Desafios da Prática da Avaliação Psicológica na Clínica – (En)Cena entrevista Keila Barros

A avaliação psicológica está presente na prática profissional do psicólogo com grande frequência. Em um aspecto amplo tem como objetivo conhecer o outro e as possibilidades de seus comportamentos. Objetivando aprofundar um pouco mais sobre o tema entrevistamos a psicóloga Keila Barros Moreira, CRP: 23/881. Psicóloga clinica e presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP – 23.

(En)Cena – Qual a importância da avaliação psicológica?

Keila Barros – Na Resolução CFP N.º 007/2003 que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos e/ou produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica, define tal método como: “processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica”.

A avaliação psicológica é instrumento importante na práxis do psicólogo, e serve como fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, com o objetivo de auxiliar/embasar a atuação do psicólogo nos diferentes campos de atuação, como por exemplo: saúde, educação, jurídica, organizacional, entre outras. É importante enfatizar que se trata de um estudo minucioso, que requer um planejamento cuidadoso e deve está concatenado com a demanda e a finalidade que a avaliação se destina.

(En)Cena – Como se dá o processo inicial da avaliação psicológica?

Keila Barros – O CFP (Conselho Federal de Psicologia) dispõe de resoluções, cartilhas e orientações dispostas no site do Conselho para orientar os psicólogos quanto a esse processo. E os Conselhos Regionais, (no nosso caso o CRP – 23) disponibilizam em seus sites, as resoluções que orientam o psicólogo e estão disponíveis para esclarecerem duvidas dos profissionais sobre qualquer demanda pertinente à sua atuação por e-mail, telefone ou pessoalmente. Além disso, o profissional deve atualizar-se continuamente, para que consiga interpretar os resultados de forma coerente e devidamente embasados.

Assim, havendo dúvidas, temos todas essas fontes seguras para as devidas orientações. Devem ser utilizadas para evitar erros, que além de prejudicar pessoas por vezes para o resto da vida, contribuem para uma desvalorização da profissão.

O processo inicial da avaliação é entender/conhecer a demanda, de forma contextualizada com as questões familiares, sociais, culturais etc. A partir daí, a Resolução 007/2003, aponta os cuidados que devem ser tomados durante a avaliação psicológica, trarei na integra por estar de forma completa e de fácil compreensão e por avaliar que devemos SEMPRE ir a fonte para nos subsidiar. Assim, segundo a Resolução, devemos estar atentos há três princípios fundamentais:

Princípios Técnicos da linguagem escrita: “O documento deve, na linguagem escrita, apresentar uma redação bem estruturada e definida, expressando o que se quer comunicar. Deve ter uma ordenação que possibilite a compreensão por quem o lê (…). O emprego de frases e termos deve ser compatível com as expressões próprias da linguagem profissional, garantindo a precisão da comunicação, evitando a diversidade de significações da linguagem popular, considerando a quem o documento será destinado. A comunicação deve ainda apresentar como qualidades: a clareza, a concisão e a harmonia”. 

Princípios Éticos: “Na elaboração de DOCUMENTO, o psicólogo baseará suas informações na observância dos princípios e dispositivos do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Enfatizamos aqui os cuidados em relação aos deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa atendida, ao sigilo profissional, às relações com a justiça e ao alcance das informações – identificando riscos e compromissos em relação à utilização das informações presentes nos documentos em sua dimensão de relações de poder. Deve-se realizar uma prestação de serviço responsável pela execução de um trabalho de qualidade cujos princípios éticos sustentam o compromisso social da Psicologia. Dessa forma, a demanda, tal como é formulada, deve ser compreendida como efeito de uma situação de grande complexidade (grifos meus).

Princípios Técnicos: “O processo de avaliação psicológica deve considerar que os objetos deste procedimento (as questões de ordem psicológica) têm determinações históricas, sociais, econômicas e políticas, sendo as mesmas elementos constitutivos no processo de subjetivação. O DOCUMENTO, portanto, deve considerar a natureza dinâmica, não definitiva e não cristalizada do seu objeto de estudo. Os psicólogos, ao produzirem documentos escritos, devem se basear exclusivamente nos instrumentais técnicos (entrevistas, testes, observações, dinâmicas de grupo, escuta, intervenções verbais) que se configuram como métodos e técnicas psicológicas para a coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito da pessoa ou grupo atendidos (…). Esses instrumentais técnicos devem obedecer às condições mínimas requeridas de qualidade e de uso, devendo ser adequados ao que se propõem a investigar” (grifos meus).

(En)Cena – A avaliação psicológica se aplica a uma área especifica?

