“O ser humano nasce com infinitas possibilidades de ser várias pessoas, viver várias vidas, mas, no final, ele acaba morrendo tendo vivido uma só”. (JOÃO TEÓFILO)
As manifestações artísticas tem em si uma dádiva inimitável: a representação do indizível, a interpretação do inefável e a projeção rumo ao infinito criativo. Dentre inúmeros exemplos possíveis de serem elencados nestas categorizações vez ou outra há destaques a serem em relevo, como é o caso da obra imagética e animada de João Teófilo, arquiteto, urbanista e artista visual.
O conjunto de uma formação múltipla agregada a uma visão, de igual maneira, holística e contemporânea, fazem com que os projetos, exposições e demais obras de Teófilo emanem uma diversidade de olhares e possibilidades de interpretações únicas. E, como exemplo neste rol de pulsantes linguagens metafóricas, dramáticas, existenciais e introspectivas há o seu Sujeito Estilhaçado, formado pelo arranjo expositivo de imagens em banda desenhada em aquarela, bico de pena, técnicas de luz e sombra com nanquim, etc. A união de todos estes elementos corroboram para a individuação do apelo e aspecto visual da obra, singularizando-a de uma forma imensurável.
Segundo o próprio autor da obra, suas principais inspirações tratam das profundezas da inquietude do sujeito, seus dilemas, enfrentamentos e embates, como a angústia, a morte, as escolhes, as máscaras sociais e a fragmentação do eu. Percebe-se nas representações de suas imagens, que, há a visitação de tais temáticas, ora em efeitos de cores de desgaste em meios ao sofrimento de rostos em frígida inexpressão, ou, em efeitos de luz e sombra, perpassados por uma paleta dialógica com o raionismo e o realismo pictórico pós belle epoque.
O deslocamento da unicidade frente ao seu múltiplo. Esta pode ser considerada uma das máximas argumentadas na exposição. A clareza destes dois elementos, o uno e múltiplo, aparecem de forma contínua, e, por vezes, complementar ou contrária, de modo a reforçar a sua proposta de reflexão. A busca, para o clareamento do sentido da existência, mesmo que esta última seja a falta do propósito em si, ultrapassa as esferas do próprio eu, as relações com os outros entes humanos e inanimados, alcançando o embate do indivíduo com o seu mundo, sua totalidade. O peso do fardo, inevitavelmente, desencoraja aqueles indispostos a enfrentá-lo, ou, ao menos, considerar a sua presença e participação no estrato do existir de cada um.
As representações de Teófilo remetem a uma gama complexa e instigante de situações que acometem a natureza humana em seu existir. O embate sugerido pelo autor se dá na dualidade entre o eu interior em seu estado de solidão e a “necessidade” de socialização, pois esta última acaba por condenar o indivíduo no uso de diferentes máscaras como garantia de um escopo harmônico junto à coletividade. Eis então, ao mesmo tempo, uma análise, interpretação, reflexão sobre o tema:
Seria justo dizer que o ser humano é aquele que pode escolher algo para si; em grau maior que qualquer outra espécie – determinar seu próprio futuro. Essas escolhas – a própria vida – são quase sempre feitas sob a tutela dos outros: o modo impessoal de ser. É nossa condição inicial e na maior parte das vezes, assim permanece. O indivíduo numa sociedade parece condenado a existir sempre em relação aos outros. É também nessa relação que ele constrói significado e identidade. Sua personalidade não tem nada de unitária. Os vários papéis que encarna, o tornam um ser fragmentado. Quanto mais longe se aventura na construção de sua identidade multifacetada, mais se distancia de algo que lhe era próprio, se confunde com as máscaras que usa – a cada passo arrisca sufocar sua subjetividade mais autêntica. Nesse constante abrir mão de si mesmo, cresce uma angústia – angústia de ser vários, sem chegar a ser ninguém por inteiro (TEÓFILO, 2012).
