências, medos, posicionamentos, inseguranças, sonhos, suas “loucuras” …?

Seja leal consigo e leal com aqueles a sua volta. Esse simples e rico movimento pode evitar muitos sofrimentos e psicossomatizações. Segundo Pichon-Rivière (1994), toda situação de mudança gera ansiedade, devido aos medos básicos de ataque e perda implícitos nas relações, podendo se tornar ruídos na comunicação quando não explicitados.

Vale a pena tentar situações de mudanças, vale a pena explicitar seu eu, se conhecer e ser gerador de mudanças em prol de qualidade de vida. Afinal, quais os preços você está pagando para sustentar o que você está representando?

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REFERÊNCIAS

RIGOBELLO Lucimar M. (1998). Processo de comunicação em grupos de aprendizagem: uma experiência multiprofissional. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11691998000400012. Acesso em 12/08/2022.

SANTOS, Maria de Fátima. (2006) O SENTIMENTO DE MENOS VALIA NA CONSTITUIÇÃO DA NEUROSE. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2932/2/20211829.pdf. Acesso em 12/08/2022.

TRINdade, Rafael. (2020). Schopenhauer – Daquilo que se representa. Disponível em: https://razaoinadequada.com/2020/02/02/schopenhauer-daquilo-que-se-representa/. Acesso em 12/08/2022.