Psicólogo explica o seu processo de aproximação e desenvolvimento na Psicologia Analítica
A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung é uma das vertentes mais profícuas no campo do desenvolvimento humano. Interdisciplinar, envolve bases epistemológicas da Psicologia, Medicina, Ciências da Religião, Antropologia, Mitologia e Arte. Tem sua gênese focada no princípio da autorrealização dos seres humanos, a partir do princípio da integração dos opostos (superar visões unilaterais e integrar os aspectos sombrios). Neste sentido, defende uma visão bem mais ampla sobre a libido e aponta para o princípio da função transcendente. No país, é uma linha teórica com grande aceitação e está em franco crescimento, tanto entre psicólogos e acadêmicos, quanto entre interessados em se beneficiar das técnicas deixadas pelo médico suíço e seus discípulos.
Para discorrer um pouco sobre este tema, o EnCena entrevista o psicólogo egresso do Ceulp/Ulbra Piettro Lamounier, que atua na clínica e tem em sua formação cursos sobre Tipos Psicológicos e o Arquétipo de Sombra, além de formação em terapia ayurvédica. Também trabalha em paralelo em suas profissões de ator e músico, além de ser um estudante incansável das obras Junguianas, e de contar em seu histórico com uma forte pegada social, uma vez que também atua na Psicologia Comunitária. Para Piettro, a paixão pela Psicologia Analítica e por aspectos da Psicologia Transpessoal surge por se configurarem como tecnologias que fazem o mergulho nos estudos das tradições como forma de reconectar o homem à sua natureza.
EnCena: A Psicologia Analítica de Jung, hoje, vem despertando muito a atenção de jovens psicólogos e estudantes. A que se refere este movimento, de acordo com o seu ponto de vista?
Piettro Lamounier: Acredito que este movimento se deve à necessidade que a psique, de um modo geral, tem de buscar o profundo, o que está escondido na escuridão do ser que foge à dimensão biológica ou lógica. A matematização do ser humano moderno levou a tornar tudo um objeto de consumo, mas algo dentro da totalidade do ser quer ser vivido e entendido, algo que a matemática ainda não pode explicar. A Psicologia Analítica ajuda a ler essas informações, mas não percebo como a única, existem outras formas de aprendermos a ler esse universo onde palavras e números não comportam todo fenômeno.
EnCena: Edgar Morin diz que não é mais possível falar de ciência sem, antes, também levar em conta a Filosofia e os saberes tradicionais. Esse caminho já permeia a Psicologia, ou ainda há um longo percurso pela frente?
Piettro Lamounier: A Psicologia Analítica leva em consideração toda a criação do inconsciente. É a natureza intuindo no homem uma forma de lê-la. Então os saberes tradicionais ou ancestrais carregam uma forma de ler o mundo e se equilibrar diante dele, uma forma de se adaptar rapidamente diante dele. Cada forma de ler é um processo que tem base cultural, mas na essência, se comparadas todas as tradições, elas carregam informações parecidas, arquetípicas. O homem moderno tem fugido de sua própria natureza e se desequilibrado, o retorno é necessário e as culturas tradicionais ajudam neste retorno.
EnCena: Os detratores de Jung o acusavam de ser um místico, ao invés de cientista – o que ele rechaçava, ao mostrar várias pesquisas empíricas. Isso acabou, por um tempo, afastando a Psicologia Analítica de alguns círculos intelectuais. No entanto, hoje, temas como simbolismo, cultura, arquétipos e interdisciplinaridade, questões centrais na obra junguiana, estão em alta. A ciência positivista falhou ao apostar demais nas chamadas respostas reducionistas – meramente materialistas ou observáveis?
Piettro Lamounier: Acredito que cada vertente da psicologia tem a sua função, porém não devemos negar as informações inconscientes, até porque temos provas suficientes que aquilo que é rejeitado quer ser visto, uma doença que não aparenta cura, mas com o cuidado emocional ela desaparece, psicossomática pura. Deixar a informação só no campo racional, do pensamento lógico, não cura, não equilibra, o sujeito precisa viver a ideia, ter a epifania, o êxtase da transformação. Reich dizia que o corpo é o inconsciente visível, para o Jung o corpo é um mensageiro do inconsciente e assim muitos outros mostram a necessidade que temos de ir ao mais profundo do ser para curar o que temos em matéria.