Se se exige do indivíduo o engendramento desta sobreposição de camadas do seu ser, é possível questionar-se até que ponto, a própria socialização é responsável, ou pelo menos em boa parte, pelas aflições, angústias e desestabilizações do ser humano. Há, portanto, a inevitabilidade de ação de um dínamo, já que inegável as benesses que a sociabilidade podem trazer às pessoas, pois o emocional e manifestação sentimental nos unifica, diferencia e afeta, e a relação com o outro é crucial neste processo, mas, ao mesmo tempo, haverá aqueles que vão optar, devido à estes efeitos, de se afastarem, isolarem, ou, simplesmente, reverem o peso deste imbróglio.
Assim como faz sua reflexão por meio de imagens, Teófilo dialoga com outras iniciativas, por meios diferentes, que tratam de igual maneira com o aumento do caráter quebradiço das bases do sujeito contemporâneo. Alguns exemplos se notabilizam, por seu alcance, profundidade e importância em pouco tempo de criação já sendo alçados como referência no assunto, como The Fight Club o livro de 1996, de Chuck Palahniuk e também o filme de 1999, dirigido por David Fincher, também é possível mencionar Spieltrieb da escritora alemã Juli Zeh, que ganhou uma adaptação em formato de série com o nome de A Menina Sem Qualidades pela MTV Brasil, e We need takl about Kevin o filme de 2011 e o romance de Lionel Shriver de 2003. Em todas estas obras, os temas mencionados, trabalhados e vividos pelas personagens se encontram com a discussão imagética proposta por Teófilo em seus estilhaços do sujeito.
Existiram, e ainda existem, correntes de pensamento e debate que se debruçaram sobre a situação de estilhaçamento do sujeito. Dentre possíveis e outras tantas relegadas ao esquecimento vale destacar o papel dos existencialistas e irracionalistas; no primeiro caso o foco se dá no sujeito, suas aflições, angústias, anseios, desejos, incompletude e enfrentamentos consigo mesmo e com os outros. Já em relação aos irracionalistas, o que se coloca em questão são os limites de validade dos postulados de veracidade, eficiência e neutralidade, de modo a provar sua condição corruptível, limitação e insuficiência frente aos seus próprios fundamentos.
Mas, nada se iguala às fronteiras finais lançadas pelos existencialistas, na estruturação das bases do niilismo, na admissão da falta de finalidade e poderio da causalidade a resultante inerente do existir, adentrando em estágios propícios e em argumentos de proficuidade da morte como via para, senão superar, ao menos findar o curso extinção do sentido do viver, sem necessariamente recorrer ao suicídio para a se chegar a este objetivo.
A linguagem escolhida por Teófilo foi a visual, por seus rascunhos, desenhos e imagens. No entanto, a temática da solidão, da náusea contemporânea, e da esquizofrenia do nosso mundo aparece em outras mídias e representações. Alguns exemplos são Mad World do Tears for Fears, Pare o Mundo que eu quero descer de Raul Seixas, O Silêncio das Estrelas de Lenine, Dogs do Pink Floyd; pinturas como O Grito (Skrik) Edvard Munch, Guernica de Pablo Picasso e Angustia do Homem Primitivo de Cândido Portinari; e mais recentemente até mesmo séries de TV tem se arriscado nestas discussões como a niilista True Detective, Breaking Bad e a inesperada A Menina Sem Qualidades.
E, assim como podemos ver na obra e exposição de Teófilo, em conjunto com suas falas, a busca pelo sentido e seu não encontro levam o indivíduo à contemplação da nadificação, já que ao despir-se de todos os sistemas sígnicos, simbólicos, icônicos, emocionais, espirituais, científicos e, principalmente sociais, seria capaz de haver uma sustentação existencial para esta escolha? Os estilhaços da mimese social, compõem-nos, e em sua ausência, aguentaríamos uma possível nudez da falta de propósito no viver? Estes são algumas das antinomias lançadas em o Sujeito Estilhaçado, cabendo para cada ser humano, em sua singularidade ou coletividade, admoestar ou não estas assertivas, a depender do resguardo das consequências em sobre tal decisão.
REFERÊNCIAS:
TEÓFILO, João. Exposição Sujeito Estilhaçado. Biblioteca Nacional, Brasília. 2012.