No texto “As categorias da beleza” do livro “Iniciação à Estética” de Ariano Suassuna (2009), são abordadas as concepções de Beleza, suas classificações e implicações ao longo da história, bem como a influencia de Aristóteles na construção dessas novas configurações. Nesse ensaio, procuramos fazer uma comparação entre algumas dessas características com as concepções atuais de beleza, especialmente a beleza estética corporal, que tem sido fonte dos mais diversos tipos de infortúnios.
Assim, Suassuna (2009, p. 105) aponta que “a estética moderna procura fazer do Belo apenas um dos tipos possíveis de algo mais amplo, que os Pós-Kantianos chamaram de Estético e que, aqui, chamamos de beleza”. Dessa forma, torna-se possível dizer que o Belo está entre os vários tipos de Beleza existentes. O autor acrescenta ainda, que a Beleza não deve ser compreendida apenas pela ótica do Belo que desperta sentimentos agradáveis e serenos, mas que outras sensações podem ser despertadas por meio dos diversos tipos de Beleza. Dessa maneira, fez-se necessário uma fragmentação do campo estético, possibilitando uma visão mais ampla da Beleza.
O autor traz como problema o impasse de analisar as categorias da Beleza por uma ótica objetiva, ou em termos subjetivos. Ou seja, a interpretação dos diversos tipos de beleza pode ser compreendida a partir da ótica de cada sujeito, de modo que cada indivíduo perceberá estes aspectos de acordo com suas próprias noções e singularidades. No entanto, independente da forma escolhida, as linhas gerais da solução desse dilema foram sugeridas por Aristóteles. Conforme Suassuna (2009) Aristóteles em sua definição de Beleza, associa inicialmente, elementos de harmonia e desarmonia, com a grandeza e a proporção, no intuito de alcançar as categorias de Beleza expressas através das artes literárias e teatrais.
Aristóteles (s/d, apud Suassuna, 2009) define oito categorias da Beleza, sendo que, destas oito, quatro estão ligadas à harmonia: o Gracioso, o Belo, o Sublime e o Trágico. As demais estão associadas à desarmonia, originados a partir do que na natureza é feio: o Risível, a Beleza do Feio, a Beleza do Horrível e o Cômico. A mídia atual dá maior ênfase a beleza exterior que é essencialmente “harmônica”. Entretanto, do outro lado da televisão, existe mais desarmonia do que harmonia. E é necessário reconhecer o belo na desarmonia. Em revistas, jornais, propagandas só existe o corpo “perfeito”, que é frequentemente e (não tão) ironicamente, magro, branco, europeu. Em casa, nas ruas, o que existe são corpos singulares, que sofrem por não serem “perfeitos”.
Fonte: http://ohanamakeup.tumblr.com/post/109516269334/rosto-perfeito-m%C3%A1scara-de-marquardt
Com relação ao Gracioso, este refere-se a forma na qual a Beleza se realiza por meio de pequenos detalhes. Embora, apresentem aspectos de beleza, estes não podem pertencer ao Belo, uma vez que este exige majestade e imponência (ARISTÓTELES, s/d, apud SUASSUNA, 2009). Em contrapartida, no campo da desarmonia encontra-se o Risível, Beleza criada a partir do que existe de desarmonioso no mundo e no homem, no entanto, essa feiura, torpeza e o grotesco são em proporções ainda suaves, ou seja, são apenas alguns defeitos (SUASSUNA, 2009).
Em seguida, têm-se elementos nos quais a grandeza é fundamental, o Belo e a Beleza criada a partir do feio. Nessas categorias, é notório que há um aumento da proporção de suas características: a grandeza, a imponência e a majestade fazem parte dessas esferas, ainda que não de formas demasiadas, para não adentrar ao terceiro campo (SUASSUNA, 2009). Este terceiro campo, faz menção à Beleza do Horrível e ao Sublime, que de acordo com Suassuna (2009, p.112) Aristóteles atribuía a eles o “domínio do grandioso, das proporções desmesuradas”, diferenciando-se apenas pelo fato do Sublime estar associado à harmonia, enquanto a Beleza do Horrível à desordem, remetendo ao feio e repugnante em proporções demasiadas.
Fonte: http://www.lendo.org/a-tragedia-grega/
Em último campo encontram-se o Trágico e o Cômico, nessas classificações os sentimentos são originados por ações, seja no teatro ou na dança, e não por pensamentos, como nos demais campos da beleza citados anteriormente. Então, a partir de uma ação em desarmonia com o que é socialmente esperado, surge o cômico, com terror, piedade e grandiosidade. Em contrapartida, quando esses aspectos estão em harmonia temos o trágico (SUASSUNA, 2009).
