Stranger Things: uma temporada sobre MUDANÇAS

A terceira temporada não deixou a desejar, pelo contrário, superou as expectativas dos fãs da série. Isso aconteceu pelo fato de a trama ter conseguido abordar um leque muito amplo de assuntos

Se precisasse definir a essência da terceira temporada de Stranger Things (Netflix) numa única palavra, essa palavra seria “mudanças”. Passando pelas três temporadas da série, esta foi a que mais se aprofundou nas relações sociais estabelecidas entre os personagens. Dessa forma, o Devorador de Mentes protagonizou como coadjuvante, dando lugar de destaque para a intensa influência das mudanças sociais na vida de cada personagem.

Mas quais mudanças são essas? Como elas afetaram toda a trama e colaboraram para a evolução dos personagens? A primeira mudança, e a que se torna mais nítida, é a passagem dos integrantes do grupo (Eleven, Mike, Max, Dustin, Will, Lucas)  da infância para a adolescência. Essa transição faz com que o grupo se distancie um pouco nos primeiros episódios, uma vez que os interesses que antes tinham em comum, passaram a ser ocupados por novos projetos.

Portanto, os hobbies que se constituíam em jogar Dungeons and Dragons, andar de bicicleta e estarem em constante comunicação através dos walkie talks, foram aos poucos sendo substituídos por sentimentos amorosos, bem como por maior interesse nas questões relacionadas à identidade sexual e orientação sexual, numa tentativa de entender mais sobre essa nova fase do ciclo vital, a adolescência.

Fonte: encurtador.com.br/fruV5

Almeida e Cunha (2003) apud Dellazzana-Zanon e Freitas (2015, p. 282) trazem que “a adolescência é considerada como uma fase de transição, a qual inclui reconstruir aspectos do passado e elaborar projetos de futuro.” Desse modo, o ingresso nessa nova forma de existir, muitas vezes provoca medos e resistências em alguns adolescentes, que relutam em deixar o conhecido, para experimentar o desconhecido. Na trama, Will representa esse adolescente, se sentindo extremamente irritado e triste com as mudanças que estão ocorrendo no grupo e nas suas formas de funcionar, pedindo por várias vezes que as coisas voltem a ser como antes.

A segunda mudança trazida pela terceira temporada foi o estabelecimento de uma relação de amizade e sororidade entre Max e Eleven, que antes se viam como inimigas tendo como causa Mike. Nesse ponto, a série incorporou os ideais feministas que tem empoderado a união das mulheres e tomado conta das produções cinematográficas recorrentemente. Nesse novo cenário, tramas conjugais que colocavam duas mulheres lutando entre si para obter a atenção de um homem, estão sendo cada vez mais deixadas de lado, para que haja um aprofundamento das personagens femininas, desvinculando-as da imagem de um homem.

A união de Max e Eleven demonstra pontos importantes do ser mulher e da necessidade de que estas saibam constituir sua identidade e seus gostos, sem que precisem necessariamente se atrelarem a um relacionamento amoroso ou a um homem. Na série, elas começam a passar mais tempo juntas e Max ajuda Eleven a conhecer várias coisas novas, que vão desde roupas até livros, revistas, filmes e músicas que ela não conhecia pelo fato de só conviver com Mike.

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Ainda sobre El, a terceira temporada aborda o luto pela perda do filho da infância e a nova adaptação ao filho adolescente que Hopper experimenta em relação a sua filha adotiva. Sobre isso, Matos e Lemgruber (2017, p. 136) explica que “os  pais  ficam  numa  posição  em  que  necessitam  também  de  entrar  em  um processo  de  luto  pelo  corpo  do  filho,  pela  sua  identidade  de  criança,  e  por  sua  relação  de dependência  infantil.”

Hopper se sente bastante perdido quando Eleven começa a namorar com Mike e perde o interesse pelos jogos e programas de TV que eles experimentavam juntos. Tal sentimento é externalizado na carta em que ele escreve para a filha, onde ele relata o quanto sentia falta das noites de jogos e de fazer waffles para ela comer e o quanto desejava que tudo isso voltasse a ser como era antes. Contudo, ele consegue passar por esse processo de luto com a ajuda de Joyce, que o aconselha em quais atitudes seriam melhores para lidar com essa nova fase de El.

