O que você sabe sobre os feminismos?

O feminismo, de modo geral, é um movimento não apenas social, mas também político de caráter intelectual e filosófico que prega a igualdade de direitos entre homens e mulheres.  Seu objetivo é uma sociedade sem hierarquia de gênero, isto é, o gênero não sendo utilizado para conceder privilégios ou legitimar opressões (RIBEIRO, 2014). Há um consenso geral de que o feminismo, na dita primeira onda, teve início formal no século XIX, quando mulheres lutaram pelo direito ao voto e à vida pública, benefício conhecido como sufrágio.

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A segunda onda do feminismo se consolida nos anos 1970, na busca pela valorização do trabalho, pelo direito ao prazer e contra a violência sexual. No Brasil, além desses aspectos, as mulheres também lutaram contra a ditadura militar. Em 1972, foi formado o primeiro grupo de feministas encabeçado por professoras universitárias. Ainda no mesmo ano foi lançado o jornal Brasil Mulher, que circulou até meados de 1980 (RIBEIRO, 2014).

A terceira onda do feminismo data dos anos 1990 e teve como premissa a análise histórica do que se tinha como definição do movimento até então. Foram discutidas novas formas de combate à opressão de gênero e, para além, colocadas em xeque ideias de comunhão de causas. Neste momento, são reconhecidas as lutas plurais dentro do movimento como um todo, que reivindicam as idiossincrasias de cada grupo de mulheres e procura tirar da invisibilidade os discursos de mulheres negras, indígenas, lésbicas, dentre outras.

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Apesar de muitas mulheres lutarem por causas específicas desde muito antes, ainda não exerciam protagonismo, fato este que a terceira onda buscou minimizar, sendo influenciada por uma concepção pré-estruturalista, refletindo sobre abordagens micropolíticas preocupadas em responder o que é e o que não é bom para cada mulher (GASPARETTO JUNIOR, 2013). Protagonizam neste contexto e com maior impacto, as vertentes do feminismo, que são uma alternativa ao feminismo hegemônico, constituído por mulheres brancas, de classe média, cisgênero e que não abarca as especificidades de outros grupos.

As críticas trazidas por algumas feministas dessa terceira onda […] vêm no sentido de mostrar que o discurso universal é excludente porque as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, seria necessário discutir gênero com recorte de classe e raça, levar em conta as especificidades das mulheres. Por exemplo, trabalhar fora sem a autorização do marido, jamais foi uma reivindicação das mulheres negras/pobres, assim como a universalização da categoria mulheres tendo em vista a representação política, foi feita tendo como base a mulher branca, de classe média. Além disso, propõe, como era feito até então, a desconstrução da teorias feministas e representações que pensam a categoria de gênero de modo binário, masculino/feminino (RIBEIRO, 2014).

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Há quem diga que levantar bandeiras dentro do feminismo torna o movimento enfraquecido. Mas a verdade é que um movimento tão plural não pode ser contemplado por apenas uma perspectiva. A multiplicidade de mulheres e suas distintas necessidades devem ser observadas, reconhecidas e sanadas. Cabe dizer então, que não falamos de um feminismo singular. Falamos de feminismos, múltiplos e complexos, que convergem na necessidade de emancipação da mulher e podem divergir no que se refere aos meios para alcançá-la.

Atualmente, os movimentos mais populares são: feminismo liberal, radical, interseccional  e negro. Também abordaremos o feminismo indígena, que invisibilizado por questões culturais e sociais, requer ser conhecido e estudado.