EnCena: Qual o risco para a Psicologia – cujo nome ‘psique’ é originário de um contexto onde se estudava a essência das coisas – ao se negar ou mesmo atenuar a influência da religião na vida das pessoas?
Piettro Lamounier: A natureza do ser é simbólica, nos comunicamos e relacionamos pelos símbolos, as religiões nos mostram os símbolos de um relacionamento conosco mesmos. Essa relação é essencial para o equilíbrio do ser. Os símbolos religiosos são criações inconscientes, a natureza querendo ser lida por ela mesma, nos dando um caminho para isso, mas assim como o mito os símbolos religiosos não podem ser levados ao pé da letra, é necessária interpretação e bem pessoal. Assim a religião se coliga com a psicologia, porém alguns utilizam esses símbolos sem levar em consideração o caminho intrínseco de cada um, aí veremos um degringolar de alienação e cegueira prejudicial ao equilíbrio do ser.
EnCena: Por que você escolheu a Psicologia Analítica? Algum fato em particular?
Piettro Lamounier: Costumo dizer que eu não escolhi a Psicologia Analítica e sim que ela me escolheu. Algumas experiências ditas como numinosas ou transcendentes me levaram a buscar respostas e os únicos lugares da ciência que acolheram as minhas perguntas foram a Psicologia Analítica e a física quântica. Então por uma necessidade pessoal me voltei pra estes estudos.
EnCena: Qual a sua trajetória profissional, dentro da Psicologia, antes de atuar na clínica?
Piettro Lamounier: Entrei no Ceulp/Ulbra em fevereiro de 2002 e saí no segundo semestre de 2007, muitas transformações. Porém quando saí fui trabalhar no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, o que acredito ter sido a melhor escola para mim que estava iniciando. Em 2009 ingressei na clínica em paralelo com o Cras o que também foi um aprendizado enorme. Fiquei quatro anos e meio no CRAS vivenciando realidades diversas nas visitas que fazíamos às residência e nos grupos de encontro semanal. Depois do CRAS trabalhei também em uma casa Abrigo, mas depois que ingressei na clínica nunca mais a deixei.
EnCena: O nome ‘psicologia profunda’, ou ‘complexa’, cunhado pelo próprio Jung, não acarreta um mal estar com as demais construções teóricas? Por que, afinal, esta abordagem é considerada uma das mais complexas?
Piettro Lamounier: Essa designação inicial de Jung sobre o seu próprio modo de fazer psicologia gerou muitos atritos na época, até porque a sociedade europeia vivia uma inflação do ego científico. Hoje talvez isso não seja tão grave, apesar de ainda termos muitos egos inflados diante de titularidades institucionais e vertentes ideológicas. Quanto à profundidade de seus estudos acredito que seja inegável, até porque Jung teve a oportunidade de contar uma esposa com poder aquisitivo que investia nas ideias do marido subsidiando viagens aos diversos cantos do mundo, dando a possibilidade de um estudo mais aprofundado e vivencial das manifestações inconscientes de diversas culturas. Acredito que como bom introspectivo que era, Jung se aprofundou em si e viu os abismos de sua própria alma, o que fez com que ele buscasse, antes de sua teoria, a sua própria verdade. Dessa forma o complexo de sua teoria era inevitável.
EnCena: Ao mesmo tempo em que, atualmente, há um aumento do materialismo, por outro lado cresce o interesse dos jovens pela metafísica. Você acredita que isso é modismo ou, como diz a própria Psicologia Analítica, trata-se de um movimento natural de compensação?
Piettro Lamounier: O ser quer viver o todo, mas os medos do ego nos impedem de usufruir de tudo que o mundo oferece. O que percebo é que a cada geração algumas barreiras do ego se quebram, por mais que outras se formem, mas vejo como a maioria porque faz parte do todo, assim como a metafísica também tem seu espaço e sua função na vida do ser. Entre negros e brancos o futuro é pardo. Compensação, talvez até seja quando pensamos no amor líquido de Bauman, onde eu vivo consumindo a vida e as pessoas, porém chega um determinado ponto em que meu ser não aguenta mais viver só na superfície e busca o profundo. Não vamos apressar o rio, mas estejamos prontos para quando transbordar.
EnCena:Qual sua dica para o/a jovem acadêmico/a que sonha em viver exclusivamente da clínica?
Piettro Lamounier: Ao jovem acadêmico eu digo viva, experiencie e se aprofunde em si. Ninguém ajuda a achar um caminho com eficiência se já não o tiver trilhado.