Portanto, a terceira temporada não deixou a desejar, pelo contrário, superou as expectativas dos fãs da série. Isso aconteceu pelo fato da trama ter conseguido abordar um leque muito amplo de assuntos, que foram para além dos Devoradores de Mente, fazendo com que a continuação da história brilhasse a cada episódio. Quando o telespectador vê a temporada e os episódios passando na frente dos seus olhos, é como se visse o seu próprio crescimento e a sua própria transição da infância para a adolescência, despertando um sentimento de nostalgia que é intensificado pelo cenário vintage da época.

Fonte: encurtador.com.br/jAJUW

Por fim, segue a carta escrita por Hopper que resume perfeitamente o espírito que essa terceira temporada desejou despertar nos fãs da série:

“Tem uma coisa que eu estava esperando para contar a vocês – e eu sei que isso é difícil de dizer. Mas eu me importo muito com vocês. E eu sei que vocês se importam muito um com o outro e é por isso que é importante definirmos esses limites para que possamos construir um ambiente onde nós TODOS nos sintamos confortáveis, confiáveis e abertos para compartilhar nossos sentimentos. Sentimentos. Jesus. A verdade é que, por muito tempo, eu esqueci o que eles eram. Eu fiquei preso em um lugar – em uma caverna, você poderia dizer. Uma caverna escura e profunda. E aí, eu deixei alguns waffles na floresta e você entrou na minha vida e… pela primeira vez em muito tempo, eu comecei a sentir coisas de novo. Eu comecei a me sentir feliz.
Mas, ultimamente, eu acho que estou me sentindo… distante de você. Como se você estivesse se afastando de mim ou alguma coisa assim. Sinto falta de jogar jogos de tabuleiro todas as noites, fazendo extravagantes waffles de três andares quando amanhecia, assistindo a faroestes juntos até dormirmos.

 Mas eu sei que você está envelhecendo, crescendo, mudando. E eu acho… se eu for realmente honesto, que é isso o que me assusta. Eu não quero que as coisas mudem. Então, eu acho que talvez seja por isso que eu vim aqui, para tentar talvez… parar com essa mudança. Voltar o relógio. Fazer as coisas voltarem a como eram.
Mas eu sei que isso é uma ingenuidade. Apenas… não é como a vida funciona. Ela está em movimento. Sempre se movendo, quer você goste ou não. E sim, às vezes dói. Às vezes é triste e às vezes é surpreendente. Feliz.

Então, quer saber? Continue crescendo, garota. Não me deixe impedí-la. Cometa erros, aprenda com eles e, quando a vida lhe machucar – porque ela vai – lembre-se da dor. A dor é boa. Significa que você está fora daquela caverna.

Mas, por favor, se você não se importar, pelo bem do seu pobre e velho pai, mantenha a porta aberta oito centímetros” – Jim Hopper.

REFERÊNCIAS:

DELLAZZANA-ZANON, Letícia Lovato; FREITAS, Lia Beatriz de Lucca. Uma Revisão de Literatura sobre a Definição de Projeto de Vida na Adolescência. Interação Psicol., Curitiba, v. 19, n. 2, p.281-292, ago. 2015. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/35218/29361>. Acesso em: 12 jul. 2019.

MATOS, Laydiane Pereira de; LEMGRUBER, Karla Priscilla. A ADOLESCÊNCIA SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA: sobre o luto adolescente e de seus pais. Psicologia e Saúde em Debate, [s.l.], v. 2, n. 2, p.124-145, 10 fev. 2017. Psicologia e Saude em Debate. http://dx.doi.org/10.22289/2446-922x.v2n2a8. Disponível em: <http://psicodebate.dpgpsifpm.com.br/index.php/periodico/article/view/40>. Acesso em: 12 jul. 2019.