FEMINISMO LIBERAL: é fortemente influenciado pelo neoliberalismo e por ideais empreendedores. Defende a autonomia e individualidade. Sendo uma das principais portas de entrada de mulheres no feminismo, afirma que a sociedade é feita de indivíduos e a mudança parte de cada um deles em particular. Desta maneira, se mudo meus ideais e luto por eles, posso fazer diferença na sociedade. É um dos principais responsáveis pelo uso recorrente da palavra empoderamento. O empoderamento é o processo de dar-se o poder, munir-se de poder para enfrentar o status quo. Este feminismo vê o machismo como opressão de gênero. Apoia as questões QUEER e LGBTQIA+ e pede pela igualdade de gênero. O feminismo liberal não é anticapitalista. Deseja assegurar a igualdade por meio de reformas legais e políticas e inclui homens na luta pela igualdade de gênero.

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FEMINISMO RADICAL: é fortemente influenciado pelo materialismo dialético marxista. Dessa forma, fundamenta sua teoria e luta numa análise estrutural da sociedade. Portanto, para essa vertente, o empoderamento individual não vai alterar a sociedade que estava aqui, antes que cada uma de nós nascêssemos. Ao nascer numa sociedade patriarcal, os indivíduos já são moldados por ela antes que comecem a perguntar e se questionar o porquê de tantas diferenças entre os sexos. Nesta vertente, entende-se o pessoal como político, visto que cada atitude do ser humano é moldada pelo coletivo.

O feminismo radical entende que a opressão exercida pelo patriarcado é baseada no sexo e não na identidade de gênero. Luta não pela igualdade de gênero, mas pela abolição deste. Uma de suas maiores expoentes é Simone de Beauvoir, com o famoso livro “ O segundo sexo” (1949). O feminismo radical é famoso por entender a prostituição como violência e não como exercício de autonomia. De acordo com Sheila Jeffreys, em Unpacking Queer Politics:

Os gêneros continuam dois. A abordagem queer que celebra a “performance” de gênero e sua diversidade, necessariamente mantém os dois gêneros em circulação. Invés de eliminar comportamentos dominante e submissos, ela os reproduz (2003, p. 44, tradução nossa).

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Logo, o feminismo radical difere de outras vertentes, e com mais acentuada diferença, do feminismo liberal, ao descartar a noção de identidade de gênero como fundamental para a luta contra a opressão patriarcal.

FEMINISMO NEGRO: ganha força nas décadas de 1960 e 1980, com a fundação da organização National Black Feminist, nos Estados Unidos da América, em 1973. Neste momento, as mulheres negras começaram a escrever sobre o tema, criando uma literatura feminista negra. A premissa dessa vertente, é a luta contra o sexismo dentro do próprio movimento negro, onde homens negros oprimiam as mulheres negras, além da luta anti-racista e a busca por melhoria na qualidade de vida, equiparação salarial, direito à saúde, escolarização dos filhos e contra o genocídio da população negra, além da violência policial e também sexual. No Brasil, o feminismo negro toma forma  no fim da década de 1970 e início da década de 1980 e para além dos aspectos acima citados, luta contra a ditadura e na busca de afirmação da mulher negra como sujeito político (RIBEIRO, 2014).

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O problema da mulher negra se encontrava na falta de representação pelos movimentos sociais hegemônicos. Enquanto as mulheres brancas buscavam equiparar direitos civis com os homens brancos, mulheres negras carregavam nas costas o peso da escravatura, ainda relegadas à posição de subordinadas; porém, essa subordinação não se limitava à figura masculina, pois a mulher negra também estava em posição servil perante a mulher branca. A partir dessa percepção, a conscientização a respeito das diferenças femininas foi ganhando cada vez mais corpo (GELEDÉS: INSTITUTO MULHER NEGRA, 2016).

É importante afirmar que dentro dessa vertente, existe a luta contra  a intolerância religiosa, visto que a cultura negra tem em suas bases, religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, assunto este que não é abordado em outros feminismos e que causa grande impacto na vida de pessoas negras seguidoras. Debates mais profundos acerca das questões de gênero, raça e classe são primazia dentro do feminismo negro.