Keila Barros – A avaliação psicológica é um processo transversal na atuação do psicólogo, e é importante subsidio em sua práxis, dessa forma pode ser utilizada em todas as áreas de atuação, a depender das demandas a serem trabalhadas.

(En)Cena – De onde costumam vir as demandas para avaliação psicológica?

Keila Barros – As áreas de atuação que mais utilizam a avaliação psicológica são: Jurídica, Organizacional, Neuropsicológica e do Trânsito. Nessas áreas tal processo está explicito na maioria das demandas. Onde o laudo psicológico auxiliará o juiz em suas decisões – Avalia os processos neuropsicológicos, geralmente respondendo a um encaminhamento da escola, de outro profissional da saúde etc. – A avaliação psicológica sugere aptidão ou não do sujeito para um determinado cargo/vaga de emprego – E é processo obrigatório para tornar a pessoa apta ou não para portar a CNH (Carteira nacional de habilitação).

Nos demais campos de atuação: Escolar, Esporte, Clinica, Hospitalar, Psicopedagogia, Psicomotricidade e Psicologia Social a avaliação será utilizada a depender da demanda, geralmente de forma menos frequente que nas áreas citadas anteriormente.

(En)Cena – Sabe-se que a avaliação psicológica integra dois componentes: processo e procedimentos. Como acontece a escolha dos procedimentos de avaliação que serão utilizados com cada cliente?

Keila Barros – O processo de avaliação é o conjunto de ações e/ou procedimentos compilados para atender uma demanda especifica. Como consta na Resolução 002/2003:

Art. 11 – As condições de uso dos instrumentos devem ser consideradas apenas para os contextos e propósitos para os quais os estudos empíricos indicaram resultados favoráveis.

Parágrafo Único – A consideração da informação referida no caput deste artigo é parte fundamental do processo de avaliação psicológica, especialmente na escolha do teste mais adequado a cada propósito e será de responsabilidade do psicólogo que utilizar o instrumento (grifos meus).

Ou seja, o psicólogo tem liberdade para o planejamento e realização do processo avaliativo, deve atentar as seguintes questões: qual a quantidade de sessões necessárias? Que questionamentos devem ser feitos? Quais instrumentos mais adequados para a investigação? Para tanto, deve levar em consideração o contexto do avaliado; os objetivos da avaliação psicológica; os construtos psicológicos a serem investigados; a adequação das características dos instrumentos/técnicas aos indivíduos avaliados; condições técnicas, metodológicas e operacionais do instrumento de avaliação. O profissional deve por fim, analisar criticamente os resultados obtidos, e construir as conclusões necessárias para responder a questão (ões) ou demanda (s) inicial (CFP 2013).

(En)Cena – Qual o maior desafio da prática da avaliação psicológica?

Keila Barros – Como presidente da COF, tenho acompanhado as orientações e fiscalizações de rotina, assim como as denúncias do CRP – 23. Penso que na nossa realidade o maior desafio da avaliação psicológica, seja a falta de atualização por parte dos profissionais. O que mais ocorre, são erros por falta de conhecimento do próprio Código de Ética, dos testes e demais resoluções que norteiam a atuação.

Não tem como atuar em uma área, por exemplo, no transito, sem saber de forma profunda o necessário para tal práxis, sem conhecer as resoluções não só do CFP, mas também do CONTRAN – (Conselho Nacional de Trânsito), sem entender as especificidades do Estado e cidade, sem conhecer o fluxo oficial para retirada da CNH.

É a partir desse conhecimento que o profissional atuará cuidando dos princípios éticos e técnicos necessários para construção de uma avaliação de qualidade, respaldada em pressupostos teóricos e concatenada com as especificidades da demanda em questão. A avaliação psicológica é um processo amplo e complexo, que envolve a junção de informações provenientes de diversas fontes, tais como: testes, entrevistas, observações, análise documental. Para integração das informações e construção das hipóteses conclusivas o profissional deve também ter o domínio de tais métodos.

Dessa forma, o conhecimento é a chave para uma atuação consciente, onde o psicólogo colabore de forma ética e responsável com o bem estar das pessoas, com o fortalecimento da profissão e desenvolvimento social.

Bibliografia utilizada:

  • Código de ética profissional do Psicólogo. CFP, 2014.
  • Resolução N.º 007/2003 Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos e/ou produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica. CFP, 2003;
  • Resolução N.º 002/2003 Define e regulamenta o uso, a elaboração e comercialização dos testes psicológicos. CFP, 2203;
  • Resolução N.º 003/2007 Institui a consolidação das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia, CFP, 2003;
  • Cartilha avaliação psicológica, CFP, 2013;
Acadêmica de psicologia no CEULP/ULBRA e estagiária voluntária do portal (En)Cena.