“A tragédia é, pois, imitação de ações de caráter elevado, completa em si mesma, de certa extensão, linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídos pelas diversas partes do drama(espetáculo), imitação que se efetua, não por narrativa mas mediante atores (personagens), e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação desses sentimentos” (Aristóteles apud Suassuna, 2009 p.124-125)
Segundo Aristóteles (s/d apud Suassuna, 2009 p.128), o personagem é um misto de boas e más qualidades. Seu caráter trágico é enunciado mais pelas suas decisões do que pelas suas palavras. Essas decisões são comumente influenciadas pela grandeza de suas paixões. Assim, o trágico decorre de uma ação humana elevada, narrada em linguagem poética, com predominância da imagem e da metáfora, na qual um personagem excepcional toma uma decisão, fazendo uma escolha entre dois fins, preferindo um e evitando outro.
No capítulo 11 do livro Iniciação à Estética de Ariano Suassuna o autor fala sobre a Visão Psicológica das Categorias da Beleza, nome do capitulo, citando primeiramente Charles Lalo sobre As Três Faculdades e a Harmonia, seu ponto de vista psicológico, onde ele nos fornece indicações sobre a definição objetiva de cada uma dessas categorias partindo do princípio Aristotélico: harmonia, ou ordem. Em combinações, o autor fala sobre 9 categorias no total, sendo subdivididas em 3 campos de harmonia de três faculdades atribuídas ao espirito humano, a inteligência, a atividade e a sensibilidade.
Para o autor, o primeiro campo, o da Harmonia Possuída, é dividido em Belo, Grandioso e Gracioso. Sendo, para ele, Belo a forma especial de beleza sensível à inteligência, uma beleza serena e clássica, onde não há muito esforço, mas sim o gosto ao clássico, por exemplo os templos gregos que são equilibrados, harmoniosos e serenos. O Grandioso, segundo o Lalo, é uma forma de harmonia obtida através de uma luta contra um material duro e resistente que está acima das forças humanas, como um templo egípcio que para ele tem uma impressão de que aquelas obras são algo maior que as medidas humanas atingidas pelos humanos. Já o Gracioso seria a forma sentimental e afetiva da harmonia, que transparece também proteção e sensibilidade diante de seres ou objetos frágeis, como por exemplo, uma casa simples no campo.
Fonte: http://pwalwer.blogspot.com.br/2012/05/templo-de-poseidon-imperador-dos-mares.html
Quando o autor passa para o Campo da Harmonia Procurada, ele fala sobre as três categorias principais, que são o Sublime, o Trágico e o Dramático. O Sublime, para Lalo, sendo a categoria mais puramente intelectual consiste no conflito de ideias que também possuem um caráter religioso, já que esses conflitos também se dão a partir de ideias superiores e que não estão ao alcance humano. Sublime então seria o tipo de Beleza de meditação onde ocorre um sentimento de solene terror por causa desses conflitos.
Quando o autor fala sobre o Trágico, diz ser a harmonia procurada através de uma ação, ou seja, estando mais ligadas à atividade o Trágico seria uma luta contra a fatalidade, o combate de um ser humano contra necessidades irresistíveis de fora, como o Édipo que é um dos melhores exemplos para isso. Lalo já define o Dramático de maneira mais vaga, dizendo ele que é o tipo de Beleza que procura comover sensibilidade onde não é apresentada o “trágico, fatalidade”, sendo assim uma “morte acidental, mas tocante” para o autor.
Por último, temos o campo da Harmonia Perdida, onde os três campos principais são o Espirituoso, o Cômico e o Humorístico. Lalo diz que o Espirituoso é o domínio das obras de arte nas quais predomina o riso despertado por uma sugestão de ideias, espirito é sinônimo de inteligência e de capacidade de despertar riso. Já o Cômico seria mais voltado para o lado da ação, onde, para o autor, o caráter e o tais ações cômicas se mostram através de uma desarmonia enquanto não se sabem que exista essa desarmonia, por exemplo, se um personagem é cômico por ser avarento é engraçado, mas se suspeitamos que ele é avarento porque quer, sua avareza cômica se torna uma fatalidade, que dá lugar ao Trágico.