FEMINISMO INTERSECCIONAL: a principal característica desse movimento é a tentativa de conciliação das questões de gênero com as demandas de outras minorias, como por exemplo, classe social, raça, deficiência física, dentre outras. Existe grande receptividade no que se refere à participação masculina, aspecto que o feminismo radical condena veementemente por crer que o homem por si só, é naturalmente opressor. Dentro dessa vertente, fazem parte o Transfeminismo, que lida com as questões de sofridas pelas mulheres trans, o Feminismo Lésbico, o Feminismo Negro, dentre outros movimentos.

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FEMINISMO INDÍGENA: tem origem entre as décadas de 1970 e 1980 com a fundação da Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN) e a Associação de Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiguié (AMITRUT). Nesta vertente, é preconizado o direito à terra, a luta contra a violência policial dos latifundiários e o genocídio da população indígena em conflitos, além da luta contra a violência sexual e a busca pela emancipação feminina dentro das aldeias. Além dessas questões, também existem as violências externas que foram incorporadas nas aldeias, como o abuso do álcool e a violência doméstica que muitas vezes decorre disto (GELEDÉS: INSTITUTO MULHER NEGRA, 2017).

Não bastassem as violações de direito que são frutos das intervenções da sociedade sobre o modo de vida dessas populações, também precisamos refletir sobre a violência sofrida pelas mulheres indígenas no seio de suas próprias comunidades. As indígenas reconhecem e  denunciam inúmeras práticas discriminatórias que sofrem: casamentos forçados, violência doméstica, estupros, limitações de acesso à terra, limitações para organização e participação política e outras formas de dificuldade enfrentadas em consequência do patriarcalismo presente em suas comunidades. Embora esse seja um campo delicado de tratar, devido ao enfoque específico e multicultural que precisa ser dado, é necessário ouvir o que as organizações de mulheres indígenas estão reivindicando (MELO, 2011).

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As mulheres indígenas são as que mais sofrem com as mudanças climáticas e pelo modelo de desenvolvimento econômico imposto no Brasil, visto que quando a comunidade perde o acesso à terra e recursos naturais, as mulheres arcam com as penalizações pela falta de alimento, pois geralmente ficam encarregadas dessa tarefa nas comunidades. Portanto, a luta da mulher indígena sempre existiu, o que não há é a visibilidade às suas causas e a afirmação dos seus direitos dentro e fora de suas aldeias.

 

REFERÊNCIAS:

GASPARETTO JUNIOR, Antonio. Terceira Onda Feminista. 2013. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/terceira-onda-feminista/>. Acesso em: 04 out. 2017.

GELEDÉS: INSTITUTO MULHER NEGRA (Brasil). Conheça um pouco sobre feminismo indígena no Brasil e sua importância. 2017. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/conheca-um-pouco-sobre-feminismo-indigena-no-brasil-e-sua-importancia/>. Acesso em: 04 out. 2017.

GELEDÉS: INSTITUTO MULHER NEGRA (Brasil). Feminismo Negro: sobre minorias dentro da minoria. 2016. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/feminismo-negro-sobre-minorias-dentro-da-minoria/>. Acesso em: 04 out. 2017.

JEFFREYS, Sheila. Unpacking Queer Politics: A lesbian feminist perspective. Malden: Polity Press, 2003.

MELO, Mayara. Mulheres Indígenas: violência, opressão e resistência. 2011. Disponível em: <https://mayroses.wordpress.com/2011/11/25/mulheres-indigenas-violencia-opressao-e-resistencia/>. Acesso em: 05 out. 2017.

RIBEIRO, Djamila. As diversas ondas do feminismo acadêmico. 2014. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/feminismo-academico-9622.html>. Acesso em: 05 out. 2017.

 

Psicóloga egressa do Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA (2018). Neuropsicóloga em formação pelo Instituto de Graduação e Pós-graduação do Tocantins. Atua em clínica com abordagem Sistêmica e em Psicologia clínica e hospitalar. psicologaevellysilva@gmail.com
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