Relacionamentos Abusivos: uma forma patológica de amar

Recentemente, pôde-se acompanhar através das mídias e redes sociais, a polêmica envolvendo o casal Marcos e Emilly, no reality show Big Brother Brasil, edição 2017. O BBB 17, transmitiu na edição deste ano um relacionamento abusivo. Emilly era alvo de constantes ataques psicológicos, e ameaças à sua integridade física, por parte de Marcos, que se mostrava extremamente agressivo e opressor. O Brother chegou a apontar o dedo e encurralar a jovem contra a parede algumas vezes, deixando-a em posição de subordinação e humilhação. Como resultado, Marcos acabou sendo expulso do reality, na noite desta segunda-feira.

Há bastante semelhança entre a questão dos relacionamentos abusivos, e a forma patológica de amar, trazida por Davi E. Zimerman. A psicóloga Raquel Silva Barreto, em entrevista ao Repórter Unesp, disse que uma “Relação abusiva é aquela onde predomina o excesso de poder sobre o outro. É o desejo de controlar o parceiro, de tê-lo para si. Esse comportamento, geralmente, inicia de modo sutil e aos poucos ultrapassa os limites causando sofrimento e mal-estar. ”

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Zimerman, psicanalista norte americano, traz em seu livro Manual de Técnica Psicanalítica, em específico no capítulo intitulado Uma forma patológica de amar: O vínculo tantalizante, uma temática de grande relevância, no que se refere aos vínculos constituídos em forma de relacionamentos amorosos. Ao caracterizar-se os participantes desse vínculo amoroso, identifica-se dois personagens, um é o Dominador-sedutor, e o outro é o Dominado-seduzido. Na maioria das vezes, o homem assume o primeiro papel, enquanto a mulher assume o segundo. No entanto, também existem casos em que os papéis se invertem.

Zimerman, confere uma série de características pertinentes a esses dois personagens. Características essas que conotam uma forma patológica de amar, uma vez que percebe-se os sofrimentos decorrentes de tal configuração amorosa. O indivíduo que se encontra na posição de Dominador-sedutor é aquele que detém o poder/posse sobre o outro, das mais variadas maneiras, objetivando ser a “coisa” mais importante para seu parceiro, instituindo uma dependência, provocando assim a sensação de que o outro não consegue viver sem ele. Já o sujeito que ocupa o lugar de Dominado-seduzido é o inferiorizado da relação, sempre se comportando de forma submissa, encontrando-se na maior parte do tempo rendido, curvado e suplantado, ao seu dono Dominador.

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Nota-se que há uma complementação de um com o outro, visto que o Dominador encontra no Dominado aquilo que ele precisa, e vice-versa, o que de acordo com Zimerman torna a separação tão complicado e sofredora para ambos. O autor divide o Vínculo amoroso tantalizante em quatro partes, sendo elas: Domínio, Apoderamento, Sedução, e Tantalizante. É importante destacar que as quatro partes existem e se concretizam concomitantemente nesse tipo de relacionamento.

O Domínio acontece quando o Dominado “Exerce uma apropriação, quase indébita, através de uma desapropriação dos bens afetivos e de uma violência a liberdade do outro” (ZIMERMAN, 2003, p. 335 ). O Sedutor possui a necessidade de exercer poder sobre o Seduzido, e para isso ele usa de variados recursos que possam torná-lo grande e poderoso. A dominação pode ser de caráter intelectual, moral, econômico, político, religioso, afetivo (ZIMERMAN, 2003).

O Dominador não permite que o outro tenha autonomia e escolhas próprias e diferentes das suas, já que isso seria considerado uma perda do controle que ele exerce sobre o Dominado. Vale ressaltar que o Sedutor também usa de marcações no corpo do outro, percebidas em forma de chupões e arranhões, como forma de determinar seu poder/controle sobre seu parceiro. Quando o Seduzido curva-se a esse poder e controle, consequentemente sente-se subjugado e minimizado.

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O Apoderamento é descrito pelo autor como sendo um “Poder e posse total em relação ao corpo, mente e espírito do outro” (ZIMERMAN, 2003, p. 335 ). De acordo com David E. Zimerman, o Dominador vê nessa atitude de posse, o único meio para conseguir o respeito e amor do outro, uma vez que na realidade ele sente medo de se encontrar desamparado em algum momento.

A Sedução consiste em uma das técnicas mais intensas usadas pelo Dominador-sedutor, com o objetivo de despertar no Seduzido uma espécie de fascinação e encantamento, fazendo com que o Dominado veja o Dominador como o “objeto” mais almejado e incrível que alguém poderia ter. Promete-se, “ (…) uma completude paradisíaca, que em pouco tempo se revelará como não mais do que ilusória e pelo contrário, se concretizará, como um emaranhado círculo vicioso de sucessivas decepções e renovadas ilusões (…)” (ZIMERMAN, 2003, p. 336 ).

A última parte que caracteriza esse vínculo adoecido, chamada de Tantalizante, pode ser explicada no seguinte excerto, “ Aquele que tantaliza, isto é, que espicaça ou atormenta com alguma coisa que, apresentada à vista, excite o desejo de possuí-la, frustrando-se este desejo continuamente por se manter o objeto fora de alcance, à maneira do suplício de tântalo. ” (ZIMERMAN, 2003, p. 337). É necessário explicitar aqui, que a escolha desse termo provém do Mito Grego de Tântalo, no qual Tântalo, por ter roubado o manjar dos deuses, foi castigado por eles, sendo acorrentado imerso nas águas de  um lago, sem conseguir se alimentar e beber, uma vez que às águas do lago trazem a comida, no entanto Tântalo nunca consegue alcança-la, consistindo-se num sofrimento eterno.

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A relação análoga entre o mito e a forma patológica de amar, é vista quando há esse constante “dar e tirar” por parte do Dominador, que sempre se coloca em posição de impedimento em assumir um relacionamento estável, acontecendo assim periódicos términos e reaproximações, provocando um constante sofrimento, comparado ao mito de Tântalo que nunca consegue obter o que deseja. Contudo, David E. Zimerman, traz ainda em seu livro que para haver uma dissolução dessa relação adoecida e desses papéis adoecidos, é de suma importância que ambos os personagens, passem por tratamento psicológico, indicado por ele, como preferencialmente de cunho psicanalítico.

REFERÊNCIAS:

ZIMERMAN, David. Manual de Técnica Psicanalítica. Editora: Artmed,  2003