Por fim, o Humorístico de acordo com Lalo é “uma falsa unidade aparente, na qual nós descobrimos uma incoerência escondida”, para ele o Humorístico é “realista e fantástico, feroz e terno, moral, amoral e, por vezes, imoral, metafísico e brincalhão, anárquico e social, apóstolo do bom-senso e demônio da extravagância”, isso seria conseguir ver o lado bom tanto de coisas boas quanto de coisas ruins, de acordo com Cassio Nunes, em seu livro Breves Estudos de Literatura Brasileira de 1969.
Tanto o Trágico quanto o Dramático se caracterizam pelo infortúnio, pelo esmagamento, pelo aniquilamento do personagem. Como Henriette (2014) fala em seu artigo “O padrão de beleza imposto pela mídia”, as pessoas não enxergam mais sua beleza interior, mas sentem um vazio enorme, tentando ser o que não são, tentando atingir um padrão inalcançável. Essa beleza trágica, imposta pela sociedade, acaba esmagando nossas singularidades, aniquilando nosso protagonismo e nos colocando em uma posição de infortúnio, em uma constante luta entre sermos aceitos sendo “belos”, e corremos o risco de termos parte de nossa subjetividade perdida, ou preservarmos a nossa individualidade e sermos marginalizados como “feios”.
Fonte: http://www.almanaqueliterario.com/o-desenvolvimento-intelectual
A exemplo do que acontece com o trágico, o Dramático se fundamenta em ações. Aliás, a ação é elemento fundamental de qualquer das categorias da Beleza ligadas ao comportamento humano. Por exemplo, para alcançar o status de belo em nossa sociedade, é preciso agir em função disso, mesmo que essa ação tenha um desenrolar trágico e um final catastrófico. O conflito dramático e também o trágico, se encontram na vida cotidiana. São situações que todos vivemos e testemunhamos. Situações que nos causam certo medo e até repulsa, mas que ao mesmo tempo nos fascinam e por vezes nos impelem a agir da mesma forma. Como exemplo, todos objetivamente sabemos que é irreal o patamar de beleza que nos é imposto, mas em maior ou menor grau, acabamos submetidos por, e trabalhando em prol dele.
Para Suassuna (2009), em matéria de estética, é sempre conveniente refletir sobre o concreto. Se houvesse uma maior observação dos limites da concretude em termos de beleza, possivelmente a nossa vivência de estética seria menos dramática. Na sociedade moderna o que se observa são os padrões de beleza impostos pela mídia, que trazem um discurso que para ser bem “sucedido” e até mesmo aceito dentro de uma esfera social é preciso seguir o padrão de estética que a sociedade impõe.
Relativamente existem serias consequências dentro desse parâmetro social, quando no sujeito surge o sentimento de inferioridade perante o modelo visto na mídia como perfeito, levando o mesmo a não aceitação do seu corpo e “contribuindo” para uma series de “malefícios” como no caso da anorexia nervosa e bulimia. A mídia a todo tempo tem pregado poder, honra, beleza, sucesso e vários outros. Sempre com intuito de promover uma cultura de que aquilo que é externo e mais importante do que a parte interna, psíquica e emocional.
Fonte: http://nikelenwitter.sul21.com.br/2014/08/sobre-a-imposicao-de-padroes-de-beleza/
A maiores vítimas são as mulheres que buscam pela perfeição do corpo, influenciadas especificamente pelas top moldels, que passam uma alta imagem de que tudo se encontra aprimorado, com alto esmero, que não contém nenhuma imperfeição. Uns dos maiores incentivadores a propagar o padrão de beleza aceitável pela mídia são os meio comunicativos que passa a visão de que tudo pode ser alcançado e com isso a busca pelo “corpo sarado” é bastante almejada para satisfazer a necessidade que a mídia tem colocado na sociedade.
A reflexão aqui é, portanto, a respeito das diversas formas da beleza e de como elas influenciam a forma como vemos determinadas coisas, pessoas, lugares, e o mundo. A um nível que beira a ignorância (e por vezes, esse limite é atravessado) nós rotulamos e tratamos as pessoas com base na nossa concepção sobre a beleza. É necessário mais do que isso. É necessário aprender sobre as diversas formas de beleza, e mais, aprender que a beleza vai além de formas físicas, transcende. É complexa e vulnerável. Precisamos falar sobre o que chamamos de beleza.
REFERÊNCIAS:
SUASSUNA, Ariano. As categorias da beleza. In: SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. Cap. 10, 11, 12 e 13. p. 103-141.
SILVA, Henriette Valéria. O padrão de beleza imposto pela mídia. ed.794. 2014. Disponível em: <observatoriodaimprensa.com.br/…/_ed794_o_padrao_de_beleza_imposto_pela_midia>